apresentação 2019-2

O mundo já acabou e continuamos habitando a barriga do monstro.

Cesar Shundi
Francisco Fanucci

Os esforços desse semestre convergem para elaborar projetos para resistir ao fim do mundo,
evento que já aconteceu muitas vezes no planeta terra, e que tivemos notícias nos trabalhos
do tema anterior. Mas, afinal, há sentido em continuar projetando para além desta data limite?
O fato é que, apesar de um horizonte achatado entre um chão convulsivo e um céu em queda, estamos vivos e as mudanças que implicamos à geologia terrestre são irreversíveis, ou ao menos não estaremos aqui para ver o planeta contornar coisas triviais como o isopor. O aumento do nível do mar, das ondas de calor, dos níveis de contaminação dos lençóis freáticos
se tornaram dados tão pertinentes para a arquitetura quanto a topografia de um terreno, a direção do norte ou a mecânica do solo.
Muitos dos saberes que nos trouxeram até este lugar e momento só passam a fazer sentido se arranjados em novas coreografias com outros agentes que não somente os humanos. Para além disso, será necessário territorializar nossos conhecimentos, localizar nossas ações, explicitar a origem de nossos saberes, a fim de compreender seu lugar entre tantos outros, no
que Isabelle Stengers chama de ecologia das práticas. Afinal, aprender a reconhecer ou a nomear o problema é importante, mas não é um fim em si. Trata-se, antes, de uma condição para outra coisa. Para parar e pensar. Pensar no sentido que importa politicamente, ou seja,
no sentido coletivo, uns com os outros, uns pelos outros, em torno de uma situação que se tornou comum e que, portanto, nos faz pensar. Não “eu penso sobre alguma coisa”, mas “algo me faz pensar alguma coisa”.

As possíveis respostas a este período de incertezas não serão dadas a questões prontas. Serão respostas sempre locais, no sentido que local não significa “pequeno”, mas aquilo que se opõe
a “geral” ou “consensual”. Essa prática de pensamento, ou o conjunto de interrogações que dela nasce, é indissociável de uma experiência prática concreta, de um encontro com o mundo e um encontro com o outro. Precisamos de outras histórias. Precisamos de outras ideias. Outros projetos e outras formas de produzir e de pensar arquitetura, cidade, território e paisagem. Precisamos pensar juntos em como situações difíceis de nosso tempo podem ser transformadas ou reimaginadas.
Precisamos de ideias que afirmem a pluralidade, pois não se trata de construir modelos, e sim experiências práticas, concretas e situadas.
Diferente do enunciado do primeiro semestre onde buscamos criar um vocabulário mínimo comum, o exercício agora proposto elege três territórios de trabalho. Tal qual a teoria das formas de Kandinsky, os fins de mundo a serem adiados pelos projetos desse semestre são um
ponto, uma linha e um plano. Lama, fogo, veneno e óleo.
O ponto é o local do rompimento da barragem de Brumadinho e tudo que derivou dessa fissura. Esperam-se projetos que pensem suprir as moradias dos atingidos pelas barragens, as reconstruções das cidades tomadas pela lama, as infraestruturas necessárias para tornar o local novamente habitável, o presente das populações indígenas e ribeirinhas alijadas dos rios, o futuro dos patrimônios históricos e culturais em risco de novos rompimentos, o desenho de paisagem pós-catástrofe, e tudo e o que mais for passível de intervirmos através da lente do
campo da arquitetura naquilo que foi tocado pela lama.
A linha é o vetor de expansão da agroindústria, do cerrado à amazônia, território por onde vão veneno e fogo, mas também por onde vem a água para o sul do país. Aqui cabem projetos que pensem novas formas de habitar os biomas, novos usos para o solo, infraestruturas de produção mais adequadas de energia e de alimentos, formas de conviver com a toxicidade das águas e equipamentos que rompam com a noção de litoral e interior do país.
Por fim, o plano do litoral atingido pelas manchas de óleo no nordeste do país, mas não só, pensando também no convívio dessa região com o aumento do nível das águas dos próximos anos, nas formas de produção de alimentos contaminados, na deterioração dos recifes de
corais e demais biomas marinhos.