G29 – Aparelha Luzia: (R)Existência Negra em São Paulo

Escolha do Tema _ Etapa 1

  1. Aparelha Luzia

“A história do negro é repleta de silenciamento. Nosso passado foi apagado, nossas origens foram usurpadas, nosso presente é marcado pela dor do racismo institucional”. (Tássia Reis)

O Aparelha Luzia, autodenominado Quilombo Urbano, é um galpão na Barra Funda, localizado na rua Apa, número 78, nos arredores do metrô Marechal Deodoro, idealizado por Érica Malunguinho, uma travesti, negra e nordestina, como um espaço de “criação, meditação e circulação de artes negras, além de ser um ponto de sociabilidade e afetividade”. O Aparelha Luzia apresenta também um caráter de retomada de posse, considerando que a população negra historicamente já ocupou esta mesma área, tendo sido expulsos pelo aumento de preços de aluguel, essa área foi berço do Samba Paulistano, além de ter tido nos arredores moradores como o poeta Solano Trindade.

O grupo pretende fazer uma investigação histórica do edifício e seus arredores visando uma maior compreensão do seu passado e trajetória ate a sua configuração atual. Queremos entender o processo que expulsou a população negra dessa área bem como se deu essa retomada a partir de espaços como o Aparelha Luzia.

2. Lanchonete

A lanchonete, conhecida como “boteco de esquina” é um espaço convidativo que se atribui um misto de usos. Esse ambiente é frequentado por pessoas que em geral são clientes assíduos em uma escala de quadra dentro de um bairro da cidade. Devido a convivência, existe uma estreita proximidade entre os funcionários e os fregueses, onde acontece uma camaradagem em meio as autênticas paredes cobertas por azulejos antigos e o extenso balcão de fórmica. Um espaço que se consagrou em São Paulo, com o anonimato característico das grandes metrópoles, mas que ali, naqueles poucos metros quadrados, se tornam familiar. Esse lugar que desde o “me vê um pão na chapa e um pingado” até o “manda aquela gelada” acolhe todas as pessoas que por ali passam. Funciona de segunda ao sábado, ou por vezes de segunda a segunda. A maioria é quase 24 horas. Quase porque tem que ter aquelas horinhas de descanso. É neste lugar que você encontra a verdadeira coxinha brasileira, sem frescuras. A porção de batata com “litrão” para relaxar depois do trabalho. O P.F. rápido da hora do almoço. O Bauru mais caprichado da cidade. É com certeza o lugar onde vai passar a final do Brasileirão. E também pode ser sessão de terapia com o aquele garçom veterano. Tem roda de samba, karaokê e até encontro romântico. Esse espaço eclético que se reinventa ao longo do dia e por vezes na correria paulistana passa despercebido. E pode até ser que seus clientes conheçam aquele novo bar-gourmet-vintage da Vila Madalena, mas o que importa mesmo é que basta chegar na segunda-feira que o famoso “O que é para hoje patrão?“ é “o de sempre”.

Levando em conta o caráter cotidiano da lanchonete na cidade, o grupo, que é formado exclusivamente por pessoas de fora de São Paulo, identificou esse espaço como um importante ícone paulistano. Nossa intenção é fazer um levantamento das diferentes tipologias e identificar as razões para uma presença tão significativa desses espaços na cidade.

3. Hotéis da General Jardim

Considerando São Paulo e suas constantes mudanças é interessante pensar como o tempo é um agente importante para a alteração da dinâmica urbana. O centro de São Paulo, assim como outras áreas centrais de outras cidades, viveu tempos muito prósperos, porem sofreu um considerável abandono a partir do final do século XX. Olhando para esse processo, nosso terceiro objeto de pesquisa seriam os hotéis localizados na General Jardim e suas ruas adjacentes.

O grupo tem a intenção de pensar como foi o processo de redesenho desses espaços, do que um dia já foram, para o que se tornaram hoje. Além de analisar como se dá o funcionamento interno dos hotéis e as relações que estes estabelecem com a rua em que estão implantados, também analisaremos o processo de gentrificação nessas ruas, bem como em todo o centro de São Paulo.

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Aparelha Luzia: (R)Existência Negra em São Paulo _ Etapa 2

O objeto de estudo escolhido na primeira etapa, Aparelha Luzia, é um local feito por e para a população negra. Apesar de fisicamente próximo da Escola da Cidade, porém diametralmente opostas em realidades. Definimos, como meio de aproximação com o tema, três frentes distintas de abordagem: o aspecto teórico, o aspecto físico e o aspecto imaterial que envolvem o Aparelha Luzia. Para uma próxima etapa pretendemos aprofundar a pesquisa na relação que o Aparelha Luzia estabelece com outros coletivos negros e a importância do local físico para que essa rede se forme e se consolide, trazendo uma perspectiva negra da cidade de São Paulo.

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Aparelha Luzia: (R)Existência Negra em São Paulo _ Etapa 3

Durante a terceira etapa foi constatado três questões principais acerca do trabalho. A primeira delas é: Como se pode reconhecer São Paulo através do olhar do negro? Como se pode andar pela cidade e visualizar ou redesenhar um outro mapa? É importante lembrar que para a maioria do grupo não esta explicito, sobretudo por não ter uma vivência cotidiana negra dentro da cidade. Entretanto, através de uma tentativa de aproximação com o tema ao longo do semestre, foi feito um esforço sobre esses “espaços” ou “não espaços” que são estruturados pela sociedade na cidade. Que como o tema evidencia, apesar de ser maioria, segundo o senso de o IBGE 50,7% da população brasileira é negra, ainda é uma sociedade racista e que tem influencias profundamente enraizadas que refletem na formação urbana do país, e ainda mais evidencias nas grandes cidades, como é o caso de São Paulo. A segunda questão levantada vem a partir das fontes e o que esta sendo estudado sobre o assunto. A principio houve certa dificuldade, principalmente no campo da Arquitetura, neste assunto. No entanto pode se perceber que atualmente há um grande esforço de divulgação deste tema. Através da internet, foi possível perceber o grande volume de coletivos, palestras, eventos, festas, consciência politica e cultural para principalmente o público negro. O Aparelha Luzia intensifica esse encontro, sendo capaz de ser um catalizador desses eventos em um ponto fixo no centro de São Paulo. É um marco importante pois o espaço deve ser diverso e ocupado por todos. Através da diversidade que se ganha visibilidade. E finalmente a terceira questão é: não é possível estudar individualmente a arquitetura desses espaços. Principalmente se tratando de espaços de luta e resistência dentro da cidade. A arquitetura não é capaz sozinha de criar suposições. A investigação a cerca desses lugares que dialogam com a questão racial é uma dimensão muito mais subjetiva. Por isso a importância do campo da sociologia, antropologia, relações humanas para o maior entendimento desses lugares é fundamental.

Na próxima etapa o grupo vai procurar responder algumas questões que foram levantadas. A principal delas é: Como o Aparelha Luzia questiona as lacunas da cidade de São Paulo? Em todos os âmbitos. Desde estruturalmente na cidade até dentro da instituição. Uma investigação a cerca dos paradoxos das minorias sociais que tem os seus direitos totalmente bloqueados e que ocupam o “não lugar”, da invisibilidade ou exclusão tanto na cidade como um todo, mas principalmente, no recorte de estudo, no centro de São Paulo.

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Aparelha Luzia: (R)Existência Negra em São Paulo _ Etapa 4

Neste trabalho talvez faltem algumas informações, quiçá até muitas. Não estamos aqui contando nenhuma história, porque essa história não é nossa para contar, o nosso único esforço é divulgar o que achamos durante esses quatro meses de pesquisa, para que as pessoas possam tirar suas próprias interpretações sobre o que é o espaço da Aparelha Luzia e o que ela representa dentro da cidade de São Paulo.

Na disciplina ‘Estúdio Vertical’ foi proposto um trabalho cujo tema seria Reconhecer São Paulo. De acordo com a dinâmica do trabalho fomos sorteados para trabalhar juntos, no nosso caso, éramos todos de fora de São Paulo, o que acabou sendo um certo direcionamento para o trabalho. Como previa a primeira etapa do trabalho, deveríamos escolher um espaço representativo da cidade de São Paulo como objeto de estudo. Entre conversas e lugares, um dos integrantes do grupo, que infelizmente não pode continuar conosco até o final, propôs que estudássemos o quilombo urbano Aparelha Luzia. Um lugar de sociabilidade negra, espaço de cultura, lazer e resistência em São Paulo, idealizado por Érika Malunguinho, que possui um discurso sobretudo de retomada de posse da comunidade negra para o centro de São Paulo. Portanto o tema escolhido tem o objetivo de que reconhecêssemos São Paulo a partir de uma visão que era “estrangeira” aos três outros integrantes do grupo, já que éramos três pessoas brancas e tínhamos interesse em entender a dinâmica do espaço.

Hoje, isso parece um tanto egoísta, que três pessoas brancas contêm uma narrativa sobre o que é ser negro na cidade, porque, por mais haja um esforço, nunca vamos entender na sua completude o que isso significa. Portanto em algum momento desse trabalho vamos pecar nesse quesito. Todas as atitudes ou posições que tomamos aqui são carregadas de um passado ou mais de um, de convivências e não-convivências que as tornam subjetivas, queiramos ou não, mas tentaremos nos abster disso.

Quando tivemos a ideia de estudar o espaço da Aparelha pensamos em como todos nós éramos seres diferentes na cidade de São Paulo, mas ainda assim, éramos bem-vindos ali. O espaço físico é com certeza um bem importante em um mundo capitalista, mas mais do que isso, o espaço da Aparelha Luzia transcende sua importância física, inclusive a área da cidade em que se encontra, uma verdadeira peculiaridade em São Paulo, visto que é uma cidade que tem a maior parte da população afrodescendente morando longe do centro.

A medida que fomos pesquisando sobre a trajetória das pessoas negras na cidade, com enfoque em São Paulo e no desenvolvimento da sua territorialidade, percebemos que o estudo do crescimento da cidade com a presença ou não presença dessa população era algo, muitas vezes, ausente no ensino da arquitetura e principalmente do urbanismo. A cidade não cresce com os negros, ela cresce os empurrando para margem, num sistema radial e isso reforça a importância de um espaço físico.

“…em contextos sociais racistas, os grupos prejudicados socialmente “não podem responder às imagens do exterior com a criação de contra imagens de si próprios flutuando num vácuo social”. Nesse sentido, os membros afetados real ou potencialmente pelo racismo têm de atrair círculos sociais mais amplos, visando à realização de mudanças sociais que possam, além de satisfazer as carências materiais, dar origem a novas soluções psicológicas ao sofrimento vivido pelos sujeitos que, cotidianamente, são vítimas da discriminação ou do preconceito racial. Isso significa que, de um certo ponto de vista, examinar as “ambiguidades e conflitos da aceitação e rejeição simultâneas do estatuto da minoria” (Tajfel, 1983. p 380), geradas pelo racismo, representa uma postura elementar para a compreensão da identidade brasileira.”

PALMIRA DA SILVA, Maria. 2002. p. 56.

O trabalho final consiste em um caderno/livro elaborado em quatro capítulos. Cada capitulo diz a respeito de uma fase da pesquisa. O primeiro capítulo denominamos de Prognóstico onde foram abordadas as primeiras impressões que tivemos ao escolher o trabalho. Por se tratar de um edifício de resistência na cidade neste capítulo achamos necessário o estudo de três frentes. A primeira frente dizia a respeito ao “conteúdo teórico” do movimento negro, ou seja, conceitos e terminologias básicas, pelo qual a maioria de nós nunca havíamos tido contato nem na vida pessoal muito menos na vida acadêmica. A segunda fase denominamos de “meio físico”, ou seja, a coleta do máximo de informações sobre o entorno da Aparelha Luzia, como mapas de mobilidade, croquis, história do bairro, estatísticas, mapa de usos, cortes da rua, etc. E finalmente a terceira fase na qual denominamos “meio imaterial”, onde o objetivo principal foi o primeiro contato da equipe na Aparelha Luzia que foi direcionada após a coleta de dados e um estudo prévio sobre o assunto. O segundo capitulo denominamos de Paralisação. A nomenclatura deste capítulo se deve a uma série de questionamentos da equipe por conta da intersecção de informações até ali coletadas. O terceiro capítulo denominamos de Aproximação. Este capítulo contamos a nossa experiência durante o curso “Espaços de Cultura, Lazer e Resistência na cidade de São Paulo”, ministrado pela Antropóloga Mestra e Doutoranda da USP, Valéria Alves, por intermediação do SESC (Serviço Social do Comercio). E finalmente o último capítulo denominado Aceitação, onde abordamos as nossas conclusões finais e quando o trabalho acadêmico virou mais do que uma disciplina da Escola da Cidade, e sim uma responsabilidade pessoal.