Link para o PDF desta apresentação
Caminante, son tus huellas
el camino y nada más;
Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace el camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante no hay camino
sino estelas en la mar.
Antonio Machado
Enquanto vivemos o necessário isolamento, a vida na cidade segue acontecendo para a maior parte da população, às vezes pela falta de consciência dos problemas relacionados à pandemia, mas também pela necessidade de sobrevivência de grande parcela da população. Circunstância que escancara as diferenças sociais e econômicas em que vivemos e exige atenção para novos desafios de projeto.
A pandemia que nos priva do contato social – e da vida de centenas de milhares de pessoas – também nos distancia da vivência dos espaços de encontro e de convívio na cidade, o que nos convoca a repensarmos a forma de viver nas cidades.
Como nos aproximarmos de um local neste contexto?
É possível descobrir novas possibilidades para nos aproximarmos do território, ainda que a partir de ambientes virtuais?
Em seu livro Walkscapes, Francesco Careri propõe o “caminhar como forma de intervenção urbana’ ou a ‘errância como arquitetura da paisagem”, a fim de se obter o “percurso” como forma estética à disposição da arquitetura e da paisagem (2).
A partir desta noção de “percurso”, acreditamos que a vivência, o caminhar pela cidade pode subsidiar transformações metropolitanas “compreendidas e preenchidas de significados, antes que projetadas e preenchidas de coisas”. Ao invés da implantação indistinta de construções isoladas em seus lotes, reiteramos a importância de propormos projetos que promovam a vivencia do espaço, o encontro, o convívio.
Distante das práticas artísticas específicas de outrora, sobretudo da arte conceitual “alternativa” e “livres à lógica do mercado da art” (3), o que buscamos neste exercício talvez seja um olhar poético inerente ao caminhar, no contato próximo com determinada realidade sócio-espacial ambiental, como nos provoca Paola Berenstein Jacques:
“Talvez a maior crítica (…) tenha sido exatamente o que Oiticica resumiu de forma tão clara em ‘poetizar o urbano’. Os urbanistas teriam esquecido, diante de tantas preocupações funcionais e formais, deste potencial poético do urbano, algo tão simples, porém imprescindível, principalmente para os amantes das cidades.” (4)
A construção e a experiência de percursos estão condicionadas à esfera digital, mediadas por dispositivos eletrônicos. A informação e a comunicação digitais tornaram-se fatores que potencializam a experiência na cidade, num sentido oposto ao que apareciam na literatura (5) da década de 1980, quando previam um espaço de pura informação, antimaterial e livre de qualquer limitação geográfica. Ao contrário, a realidade parece mostrar que as novas redes (físicas e/ou virtuais) de informação são pontos importantes para entendermos o movimento acelerado das metrópoles contemporâneas (6).
Se essa “nova” camada de informação se estabelece a partir de necessidades reais de uma sociedade, então – quando difundidas, espalhadas e compartilhadas por diferentes agentes e contextos urbanos – expõe interações da vida cotidiana, das mais variadas naturezas. Trata-se de uma camada adicional, não concorrente, mas que dilata o físico, complementa, se entrelaça e amplia a realidade. Ou seja, uma nova experiência onde a cibercultura – associada ao desenvolvimento tecnológico – cria certa hibridização dos espaços (7), seja na própria experiência vivenciada, mas também nas formas possíveis de interpretá-la.
Dada nossa condição de isolamento, nos parece oportuno investigar essa “nova” camada e especular sobre seus limites. Explorar, utilizando-se do maior repertório disponível, as dinâmicas espaciais e sociais possíveis de serem analisadas e reinterpretadas, para que possamos assim pensar em alternativas para nossos percursos.
Convidamos a todas e todos a ampliarmos a compreensão do território para além das cartografias tradicionais, buscando informações históricas, das configurações do território, das relações humanas, além de suas condições econômicas e sociais, requisitos que poderão constituir novas experiências aos percursos propostos neste exercício coletivo do caminhar pela cidade.
A proposta de repensar a cidade não é uma novidade e não partiremos do zero, debates constantes desde o final do século XIX de como se desenhar a cidade farão parte do enfrentamento projetual à realidade de nossas cidades, das grandes transformações da cidade industrial, do advento dos meios de transporte coletivos e individuais à necessidade de produção de habitação e de infraestrutura.
A proposta deste primeiro semestre de 2021 para o Estúdio Vertical se vincula ao projeto expositivo “Um guia de arquitetura de São Paulo: doze percursos e cento e vinte e quatro projetos”, a ser realizado pela Galeria da Escola da Cidade ao longo deste ano, a partir do edital PRO-MAC da Secretaria Municipal de Cultura da Cidade de São Paulo. Os percursos e projetos acadêmicos realizados no âmbito do EV e de suas integrações farão parte da exposição.
Enunciado: Equipamento público como centralidade, Espaço público como articulador do bairro
A partir da subdivisão do município de Diadema em 5 regiões – Centro, Norte, Sul, Leste e Oeste – foram identificadas cinco centralidades com equipamentos públicos existentes, estratégicos para a configuração das regiões em que se inserem.
Tais equipamentos serão o ponto de partida para a chegada de cada equipe do EV em um bairro específico do município de Diadema, a partir do trabalho dos estudantes do quinto ano em seu Exercício Único.
As equipes formadas por 5 ou 6 estudantes (terceiro, quarto e quinto anos), deverão partir destes pontos nodais para procurar compreender as características do bairro em que se inserem, buscando propor ações investigativas de projetos urbanos para este “grande jogo do caminhar”,
simultaneamente ao desenvolvimento dos projetos em duplas do terceiro ano (habitação) e dos projetos individuais do quarto ano (equipamento
público), conforme as especificidades de cada curso.
Os estudos relacionados ao município como um todo e sua articulação metropolitana, seja do ponto de vista da mobilidade, da moradia ou das questões ambientais, serão realizados nas disciplinas de Urbanismo, respeitadas as especificidades de cada ano.
Espera-se que tais integrações disciplinares que sejam feitas a partir de aproximações simultâneas ao território, da escala da cidade (Urbanismo) à
escala do edifício (Projeto de Arquitetura), cabendo ao Estúdio Vertical uma escala intermediária integradora capaz de problematizar e articular os estudos e propostas das diversas sequências em seus diferentes anos.
As sequências de Desenho, Tecnologia e História poderão participar de modo mais pontual nesta desejável integração, de acordo com a organização de cada plano de curso nos momentos que foram mais adequados.
Referências
1. A partir de O grande jogo do caminhar, prefácio de Paola Berenstein Jacques para o livro Walkscapes, de Francesco Careri
2. Com o termo “percurso”, Careri indica, ao mesmo tempo, o ato da travessia (o percurso como ação do caminhar), a linha que atravessa o espaço (o percurso como objeto arquitetônico) e o relato do espaço atravessado (o percurso como estrutura narrativa). CARERI, Francesco. Walkscapes.
3. De acordo com a conceituação de Lucy Lippard presente em Novas Derivas. VISCONTI, Jacopo Crivella.
4. Elogio aos errantes. JACQUES, Paola Berenstein.
5. FORD, John M. no livro Web of Angels, 1980; VINGE, Vemor, no romance True Names, 1981; GIBSON, William na ficção Neuromancer, 1984.
6. TOWNSEND, Anthony M. – Life in the Real Mobile Telephones and Urban Metabolism, Journal of Urban Technology, 2000
7. SANTOS, Luciana de Paula. BEIGUELMAN, Giselle (oriente.). Espaços Cíbridos: Mobilidade e locatividade na arte e na arquitetura pós-virtuais. FAUUSP, São Paulo, 2016.
Lista de Figuras
1. Lugar demarcado para sem-teto em São Francisco: o novo coronavírus ressaltou a vida precária de 150 000 pessoas na Califórnia Noah Berger/AP/. Link
2. A demonstration showing the possibilities of pneumatic construction. COOP HIMMELB(L)AU
3. Fil Rouge – Ready to wear – Emma Atterholm
4. Constante e os Situacionistas – começo da planificação de uma cidade coberta, 1959. Link
5. SANTOS, Luciana de Paula. BEIGUELMAN, Giselle (oriente.). Espaços Cíbridos: Mobilidade e locatividade na arte e na arquitetura pós-virtuais. FAUUSP, São Paulo, 2016.
6. Situacionismo e Utopia Urbana. Projeto interativo, 2012. colagens manuais. Link
7. Página do livro: “Um guia de arquitetura de são paulo: doze percursos e cento e vinte e quatro projetos”. Org.: Fabio Valentim.
8. Urban Seam / Costura Urbana – Zona Portuária de Niterói Barcelona, 2001
[Gabriel Duarte, Renata Bertol, Bárbara Ribeiro, Frederico Araújo e Rosalia Camargo]. Link
9. Decrypting Pasar Baru – April 14, 2018. Link
Você precisa fazer login para comentar.