PASSAGENS – G18

1ª ETAPA

“Passagens”, palavra que permite muitas camadas de percepção dependendo do campo semântico escolhido para interpretá-la. No sentido temporal, de passagem de tempo, ganha forma subjetiva de compreensão e relaciona-se a uma leitura do passado em relação ao presente, do presente em relação ao futuro, passado e futuro, e todas as possíveis ligações entre tempos distintos. A ligação ou, mais ainda, a transformação relativa aos tempos pode ser uma passagem.
Considerando isso, é impossível pensar a passagem do tempo descolada de uma noção espacial, isto é, passagem no espaço também. Muitas vezes, a única forma de percepção de passagem do tempo reside na análise de mudanças espaciais, transformações físicas e novos cenários de um mesmo lugar, contexto ou objeto.
Essas duas vertentes principais de entendimento das passagens leva-nos a pensar, então, em algum lugar na cidade de São Paulo que reúna tais interpretações e, mais ainda, que mostre a inexorabilidade entre as duas abordagens tempo-espaço.
O bairro da Barra Funda veio à tona quando, ao identificarmos três elementos norteadores da análise no bairro, conseguimos entender a dimensão dessa discussão no cenário urbano consolidado. Os três elementos direcionais levantados foram a linha do trem – um histórico divisor da cidade, uma barreira na paisagem, uma linha de deslocamento físico, que ao mesmo tempo que segrega os bairros da Barra Funda e Campos Elísios, liga pontos importantes da cidade e da, pelo som que o trem faz ao passar no trilho, um ritmo próprio ao local e marca a temporalidade cotidiana dali; além disso, o transporte ferroviário, historicamente, representou parte significativa do passado brasileiro que, um dia, teve uma vasta linha férrea subjugada mais tarde ao modelo rodoviário e deixada ao abandono. Por outro lado, em tempos de discussão latente de modais públicos de transporte em um tecido tão consolidado como é o caso de São Paulo, o trem talvez seja uma importante solução para o futuro; a discussão está em pauta e o resgate desse modal é tema central; – o “pontilhão”, passagem elevada de pedestres que vence o obstáculo da linha do trem, liga o bairro da Barra Funda aos Campos Elísios e cria, pela precariedade de sua disposição e forma, um espaço próprio, uma vez que é dotado de muros altos, com cerca de 1,80 metros de altura que impossibilitam a vista ao trem, mas que ainda permitem ouvi-lo e vê-lo em pequenas aberturas verticais ao longo do percurso na passarela. O pontilhão é, ainda, usado como dormitório e banheiro; – e, por último, o próprio bairro e sua tipologia histórica de pequenas casas que está em eminência de transformação pela chegada de empreendimentos da especulação imobiliária ao local. Linha do trem, pontilhão e bairro são os três elementos fundamentais de análise escolhidos para a aproximação com o bairro. A intenção é que a partir da compreensão de cada um deles e de suas relações cruzadas possamos entender qual é a demanda existente para propor algum tipo de intervenção.
Em um segundo momento de discussão foram levantadas referências que auxiliaram no encadeamento de raciocínio acerca das passagens e suas dimensões. A mais importante delas é o conjunto de obras do artista Richard Serra que, em seu trabalho, sempre lida com a relação escultura-espaço e, com isso, ressignifica esses lugares e cria novos ritmos na compreensão desses. No texto “de richard serra para os arquitetos” na sexta edição da revista Caramelo, Agnaldo Farias coloca “Para Serra, a escultura, na medida em que é compreendida como um abjeto plástico portador de uma tensão real, não pode ser vivenciada a não ser pela experiência sensorial do espectador. Experiência plena que, como se verá mais adiante, não se esgota no olho – este órgão tão próximo da razão apriorística -, mas que se realiza no tempo cuja fecundidade se manifesta nas sensações diferenciadas frequentemente estranhas que a permeiam. Aludir à tensão real do objeto plástico é o mesmo que aludir ao fato de que uma escultura refere-se diretamente ao corpo de quem a contempla.”. Esse discurso sobre a escultura pode, para nós, estender-se ao campo da estrutura, dos edifícios e, de forma geral, aos objetos “escultóricos” na cidade que são estes plenamente experienciados pela visão e pela relação entre eles e o corpo.

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2ª ETAPA

Operações: aproximar, costurar, transpor.

Avançando no sentido de compreender o local escolhido pelo grupo, o pontilhão de pedestres da Barra Funda mostrou-se um elemento que traz à tona uma série de questões importantes para a compreensão do bairro, da relação – ou ausência dessa – com o bairro dos Campos Elísios, e, sobretudo, questões que envolvem a relação da cidade com sua linha férrea e outras barreiras físicas existentes.
Levando em conta, a partir das discussões posteriores à primeira entrega, que mantêm-se as pautas da passagem como universo de entendimento amplo e relativo a tópicos como tempo, deslocamento, espaço e relações espaciais, a continuidade da análise da situação encaminhou-se no sentido de pensar, primeiramente, se a intervenção do grupo orientaria-se pela permanência ou retirada do pontilhão existente. Para tanto, pensamos que, este elemento específico escolhido, repete-se pela extensão da linha férrea, e que representa locais de degradação dos bairros circundantes a ela, dado gerado pela aproximação da cidade com a linha do trem, que chega sem força até ela. Assim, a manutenção dessa estrutura tal e qual está dada hoje seria, de certa forma, insistir em um “módulo” construído na cidade como uma forma absolutamente burocrática de transposição da linha e sem aparente, a primeira vista, justificativa de implantação nos locais onde está distribuído e sem contribuição para qualificação urbana das áreas que une. O quadro, reverso do que se pretendia, é a desconexão total de tudo: pedestres, trem, e cidade.
Apesar disso, após uma aproximação mais cuidadosa, é possível especular que sua implantação se justifique por uma continuidade da malha urbana dos dois lados do pontilhão, nesse caso, do lado da Barra Funda e dos Campos Elísios. Portanto, para não subjugar esta função teórica, porém frustrada, de ser um elo entre os bairros pensamos em estabelecer esta ligação de forma definitiva e real, tomando o trem, agora, como elemento de aproximação local – dado que é um modal de transporte e infra-estrutura urbana totalmente consolidado -, e aproveitando a malha existente dos dois bairros como ponto de partida para criar uma transposição por baixo da linha férrea que seja, a partir da geração de uma nova topografia para o local, uma ligação adequada à escala e demanda de seu uso cotidiano.
Foi de extrema relevância, ainda, compreender a totalidade da situação gerada nos arredores do pontilhão em termos da escala urbana. Isso quer dizer, entender como os fluxos culminam para aquele local e, então, questionar a implantação desse aparelho na cidade, para decidir se as transposições se justificam em termos de localização. Para isso, retoma-se o olhar distanciado que considera a malha urbana, e, mais pontualmente, a disposição das quadras que acompanham a linha do trem dos dois lados. Em muitos casos é possível notar que as ruas mais próximas às descidas do pontilhão, diferente das continuidades imediatas dele, ganham um movimento peatonal maior durante o dia, o que anima estes locais de forma significativa. Além disso, a presença, nas bordas do trem, de uma série de tipologias essencialmente habitacionais e rompida, muitas vezes, nestes pontos paralelos às descidas, que recebem outros programas comerciais, institucionais e de serviços de forma mais intensa, criando uma forte dimensão de vizinhança e uso contínuo dos espaços pelos pedestres. O maior exemplo encontrado dessa situação é a Rua Barão de Limeira.
Assim, neste ponto, o processo de discussão enfrentou um momento de decisão, mais do que simplesmente da resolução da transposição, mas uma decisão política em relação a situação existente. A geração de um discurso intensional, pelo desenho, inclinou-se no sentido de costurar e aproximar as áreas envolvidas na discussão a partir do entendimento de que trata-se de uma confluência de modais, de situações diversas de deslocamento pela cidade e de infra-estrutura urbana e, mais ainda, trata-se de um momento na história dos bairros de intensa transformação: novos empreendimentos, novos usos e fluxos, a ocupação, principalmente da Barra Funda, por instituições de ensino, oficinas cooperativas, centros de produção de mobiliário, usos que não remontam à típica ocupação por, principalmente, sobrados, galpões de marcenaria e serralheira e oficinas de automóveis.
A compreensão geral da situação colocada ao lado da compreensão das especificidades locais gera como decorrência natural do processo o novo desenho do espaço de transposição a fim de vincular, não hipoteticamente, mas de fato, os bairros e, portanto, estabelece relações entre a cidade como um todo.
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3ª ETAPA