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TOPOGRAFIA DA DOR

As memórias de traumas, situações de violência de Estado, massacres e desastres, chamadas de memórias dolorosas (DOLFF-BONEKAMPER, 2002), vêm sendo amplamente discutidas na contemporaneidade no sentido de ampliar a consciência política pelo não esquecimento e construir um estatuto de justiça. Em diversos países da América latina, seja a Argentina, o Chile ou a Colômbia, desde o início dos períodos pós ditatoriais, grupos da sociedade civil reivindicam lugares relacionados à ditadura – tais como locais de tortura, memoriais e praças públicas – como provas jurídicas, espaços de significados políticos e simbólicos dos milhares de mortos e desaparecidos. Segundo Gabi Dolff Bonerkamper, “edifícios, lugares, e paisagens, em sua forma e substância material são testemunhas históricas preciosas. Eles contém respostas que talvez nós não consideramos, mas que nossas crianças sim. Enquanto um objeto tridimensional, eles são mais conprexos do que algo escrito, entretanto mais difíceis de ler. E o genius loci – o espírito do lugar- é constantemente dificil de descrever, mas sem dúvida é perceptível para uma mente aberta, e faz com que as pessoas sintam que elas compartilham experiências passadas, como se tivessem um acesso direto à história”(BONERKAMPER, 2000).
Contudo, pode-se afirmar que o Brasil ainda engatinha em relação à temática, se comparado aos países latino-americanos antes mencionados. Desse modo, o presente trabalho do Estúdio vertical pretende iluminar alguns dos lugares de memória , em última medida, contribuir para pensarmos sobre a memória da ditadura nacional. Ademais, cabe destacar, o intuito cooperar para a inserção dessa discussão no âmbito acadêmico e na prática projetual de arquitetos e urbanistas.

O projeto

Conforme antes mencionado, os lugares de memória vem mostrando-se, cada vez mais, ferramentas estéticas e políticas poderosíssimas. Fruto de iniciativas de vítimas e parentes de vítimas surgem frente à consciência histórica de um passado violento, e possuem, hoje, uma importância legal e simbólicas dos crimes ocorridos. Entretanto, por outro lado, como qualquer outro espaço da cidade, estão submetidos às lógicas das cidades contemporâneas, sujeitas às leis do mercado e à banalização da tradição histórica (DI CORI, 2005). Isto toca uma questão que é eminentemente ética, afinal tratam-se das dores mais profundas e horrorosas de outras pessoas.

Desse modo, insere-se nessa problemática a arquitetura contemporânea, que vem sendo sistematicamente utilizada enquanto possibilidade de representar o dito, por Theodor Adorno, “irrepresentável”.
Conscientes desse paradoxo escolhemos projetar um “anti-monumento” que fosse capaz de proporcionar uma vivência excepcional da cidade, através da iluminação de lugares relacionados à ditadura, que ainda hoje permanecem na penumbra. Em termos gerais, propusemos, em um primeiro momento, linhas de ônibus – a ideia é que houvesse um ônibus de turismo e visitas guiadas – que conformam três percursos relacionados ao tema. Já em um segundo momento, deparando-se com a necessidade desses lugares serem visíveis também aos pedestres caminham diariamente, colamos QR Codes que conectam-se à um site onde os lugares são brevemente descritos, proporcionando uma visão panorâmica da topografia de dor em São Paulo.
Também apresentam-se aqui possibilidades de ocupação de algumas ruas que cercam esses lugares de memória. Trata-se de uma sugestão de tomada do espaço público, restrito durante a ditadura militar. Tendo em vista a lei municipal que prevê o fechamento para carros de algumas ruas, como vem acontecento na Av. Paulista desde 2015, sugerimos que algumas das ruas fechadas estejam relacionadas aos lugares de memória. Lá poderiam ocorrer intervenções, políticas e artísticas, que cooperacem para a ampliação dos debates acerca desses lugares.
Ademais, buscando envolver nossos colegas arquitetos e urbanistas no assunto, elaboramos um esboço de um concurso para a construção de um ponto de informação/memorial itinerante que auxilie nas visitas guiadas. Assim, trabalhamos com duas frentes principais: uma relacionada a um evento excepcional (as visitas que aconteceriam esporadicamente) e a segunda, relacionada à uma intervenção de caráter ‘quase permanente’. Trata-se, portanto. de uma proposta de exercício do olhar, onde o visitante ao pisar nesses lugares é levado a estabelecer conexões entre a história e o presente. Ademais, os Qr Codes, tornam-se capazes de tirar o pedestre, que passa cotidianamente e de maneira distraída nesses lugares.

Referências

Todas as referências aqui presentes foram de extrema importânciapara o trabalho. Entre elas destaca-se o siluetazo, intervenção, cuja a primeira edição de muitas, esteve situada no contexto da III Marcha de la Resistencia, realizada pelas Madres de Mayo em Buenos Aires no ano ded 1983.
A proposta consistiu em uma ação participativa de cunho estético e político, cujo o objetivo principal foi ocupar esse espaço público (na época restrito) através dos desenhos de 30.000 silhuetas em escala humana que, ao representarem em quantidade e tamanho o número de vítimas da ditadura militar argentina, proporcionaram uma dimensão física da ausência dos desaparecidos na cidade. Nesse dia, ainda em plena ditadura, a intervenção organizada pelos artistas visuais Rodolfo Aguerreberry, Julio Flores y Guillermo Kexel transformoua Plaza de Mayo em um ateliê a céu aberto que durou até a meia noite” (LONGONI;BRUZZONE, 2009). Centenas de manifestantes pintaram, se deixaram desenhar e desenharam as silhuetas dos outros, e logo, apesar da repressão policial, as pregaram sobre as paredes, monumentos e árvores. Pretenderam com isso retomar um espaço público opressor por meio de imagens que representaram individual e coletivamente os 30.000 desaparecidos, presentes enquanto memória e ausentes fisicamente. O Siluetaz

 

o “enquanto feito gráfico no espaço” constituiu-se como exemplo emblemático de exercício político, estético e didático de múltiplas facetas. Apesar de um ato efêmero, se faz ainda hoje presente, pois é ainda reeditado – não apenas sobre a ditadura como sobre outras memórias – relido e reapropriado em outros sítios de memória.
Dessa maneira, se poderia propor, enquanto intervenção nas cercaniasdos lugares de memória da ditadura em São Paulo um evento como esse.
Através de uma intervenção pontual, interativa, suas reverberações são visíveis não apenas em outros Siluetazos, que até hoje se repetem, como também em outros trabalhos e espaços de memória que se articulam de maneira semelhante. Cabe dizer, assim, que eventos como esse ampliar as perspectivas para pensar os trabalhos de memória, pois são capazes de falar sobre diferentes violências em distintos contextos históricos. Com este objetivo também encaminha-se este trabalho.


Site |TOPOGRAFIA DA DOR|

http://atlediadema.wix.com/topografiadador

ENTREGAS

1ª Etapa: EV 2016_ENTREGA1_FINAL
2ª Etapa: grupo_39_entrega2
3ª Etapa: G39_EVentrega3
4ª Etapa: EV2016_G39_topodor_apresentacao