G07 trabalhador coletivo : de dentro e através do mutirão

Etapa 01

Diante do tema proposto para este semestre do Estúdio Verical: modos de pensar e modos de fazer; o grupo, nesta primeira etapa, centrou as discussão entorno do canteiro de obras: nas relações de trabalho ali desenvolvidas, nos modos de produção, materiais e técnicas empregadas. Para isso, usamos como referências iniciais o Grupo Arquitetura Nova (Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império) e a abordagem crítica-marxista em relação a divisão do trabalho e organização do canteiro de obras que o grupo traz, na chave da arquitetura como mercadoria capitalista, fruto da exploração da mão-de-obra, “resultado do processo de valorização do capital” e da separação entre trabalho intelectual e manual.

 

“A separação entre trabalho e trabalho, trabalho e instrumento, atividade feita a-céfala e finalidade funcional, assim como a separação entre trabalhador e sua força de trabalho são manifestações de uma relação de produção específica”. (FERRO, Sergio .  O canteiro e o desenho, p.30)

 

“Armado do desenho, (o arquiteto) se torna o senhor do canteiro, posto que possui o meio de “representar” para cada um sua tarefa. Antecipando-se sobre cada um dos gestos produtivos, ele os priva de autonomia e a organização coorporativa do trabalho cai em seu poder” (BICCA, Paulo. Apresentação . O canteiro e o desenho, p.17)

 

Além do grupo Arquitetura Nova, sobre o qual pretendemos nos debruçar mais, tanto nos escritos teóricos quanto na arquitetura por eles produzida, sobretudo a organização do canteiro destas; outra referência para as discussões do grupo até o  momento foram algumas experiências do arquiteto Lelé (João Filgueiras Lima): os processos de racionalização da produção, organização do trabalho e a ênfase na industrialização e utilização de pré-fabricados principalmente na produção em série. Entre os projetos do arquiteto, a proposta da “fábrica de escolas”,  desenvolvidas pelo arquiteto e o governo do Rio de Janeiro para os CIEPs, na década de 1980. O projeto nos chama a atenção pelo volume da produção seriada e pelo rápido processo de montagem no canteiro.

 

Dentro desta temáticas, alguns dos pontos que levantamos foram: a função social do arquiteto e a dimensão política do projeto; o ensino e a formação em arquitetura e urbanismo na Escola da Cidade, em São Paulo, no Brasil (ou outro recorte espacial); a indústria da construção civil hoje no Brasil (coleta e análise de dados) e os “atores” envolvidos na produção da arquitetura – enquanto objeto-mercadoria: arquiteto e equipe, cliente, empreiteiro, mestre de obras, pedreiros, assim como a interlocução entre as partes durante as fases do projeto e obra.

 

O grupo pensou em dois possíveis encaminhamentos para o prosseguimento das pesquisas e a possível aplicação destas reflexões num exercício de projeto futuro:

 

  1. Desenvolver um plano de obra (projeto arquitetônico/organização da produção nas diferentes fases) que lide com a escala da produção da indústria da construção civil no contexto atual para determinado programa (habitação, comércio, serviços,…). Refletindo sobre o alcance de uma proposta de reformulação do modelo de produção do objeto-arquitetura e das relações de trabalho que o envolvem, buscando maior interlocução entre as partes e menor alienação da mão-de-obra braçal no canteiro.

 

  1. Repensar a questão do ensino, formação e inserção no mercado de trabalho no campo da arquitetura e urbanismo, com um possível foco nas nossas experiências e impressões com o ensino dentro da Escola da Cidade. Dentro deste tópico, algumas das questões que nos tocaram foram: a limitada formação técnica de nós, arquitetos, que se revela no limitado saber acerca dos materiais e técnicas; no pequeno contato com o canteiro de obras e limitada compreensão das relações de trabalho e estratégias de obras; na dimensão política do projetar, que, acreditamos, deveria estar mais presente nos anos de formação.

 

Etapa 02

A proposta de estudar o Mutirão Autogerido nos surgiu a partir da compreensão deste como um modelo de produção de moradia que se contrapõe ao modelo mercadológico-capitalista, da Industria da Construção Civil. Essa compreensão se deu a partir das leituras de Sérgio Ferro (O Canteiro e o desenho); Pedro Arantes (Arquitetura Nova); Nabil Bonduki (Habitação e Autogestão – Construindo territórios de utopia); Paulo Sérgio Moçouçah e Marco Antonio de Almeida (Mutirão e autogestão em São Paulo: uma experiência de construção de casas populares) ; e dos filmes (Capacetes Coloridos; Há Lugar; Entrevista com Sérgio Ferro: Canteiros diferentes).

As transformações no modelo de produção proposta pelos movimentos de moradia no Mutirão Autogerido em relação a produção para o mercado não estão limitadas a mão de obra responsável pela construção (mutirantes – trabalho desmercantilizado X trabalhador assalariado). Se expandem para diversas esferas, desde o projeto arquitetônico – presente no processo de autoconstrução de forma distinta: “não como abstração-alienação [que configura seu caráter autoritário em relação ao trabalhador empregado, segundo a abordagem de Ferro] mas como instrumento de um projeto coletivo [produzido para um bem comum – mutirante é “autor, produtor e futuro usuário”]” (ARANTES, p.191); ao modo de produção, “sem patrões e capatazes” e no qual, diferente do modelo tradicional, “não é possível aumentar a produtividade através da ampliação da exploração [mais-valia], com precarização, horas extras, demissões, mas somente através da invenção de novos procedimentos e técnicas construtivas” (ARANTES, p.195).

A relação entre a produção de moradias por mutirões autogestionários e os debates, propostas e críticas da Arquitetura Nova (Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre, Flávio Império), não é direta, como coloca Arantes (“os arquitetos do mutirões não foram diretamente influenciados pela arquitetura de Sérgio, Flávio e Rodrigo e menos ainda por Artigas. Não estão filiados a nenhuma escola e combinam referências que vão do vernacular ao high-tech” (ARANTES, p. 203)). Mas apontam para um mesmo caminho: “a racionalização das técnicas populares” enquanto oposição ao “atraso da construção civil brasileira, cuja oferta permanente de mão de obra barata [própria da sociedade capitalista – Exército Industrial de Reserva] não estimula a adoção de máquinas e técnicas que economizem trabalho” (ARANTES, p. 202)

 

“Resumindo, o paradoxo pode ser apresentado nos seguintes termos: no Brasil,                      uma produção aparentemente arcaica, como o mutirão, aponta para o avanço                       técnico, e uma produção capitalista, ou seja, moderna, aponta para a manutenção do arcaico”. (ARANTES, p.220)

 

A postura do arquiteto em relação ao cliente é uma das facetas da interferência de um outro modelo produtivo àquele já estabelecido e seus agentes. No caso dos mutirões – onde é preciso “desenhar “cara-a-cara” com a população” – se soma o desafio, para o arquiteto, de se aproximar de outra classe social, relação que gera um “confronto entre as culturas do técnico e do mutirante” – e, com isso, aparece a necessidade de se desenvolver algumas metodologias para se discutir e desenvolver proejtos coletivos. Aí uma diferença significativa entre os arquitetos das assessorias técnicas que trabalham em projetos participativos e obras em regime de mutirão, em relação aos arquitetos do Grupo Arquitetura Nova que, na década de 1960, ensaiam novas formas de organização do projeto e canteiro (sobretudo na utilização racionalizada das técnicas populares, e da redução do uso de concreto e ferragem, presentes nas abóbadas propostas pelo grupo), mas a executam em residências burguesas (Casas Boris Fausto e Bernardo Issler, entre outras).

A abrangência e possível expanção deste modelo produtivo, discutido no capítulo ‘Lá’ do livro de Pedro Arantes, no “vislumbre do que poderia (poderá) ser uma outra forma de produção” (p.219), depende (vai depender) de “políticas públicas continuadas que favoreçam os mutirões autogeridos”. O mesmo, comenta no filme Capacetes Coloridos que com fluxo de dinheiro mais constante, o mutirão (enquanto modelo) poderia se apresentar como contraposição permanente ao modo de produção das empreiteras – “capaz de introduzir mais inovações técnicas e assegurar mais segurança ao trabalhador do que as obras das empreiteras” (p. 220).

A questão da habitação da classe trabalhadora e a autoconstrução são temas discutidos por uma série de intelectuais, entre os quais, os aqui citados, que valem-se das leituras de Marx e Engels, para analisar a produção da arquitetura enquanto mercadoria, fruto da exploração da mão-de-obra. Engels, em Sobre a questão da Moradia, escrito na década de 1870, aborda a excassez de moradias para a classe trabalhadora e suas razões na Europa do século XIX; a relação entre a formação de grandes aglomerados urbanos e o aumento dos aluguéis, a escassez relacionada não à quantidade de imóveis mas à má distribuição, a provisão (ou autoconstrução) de habitação para a classe trabalhadora, no sistema capitalista que, “ao suprimir o aluguel, diminui o custo de reprodução da força de trabalho” (baixando os salários). (ARANTES, p.190) No Brasil de hoje, estas questões ganham contornos específicos, mas nota-se também, como aponta Guilherme Boulos (liderança do MTST) em texto no Blog da Boitempo Editorial, a pertinência (permanência) das questões levantadas por Engels em relação à Europa do fim do século XIX, que podem ser aplicadas por exemplo, na relação entre o déficit habitacional do país e a enorme quantidade de imóveis ociosos. (“A bandeira dos movimentos populares, em defesa da expropriação desses imóveis para destiná-los aos trabalhadores sem-teto, já é levantada por Engels nos textos escritos entre 1872-73).

Nabil Bonduki, em seu livro ‘Habitação e Autogestão – Construindo territórios de utopia’, traça um panorama dos anseios da classe trabalhadora pela moradia (“sonho da casa própria”) e as -insuficientes- estratégias do poder público para lidar com este problema. Na década de 1940, com o aprofundamento da crise de moradias para as classes populares, deixando largos setores da população sem alternativas para morar, “surge” a solução baseada no trinômio loteamento periférico – lote próprio – auto-empreendimento, que garante a moradia para maioria da classe trabalhadora, a maior parte em lotes periféricos e com construções geralmente precárias. No caso de São Paulo, comenta o autor, entre 1940 e meados da década de 1970, favelados não somavam 1,5% da população do Município. Nos anos 1970, no entanto, este quadro se altera drásticamente, com o número de favelados crescendo 45% ao ano. A este fato o autor relaciona: o desaparecimento pouco-a-pouco da abundância de terras no entorno da cidade, provocando o aumento real do preço do lote; a elevação do preço do transporte dificultando o acesso a loteamentos distantes; maior rigidez contra a abertura de loteamentos clandestinos; e redução do salário real dos trabalhadores. Ao longo da década de 1980 esta conjuntura se agrava, com o aumento da taxa de desemprego e a queda do salário mínimo (entre 1981-84, cerca de 18%).

É neste contexto e, em meio a conjuntura de efervecência política, com a reorganização pártidaria e revisão da políticas públicas, do período de reabertura democrática, que se situa a experiência do Programa Paulista de Mutirões, durante a gestão Luiza Erundina (1989-92) a frente da Prefeitura de São Paulo. Esssa gestão tornou-se um exemplo paradigmático até hoje de experiências alternativas às populações de baixa renda: nascidas da luta do movimento social e da ousadia técnica, para a inovação em políticas públicas e da possibilidade que os movimentos têm de influir de forma mais direta nas decisões e na formulação de políticas públicas. A gestão configurou-se como um paradigma para os movimentos sociais, por tornar política pública (progama habitacional) a construção de moradias populares por meio da autogestão, contrapondo-se a lógica comercial-especulativa.

Uma nota de Sérgio Ferro disponível no site da assessoria técnica Usina CTAH (http://www.usina-ctah.org.br/notasobreausina.html) é bastante elucidativa em relação as contradições da autoconstrução e o caráter transformador do Mutirão Autogerido em relação ao modelo tradicional, copiamos aqui alguns trechos:

 

” É sabido, desde Engels, que a autoconstrução da casa operária provoca queda nos salários – pois a parte correspondente à moradia pode sumir no cálculo do preço da reprodução da força de trabalho.

É preciso, entretanto, situar a teoria em terreno concreto. No nosso Brasil de hoje, a maioria das casas populares, dos barracos de favela, é feita em regime de autoconstrução, pura ou híbrida. Seriamente, não há quem possa supor, no interior do nosso lamentável salário mínimo, que haja alguma soma que corresponda efetivamente à que conviria a um item “moradia”, mesmo elementar.

[,,,]

há que lembrar que a autoconstrução coletiva (que já por ser coletiva distancia da autoconstrução individual dominante) pode remodelar as relações de produção, como no caso da USINA. Os projetos são debatidos por todos os interessados, há constante interação entre equipes, diluição de hierarquias, participação de profissionais que assim se qualificam, atenuação da divisão entre trabalho intelectual e manual, entre condutores e conduzidos; há submissão do partido técnico, da idéia construtiva de material, às capacidades dos produtores, eliminação de propostas perigosas ao trabalho, de produtos nefastos à saúde, etc.

[…]

Desde já, é possível ensaiar outras relações de produção, negadoras das atuais, em bolsões de menor pressão imediata do nosso sistema – apesar das precárias condições. ”

 

 

 

A proposta do grupo para as próximas etapas é aproximar-se da construção do Condomínio Florestan Fernandes e José Maria Amaral, mutirão autogestionado em fase final da obra na Cidade Tiradentes, com assessoria da Ambiente Arquitetura. A partir do contato com mutirantes e assessores buscaremos produzir um registro do processo de projeto, obra, pós-obra, com o intuito de afirmar este modo de produção como uma alternativa real ao modelo tradicional-capitalista da construção civil, indissociável das grandes empreiteras e do mercado imobiliário; também estabelecer um espaço de debates sobre este tema no ambiente acadêmico.

 

BIBLIOGRAFIA:

 

ARANTES, Pedro Fiori – Arquitetura Nova . Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo, Editora 34, 2002.

 

FERRO, Sérgio. O Canteiro e o Desenho. São Paulo, Vicente Wissenbach, 2005.

 

BONDUKI, Nabil. Construindo territórios da utopia: a luta pela gestão popular em projetos habitacionais. Dissertação de mestrado, EESC-SP, São Carlos, 1986. Publicação em livro, São Paulo: Fase, 2002.

 

ALMEIDA, Marco Antonio de; e Muçouçah, Paulo Sérgio. Mutirão e Autogestão em São Paulo: uma Experiência de Construção de Casas Populares. São Paulo, Pólis, 1991.

 

BOULOS, Guilherme. Sobre a questão da moradia, de Friedrich Engels. (Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2015/05/05/boulos-sobre-a-questao-da-moradia-de-friedrich-engels/)

 

FERRO, Sérgio. Nota sobre a USINA (disponível em: http://www.usina-ctah.org.br/notasobreausina.html)

 

 

FILMES:

 

Capacetes Coloridos

Ha Lugar

TV Mutirão

Entrevista com Sérgio Ferro: Canteiros Diferentes

 

SITES:

 

UNMP (União Nacional por Moradia Popular) – http://www.unmp.org.br/

USINA ctah – http://www.usina-ctah.org.br/

Ambiente Arquitetura – http://www.ambientearquitetura.com/

 

Etapa 03

Os produtos dessa etapa são frutos da aproximação do grupo com o Movimento Sem Terra – Leste 1 e do Conjunto Florestan Fernandes e José Maria Amaral, em fase final da obra. Foram realizadas duas visitas ao canteiro de obras nos dias 08/04 e 23/04, fins de semana, quando são realizadas etapas da obra com mão-de-obra mutirante. Nestas idas ao conjunto, na Cidade Tiradentes, o grupo colheu depoimentos com indivíduos envolvidos no empreendimento: mutirantes e futuros moradores, assessores técnicos, membros da coordenação do Movimento; e imagens em vídeo do empreendimento e do trabalho no canteiro; e acompanhou a reunião de um grupo de origem do Movimento, realizado no Centro Comunitário do empreendimento. Também registramos uma manifestação chamada pela União dos Movimentos de Moradia de São Paulo, da qual o MST- Leste 1 faz parte, no dia 19/04, que caminhou da Praça da República até a Prefeitura para exigir da prefeitura que implante suas políticas municipais de habitação de interesse social, garantam destinação de recursos orçamentários à programas habitacionais que atenda a população de baixa renda.

“Dória, cadê a moradia?                                                                                                                               100 dias [de gestão do Prefeito] Sem Moradia!                                                                                         100 dias Sem regularização fundiária                                                                                                       100 dias Sem urbanização de favelas” 

Diante dos depoimentos colhidos e da observação da organização do trabalho das comissões e obra, a questão central para o grupo, para além da compreensão do mutirão e/ou autogestão como um modelo contraposto ao modelo capitalista-rentista, gira entorno da percepção – pelos próprios envolvidos – do processo da autogestão com um processo “formador”: de uma educação crítica, de ampliação da consciência política-cidadã e da reivindicação de direitos. As entrevistas com Fernanda Alves e Cristiane Lima revelam muito desse processo de empoderamento e consciência de classe dentro do coletivo.

Fernanda é mutirante e futura moradora do Florestan Fernandes; Cristiane, coordenadora da União dos Movimentos de Moradia (UMM), foi mutirante e coordenadora do Mutirão Paulo Freire e faz uma espécie de assessoria para a Leste 1 no empreendimento Florestan Fernandes e José Maria Amaral, trazendo sua experiência dentro do movimento popular e do processo de mutirão/autogestão. Sua fala expressa as transformações do modo de construção e do envolvimento das famílias nos empreendimentos ao longo das últimas décadas, assim como as mudanças nas políticas públicas, do Programa Paulista de Mutirões da gestão Erundina ao Minha Casa Minha Vida – Entidades, criado no fim do Governo Lula. Em relação a estas transformações, um tópico central é a ênfase na autogestão do empreendimento pelas famílias, cada uma membro de uma das comissões, em detrimento de uma menor atuação no trabalho braçal do canteiro, no FF e JMA – restrito aos sábados e domingos, das oito ao meio-dia.

 

 

Além das visitas e captação de imagens, esta etapa do trabalho se concentrou na catalogação e início da edição de todo material coletado até o momento, e também na busca por referências áudio-visuais e recursos de vídeo. As três imagens a seguir são parte disso, um estudo de transições de cenas a partir do material produzido e alguns filmes de referência (Santiago; Jogo de Cena; Cinema, Aspirina e Urubus).

 

 

 

 

 

 

Etapa 04

 

 

A partir do tema modos de pensar, modos de fazer, este trabalho buscou um registro atual do processo de projeto, obra e pós-obra de um mutirão autogerido, com o intuito de afirmar que este modo de produção ainda se vê como alternativa real ao modelo tradicional-capitalista da construção civil, indissociável das grandes empreiteiras e do mercado imobiliário e também estabelecer um espaço de debates sobre este tema no ambiente acadêmico.

Tendo como forma de registro um documentário, o tema central é: o Mutirão Autogerido como processo transformador do indivíduo e do coletivo, dando ênfase na emancipação ocorrida com os mutirantes. Neste trabalho, o canteiro de obras é discutido a partir do estudo sobre o Grupo Arquitetura Nova (Sérgio Ferro, Rodrigo Lefèvre e Flávio Império) e da abordagem crítica (marxista) em relação à divisão do trabalho – na chave da arquitetura como mercadoria capitalista, fruto da exploração da mão-de-obra, “resultado do processo de valorização do capital” e da separação entre trabalho intelectual e manual.

Busca-se também entender a postura do arquiteto em relação ao cliente e ao trabalho no canteiro de obra. No caso dos mutirões – onde é preciso “desenhar “cara-a-cara” com a população” – se soma o desafio, para o arquiteto, de se aproximar de outra classe social, relação que gera um “confronto entre as culturas do técnico e do mutirante” – e, com isso, aparece a necessidade de desenvolver algumas metodologias para discutir e desenvolver projetos coletivos.

Mediante aproximações com o Movimento Sem Terra Leste 1 – UMM, foi selecionado o conjunto de edifícios dos Condomínios Florestan Fernandes e José Maria Amaral, em fase final de obra na Cidade Tiradentes (zona leste da cidade de São Paulo), que foi viabilizado pelo programa federal Minha Casa Minha Vida Entidades por autogestão e com assessoria técnica da Ambiente Arquitetura. O projeto iniciado em 2009, em fase final de construção, possui apartamentos de 58m², de tipo multifamiliar, com acessibilidade para deficientes físicos. São 13 edifícios de 7 a 12 andares, alguns interligados por passarelas, e o centro comunitário de três andares, computando 396 apartamentos. O projeto é pioneiro na verticalização, com elevadores, e na compra antecipada do terreno em uma construção por mutirão com autogestão.

O objeto de estudo são os edifícios acima apresentados e, sobretudo, os mutirantes que participaram do processo. Durante as entrevistas e conversas com os participantes deste mutirão, nos aproximamos de algumas pessoas específicas, que trazem a tona o processo de emancipação do indivíduo e do coletivo. Entre elas estão: Fernanda Alves (coordenadora do grupo e futura moradora do condomínio), Renata Miron (arquiteta representante da Ambiente Arquitetura), Jorge Mendes (futuro morador do condomínio) e Cristiane Lima (coordenadora da União dos Movimentos de Moradia – UMM).

Através de diversas discussões sobre o tema, nota-se que há uma carência de documentação sobre o empoderamento dos mutirantes como resultado do processo de mutirão autogerido e, ao mesmo tempo, de conscientização do restante da sociedade sobre esta forma de trabalho e de luta pela moradia.

Portanto, o objetivo central do trabalho, o qual se desenvolverá para um Trabalho de Conclusão, numa segunda etapa, é atualizar o banco de dados sobre esta forma de construção e de canteiro de obra, reafirmando-a como alternativa ao modelo tradicional do mercado imobiliário.

O documentário, primeira parte do projeto e produto final desse semestre, funcionará tanto como principal modo de divulgação e chamariz para o tema do trabalho, quanto forma de devolução de material para as próprias famílias que ajudaram a fazê-lo e aguardam o resultado final do filme.