Como vivemos, como queremos viver | aula de apresentação do semestre

Que sociedade queremos e como participamos do desenho de nossa cidade?

APRESENTAÇÃO DO SEMESTRE

NYTVIRUS: SAO PAULO, BRAZIL: 18 MARCH 2020: Residents of the Copan Building, the most traditional building in São Paulo built by architect Oscar Niemeyer, bang pots against Brazilian President Jair Bolsonaro. Many people are already in self-quarantine because of the Coronavirus. Schools, universities, shopping centers and fitness centers are gradually closing this week in São Paulo. Brazil confirmed the first death from COVID-19. CREDIT: Victor Moriyama for The New York Times

“São Paulo é mais kafkaniana que o próprio Kafka (…).
O concreto é sem dúvida um grande símbolo da cidade, mas a vida com sua teimosia e pujança também é.

E deve muito aos povos africanos e ameríndios, que aqui foram oprimidos, debaixo dessa opressão,
desenvolveram tecnologias sociais complexas para que a vida se tornasse possível.

Seu campo gravitacional conseguiu atrair para dentro de si e para seus arredores toda sorte de habitantes, criando uma babilônia tropical que não encontra paralelos no planeta.
Sua muralha natural, a serra do Mar, assim como seus edifícios posteriormente fariam, impõe um desafio a quem se prostra diante dela.

Como qualquer barreira, ela nos obriga a tomar uma decisão, avançar ou desistir, não há espaço para a indiferença, tal qual a esfinge de Tebas (que também foi nome de um arquiteto de São Paulo), a vida se encerra ou recomeça a partir de seu encontro. Decifra-me ou te devoro.

Seu (nosso) desafio no século 21 é retribuir o assustador crescimento dos últimos 150 anos propiciando vida digna para todos que ousaram vir sonhar sua garoa, sempre lembrando que, quem não estuda o passado está condenado a reproduzi-lo”

(EMICIDA,2021 in: ROLNIK, 2022, p.18)

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Introdução


Este EV propõe um itinerário. Parte de nossa disciplina, a Arquitetura e o Urbanismo como ciência social aplicada e sua relação imbricada e indissociável com a sociedade.

Parte, também, de um olhar para o próprio Estúdio Vertical com suas potências e desafios, num semestre atípico, com menos alunos, grupos e professores.

Propomos, diante deste grupo menor e da volta aos encontros presenciais, instaurar um espaço de estudo que resulte numa reflexão coletiva e propositiva sobre o nosso campo de atuação, de modo expandido, tendo nossa cidade e seu Plano Diretor Estratégico (PDE), de julho de 2014, como suporte para nossa investigação.

Ou seja, partimos de nosso campo de atuação para estabelecer diálogos e mobilizar outros conhecimentos.

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Edificio Figueira Altos do Tatuapé, maior residencial da cidade, com 168 metros de altura, e as casas na vizinhanca -Eduardo Knapp
In: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2021/09/predios-enormes-levantamdebate- sobre-limites-da-cidade.shtml

Desenvolvimento do tema


Como nos provoca o rapper Emicida em seu prefácio para o livro “São Paulo: o planejamento da desigualdade” (2022) de Raquel Rolnik, é hora de reivindicarmos uma necessária responsabilidade – ou habilidade de resposta¹ -para criar novos contextos de atuação, projetar com responsabilidade e atenção aos processos, à sistemas e cadeias produtivas, às alianças necessárias buscando modos de pensar e agir comuns.

Após 2 anos de distanciamento social, o retorno gradual à vida nas cidades atualiza com vertiginosa intensidade a sensação de aparente inviabilidade de um plano ou projeto claro que dê conta de transformações sociais significativas. Uma dissolução de nossa confiança na possibilidade de se projetar utopias.

Uma sensação de paralisia que não implica na inviabilidade da arquitetura e do urbanismo como instrumentos de ação e transformação².

¹ Habilidade de resposta (response-hability) com o sentido proposto pela filósofa Donna Haraway – já tão citada neste EV -, no que diz respeito aos riscos de um fatalismo sobre a irreversibilidade do problema ambiental. Como argumenta a filósofa, a violência ambiental do capitalismo avançado demanda de nós respostas e ações. Que “fiquemos com o problema” sem hesitar, assumindo nossa capacidade de resposta e enfrentamento cotidiano tendo em vista que retirar-se do campo da ação, e do projetar transformações significa entregar-se.

² Um atual e necessário debate em torno de nossa dependência do digital, e do modo como plataformas de comunicação virtual têm impacto real no desenho das cidades e transformam nosso espaço cotidiano está no centro da pesquisa da arquiteta e professora de Yale, Keller Easterling, e mobilizou boa parte da programação pública promovida pela Plataforma Áustria durante a 17° Bienal de Arquitetura de Veneza. In: https://www.platform-austria.org/en/blog/thepresence-of-the-past-in-the-platform-or-the-cultural-logic-of-absolute-rentutopia-on-trial (consultado em 04/02/2022)

Manifestantes carregam faixa pró Parque Augusta – Foto: Vinicius Martins In: https://vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/15.178/5500

Vivenciamos com a pandemia uma dependência das plataformas digitais, uma aceleração das transformações das tecnologias digitais, e um cenário político de retrocessos sociais que impactaram duramente nossa sociedade e, por consequência, nossas cidades.
Experimentamos, como nunca, o risco do sequestro do bem comum e da implantação de um conformismo digital, território dominado pelo capitalismo que privilegia o indivíduo, a empresa ou o estado-nação em detrimento do mundo social.
Enquanto estivemos isolados, a cidade seguiu seu fluxo de transformações, de investimentos e
desinvestimentos de capital. Vimos o alarmante crescimento de 31% da população de rua nos últimos
dois anos, enquanto o Indicador de Antecedente do Mercado Imobiliário para o município de São Paulo, da
FIPE-ABRAINC³, apresentou sucessivas altas na cidade.
Nos animamos com a conquista do Parque Augusta, marco de mobilização da sociedade-civil – não sem um
alto custo para sua implantação4 – enquanto parques e infraestruturas estaduais e municipais de lazer, largadas ao desmonte, seguem uma agenda privatizações.

3 In: https://downloads.fipe.org.br/indices/abrainc/release-indicadorantecedente-3t2020.pdf

4 No artigo “Parque Augusta está lindo, mas por que só o centro merece?” publicado pelo professor e urbanista Nabil Bonduki, no jornal Folha de São Paulo, as contradições do processo que viabilizou sua abertura para a cidade são explicitadas de modo a questionar o papel das outorgas onerosas do direito de construir, como instrumento legal que merece atenção quanto a sua boa utilização voltada à redução das desigualdades urbanas. In:https://www1.folha.uol.com.br/colunas/nabil-bonduki/2021/11/parque-augusta-esta-lindo-mas-por-que-so-ocentro-merece.shtml (consultado em 04/02/2022)

Imagens e infográficos do PDE – Plano DIretor Estratégico SP
Site: https://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/marco-regulatorio/plano-diretor/arquivos/

Alguns bairros tiveram quarteirões inteiros demolidos, dando lugar à verticalização e um necessário
adensamento, não sem alterar a morfologia urbana que abrigava uma diversidade de pequenos comércios e
prestadores de serviço.
Todos estes eventos que nos atravessam, quando não atropelam cotidianamente, em alguma medida
estão presentes ou são regulados e embasados pelo Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, de 2016.

Um instrumento que foi intensamente debatido, que trouxe necessárias revisões sobre o zoneamento da cidade e que ainda é alvo de disputas de interesses – como a tentativa de dar prosseguimento a sua prevista
revisão durante a pandemia.
Sua aplicação começa se concretizar e nos leva a refletir e reivindicar nosso papel na construção coletiva
de futuros outros para a cidade em que vivemos. Se um dos objetivos do PDE era reduzir desigualdades
na cidade, quais as consequências que este essencial instrumento de regulação deixará para a cidade? Quais meios e estratégias de atuação podem resultar em ações concretas para o bem comum da cidade fazendo cumprir seu objetivo de redução de desigualdades?

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