O ESPAÇO DO COTIDIANO | Grupo 12


1° ENTREGA

A NOITE E OS LARGOS

Desde períodos anteriores ao Iluminismo, a conceituação e as ideias sobre o período noturno denotam uma atmosfera de ambiente proibido. A lacuna entre o pôr do sol e o nascer do sol é geralmente marcada por definições que a concebem como momento propício à prazeres mundanos e ao afrouxamento das leis civis e morais que regem e controlam o período do dia. Os cidadãos de boa índole  – dentro dos ambientes urbanos – estavam condenados ao exílio domiciliar nesse período. O instrumento de controle variou do próprio Sol aos sinos da Igreja, posteriormente atrelado também à sirene das fábricas, vindo conforme a consolidação industrial.

Tanto a literatura quanto a sociologia atrelavam e ambientavam pesquisas nesses momentos de afrouxamento dos direitos e da lógica do controle. Porém, o caráter transgressor da noite, momento de aparente suspensão de regras e atenuação das forças repressivas, que sempre propiciou pertencimento social a grupos marginalizados – como jovens, prostitutas e viciados – passou a receber com o advento da iluminação e do crescimento das cidades, a colonização do lazer.

A consolidação da eletricidade e o maior tempo de trabalho e de deslocamento, aproximou o trabalho diurno da noite, esta como contraposição e sempre atrelada à transgressão, passou a interessar o consumo de seu tempo, atrelado ao hedonismo e ao prazer. Seu afrouxamento das normas diurnas e seu menor poder de controle atraiu à efetivação dos serviços destinados ao divertimento, contrapondo-se a produção e ao trabalho.

Atualmente, presenciamos um momento no qual a fronteira da noite vem sendo progressivamente ultrapassada, onde parece existir a necessidade de colonizá-la com valores diferentes daqueles meramente regidos pelo mercado que se apossou de parte desses interesses noturnos, imersos numa gama de atividades ligadas ao setor terciário, voltadas a este lazer comercializado e superexposto. O direito a noite é imprescindível para a conquista do direito à cidade.

A PESSOA E O ESPAÇO

A noite é maximizadora de potencialidades. Numa área de elevada ocupação comercial, localizada ao centro de uma grande metrópole encontra-se o ambiente ideal para o desenrolar de interessantes usos e atividades no espaço público noturno, uma vez que as barreiras físicas (como avanços cercados de bares em calçadas) e sociais (tais como a mercantilização do lazer e a diminuição da oferta de transporte público) consigam ser transpostas; e o advento da luz seja utilizado com a finalidade aumentar o leque de possibilidades, em detrimento de sua capacidade coercitiva de policiamento extremo ou ofuscante de meras mensagens publicitárias.

Tanto no panorama do imaginário urbano, quanto oriundas da qualificação espacial em si, são variáveis as combinações de agentes humanos possíveis: ambulantes, moradores, comerciantes, servidores, frequentadores (e não-frequentadores). Pretendemos partir do plano do usuário para melhor compreender as relações e questões indissolúveis da paisagem urbana noturna, focando principalmente nas semelhanças e diferenças de um recorte espacial que contém as regiões do Largo do Arouche e de Santa Cecília, no centro de São Paulo.

CAIO SERTÓRIO | CATARINA CALIL | DUAN HADDAD | JOANA ANDRADE | JOHN KAUFEN

bibliografia

FORTUNA, Carlos; LEITE, Rogério. Plural de Cidade: Novos Léxicos Urbanos. Coimbra: Edições Almedina, 2009.

GÓIS, M. P. F.; Paisagens noturnas cariocas: Formas e práticas da noite na cidade do Rio de Janeiro. 2015. 332 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2016

Manifesto da Noite, São Paulo, 2014

MELBIN, Murray; Night as frontier: Colonizing the world after dark. Nova Iorque: The Free Press; Londres: Collier Macmillan Publishers, 1987

PALMER, Bryan D.; Movimentos Noturnos: Um prólogo profano às histórias da noite. Tradução de Sean Purdy. Textos de História, Brasília, v. 13, n. 1/2, 2005.

 

IMG1IMG2IMG3 IMG4

 2° ENTREGA

INDIVÍDUO

Se por um lado o 24/7 incita o indivíduo a adquirir, ter, ganhar, desejar ardentemente, desprezar e desperdiçar, por outro se entremeia a mecanismos de controle que tornam supérfluo e impotente o sujeito submetido a suas demandas”

24/7: Capitalismo tardio e os fins do sono. p.41

O caráter de transgressão e resistência historicamente conferidos ao território noturno -potencialmente afrouxado de imperativos disciplinares- muitas vezes é sabotado através de sua própria capacidade de adaptação a condições adversas, culminando numa condição de submissão à ordem.

Em um ambiente metropolitano, tais contradições tomam a forma de fronteiras espaciais nas quais o direito à propriedade coloniza os espaços visando definir pertencimentos e marginalizações. São exemplos dessa prática os serrilhados instalados em superfícies acima do chão a fim de impedir a permanência em ambientes abertos; ou a iluminação excessiva que extingue as variações tonais, causando a diminuição das capacidades mentais e perceptivas, em desconformidade com sua função primordial e funcional, de estender o tempo produtivo humano.

Outras situações expõem tal polarização de forma menos abrupta. Cibele Forjaz, diretora e iluminadora teatral, em uma palestra de 2014 sobre as relações entre o teatro e a cidade em São Paulo discorre sobre a concentração de tais instituições na região central da capital paulista, dotada de importante concentração acadêmica, e destaca a existência de espaços de encontro nas imediações, geralmente bares ou restaurantes, nos quais as questões levantadas nas peças são usualmente discutidas em grupo. Apesar de tal programação ser relativamente acessível, ao sobrepormos esse cenário à atual condição da cidade, à noite, é notável perceber a restrição desse ambiente a indivíduos que habitam nas proximidades ou tem fácil acesso a meios de transporte particulares.

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde, realizada em 2013 pelo IBGE, 16,1% da população do Estado de São Paulo trabalha em período noturno, e tal parcela da população tem um rendimento mensal médio superior àquela que realiza atividades semelhantes no período diurno. Ao analisarmos apenas a categoria de bares, restaurante e casas noturnas, a cidade de São Paulo possui aproximadamente 13 mil restaurantes, 15 mil bares e 2 mil casas noturnas, de acordo com a Associação Brasileira de Bares/SP, ficando atrás apenas de Nova Iorque. Tamanha rede de serviços emprega mais de 300 mil pessoas na cidade, sem contabilizar a imensa taxa de informalização do trabalho existente.

Buscamos um primeiro referencial em análises do Archigram e dos metabolistas, que colocavam em pauta, já na década de 60, questões acerca da flexibilização das dinâmicas da metrópole, propondo formas provocativas e contestatórias de intensificar a densidade de ocupação de estruturas já existentes.

Ao levantarmos a complexidade do panorama noturno atual, com suas implicações sociais e econômicas inseridas na conformação da dinâmica temporal/espacial (nas escalas macro e micro), propomos o levantamento de formas visando compreender ou sanar as dinâmicas e contradições presentes dentro do uso da noite em trechos centrais de São Paulo, principalmente no que é relativo aos indivíduos que, apesar de estarem presentes, não participam do conteúdo de socialização presente no centro.

 

BIBLIOGRAFIA

CRARY, Jonathan. 24/7: capitalismo tardio e os fins do sono. Tradução: Joaquim Toledo Jr. São Paulo: Cosac Naify, 2014.
SOLON KRETLI DA SILVA, Marcos. Redescobrindo a arquitetura do Archigram.Arquitextos, São Paulo, ano 04, n. 048.05, Vitruvius, maio 2004 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/04.048/585>.

Manifesto da Noite, 2014

img1 img2 img4 img5 img6

3° ENTREGA

Antes da implementação da intervenção nos largos de Santa Cecília e do Arouche, ambos contavam com uma vida noturna independente entre si. Nas proximidades da Igreja de Santa Cecilia, o caminho percorrido por pessoas apressadas rumo ao metrô, no fim do dia, era cercado por uma dúzia de ambulantes e contrapunha-se a uma aglomeração que tomava lugar do outro lado da Igreja, todos os dias durante o happy hour, junto aos bares que se estendiam sobre a área pública com mesas e cadeiras de plástico. Já no Largo do Arouche, diversos grupos de jovens reuniam-se no interior da praça, o mais afastados da rua possível. Costumavam abastecer-se de bebidas nos bares do entorno, e retornar para consumir nos grandes bancos coletivos e descombinados lá instalados. Comunicando as duas cenas –de forma muito pouco eficaz, escondido sob o Minhocão– jazia o Terminal Amaral Gurgel e suas grandes áreas verdes cercadas e reclusas de qualquer contato humano. Em tal gradil, apoiava-se a estrutura improvisada que fazia as vezes de casa para alguns moradores de rua, muito ariscos, protegidos pela escuridão e pelos olhos uns dos outros.

Buscando sanar tais conflitos -típicos de uma metrópole como São Paulo- e consolidar e unificar a ocupação noturna deste recorte espacial, se dá a proposta de projeto. Como ação inicial, são retiradas as grades em torno da praça contígua ao Terminal, melhorando significativamente a permeabilidade da quadra que está prestes a se realizar ali. O grupo de arquitetos pensa na implantação objetivando a formação de um eixo de conexão visual entre certos pontos, nos quais constrói-se um conjunto de edifícios dotados de amplos espaços multiuso, contendo um mobiliário dinâmico e reversível -capaz de abarcar as funções de estar, mesa de trabalho, repouso- além de ser o endereço de ensaio e apresentação de diversas Companhias de teatro do centro.

Logo na semana da inauguração, ouviu-se muito a respeito do novo oásis de vida noturna paulistana. O público jovem se identificou prontamente com o layout dos espaços propostos, principalmente com as distintas possibilidades do mobiliário. O dinamismo dos ensaios teatrais que duravam a noite toda e distraiam os moradores de rua do entorno, dotados de livre acesso aos edifícios – iluminados e abertos durante todas as vinte e quatro horas do dia, todos os dias.

Tamanha vivacidade, porém, desagrada os donos dos bares do entorno, que são atingidos pelo medo de não conseguir competir com todas as novidades de seu mais novo vizinho. Os cães, que antes ganhavam longos passeios descompromissados, deviam contentar-se com uma rápida descida ao fim do dia, acompanhados de donos amedrontados pelo vazio das ruas. Depois de uma semana, os ambulantes desistiram de montar suas barracas.

Apesar da euforia inicial, não tarda para a reunião de pessoas voltar a acontecer em seu local de origem. Segundo os frequentadores dos largos, é mais fácil de abastecer-se de bebidas, o ambiente aberto e compartilhado, em meio a cidade, favorece novas amizades. Esse retorno da clientela é recebido com alegria por todos os comerciantes que temiam perder o negócio que, não raro, estava na família há gerações. A concentração de pessoas faz ressurgir, também, o alinhamento dos ambulantes e o consumo de toda sua variedade de comidas de rua ali mesmo, em pé. Ao final de tudo, as únicas pessoas realmente atingidas pelo projeto foram os moradores das antigas barracas apoiadas nas grades. Não se sentiam contemplados o suficiente pelas atividades realizadas lá de forma a deslocar-se de sua nova localização, mais distante, mas numa rua tão escura e vazia quanto antes.

img_1_final img_3_final img_4_final img_5_final

4° ENTREGA | FINAL

Model

implantação | equipamentos

Model

                                                   implantação noite | iluminação

Model

                                                  aproximação | pergolado | atividades

6_corte

                                                      elevação painéis | pergolado

Na última entrega, realizamos o exercício de imaginar as problemáticas envolvidas na implantação de um conjunto de edifícios que funcionassem vinte e quatro horas por dia no terreno adjacente ao Terminal Amaral Gurgel, entre os Largos do Arouche e de Santa Cecília. Caso o projeto fosse bem sucedido, causaria um impacto imensurável no comércio local e no cotidiano das pessoas em situação de rua da região com o esvaziamento das ruas e, consequentemente, com o aumento na sensação de insegurança no período noturno. Caso contrário, o edifício seria apenas mais uma construção vazia entre centenas de outras na região central.
Os largos já tem sua vida e seus frequentadores habituais. Nos dois largos estudados previamente, a maior concentração de pessoas se dá na porção de maior proximidade com os bares, no interior da praça, de forma protegida do fluxo de veículos, onde há o apoio de vendedores ambulantes e de uma quantidade razoável de mobiliário urbano que estimulam a permanência no espaço público. No entanto, essa ocupação se dá apenas nas primeiras horas da noite.
A intervenção situa-se apenas no Largo do Arouche, no qual encontramos diversas situações contraditórias. A primeira, uma região bem iluminada, ao centro da praça, próxima ao Mercado de Flores, é o ponto de maior efervescência noturna. A segunda, um espaço de transição que adquire um caráter residual por encontrar-se em meio a duas vias de fluxo intenso, e cujo percurso é dificultado por obstruções na calçada e os escassos pontos de iluminação encontram-se bloqueados pelas copas das árvores, tornando-se pouco convidativo aos pedestres que passam por ali oriundos da Vila Buarque e Praça da República sentido Santa Cecília/Terminal de Ônibus. A terceira, e última, localiza-se contígua ao minhocão, igualmente ilhada dentre veículos e ainda menos qualificada espacialmente que a anterior.

Na última entrega, realizaamos o exercício de imaginar as problemáticas envolvidas na implantação de um conjunto de edifícios que funcionassem vinte e quatro horas por dia no terreno adjacente ao Terminal Amaral Gurgel, entre os Largos do Arouche e de Santa Cecília. Caso o projeto fosse bem sucedido, causaria um impacto imensurável no comércio local e no cotidiano das pessoas em situação de rua da região com o esvaziamento das ruas e, consequentemente, com o aumento na sensação de insegurança no período noturno. Caso contrário, o edifício seria apenas mais uma construção vazia entre centenas de outras na região central.
Os largos já tem sua vida e seus frequentadores habituais. Nos dois largos estudados previamente, a maior concentração de pessoas se dá na porção de maior proximidade com os bares, no interior da praça, de forma protegida do fluxo de veículos, onde há o apoio de vendedores ambulantes e de uma quantidade razoável de mobiliário urbano que estimulam a permanência no espaço público. No entanto, essa ocupação se dá apenas nas primeiras horas da noite.
A intervenção situa-se apenas no Largo do Arouche, no qual encontramos diversas situações contraditórias. A primeira, uma região bem iluminada, ao centro da praça, próxima ao Mercado de Flores, é o ponto de maior efervescência noturna. A segunda, um espaço de transição que adquire um caráter residual por encontrar-se em meio a duas vias de fluxo intenso, e cujo percurso é dificultado por obstruções na calçada e os escassos pontos de iluminação encontram-se bloqueados pelas copas das árvores, tornando-se pouco convidativo aos pedestres que passam por ali oriundos da Vila Buarque e Praça da República sentido Santa Cecília/Terminal de Ônibus. A terceira, e última, localiza-se contígua ao minhocão, igualmente ilhada dentre veículos e ainda menos qualificada espacialmente que a anterior.

4ª ENTREGA