A primeira linha de aproximação com o tema “modos de pensar, modos de fazer” adotada pelo grupo é dada pelo entendimento do que é a prática projetual da arquitetura contemporânea, principalmente no que tange a instabilidade das dinâmicas sociais e institucionais que exigem novos programas e posturas dos espaços construídos. É pensando em sistemas que possibilitem a continuidade de edifícios já construídos pela flexibilidade de seus espaços e considerando a multiplicidade de relações espaciais e de possibilidades programáticas, que procuramos estudar e intervir em algum edifício da cidade de São Paulo, projetando sem se prender em programa.
A escolha do edifício foi pautada em três preceitos: dinâmica, escala e tempo. Para o desenvolvimento da leitura julgamos necessário que o edifício tivesse passado por alguma ressignificação de uso, que tivesse escala pública e que fosse passível de uma análise histórica. O escolhido foi o Edifício Alexandre Mackenzie, que além de todos os critérios apresentados anteriormente é territorialmente central para a cidade, ao lado do Theatro Municipal, da Prefeitura de São Paulo e do Viaduto do Chá.
O edifício de escritórios foi projetado em estilo eclético pelos norte americanos Preston e Curtis e construído em 1929 por Severo, Villares & Cia. Ltda para sediar a empresa de luz e energia The São Paulo Tramway, Light and Power Co. Ltd. Em 1941 foi adquirido para expansão o lote do Teatro São José, ao lado do edifício construído. O lote escolhido para construção é de principal destaque na cidade, pois beira a conexão entre o centro antigo e o centro novo, compondo desde a época de sua construção o conjunto ambiental urbano do Vale do Anhangabaú.
Diante deste contexto, identificamos a conexão urbana entre o Vale do Anhangabaú e a cota superior como uma potencialidade do edifício, apesar de sua subutilização. Para tanto foram desenvolvidas estratégias projetuais, partindo da leitura de quais seriam as ligações urbanas pertinentes a serem feitas utilizando a estrutura do Edifício Alexandre Mackenzie como instrumento. Nesta proposta o prédio que hoje abarca o Shopping Light passa a ser caracterizado como uma infraestrutura pública de circulação, trazendo um caráter semelhante às galerias dos anos 50 encontradas no centro de São Paulo. Consideramos que esta conexão urbana deve se dar separada do eixo de circulação do resto do edifício dando um uso público aos seus térreos. Para tanto a antiga estrutura de circulação centralizada no edifício, hoje fora de uso, é reutilizada para suprir os andares superiores, enquanto que as estruturas a serem desenvolvidas no projeto dão conta da conexão urbana.
No intuito de tornar a entrada da Rua Formosa em um térreo com virtudes semelhantes às encontradas na cota da Rua Xavier de Toledo e Viaduto do Chá, ocorre, em um primeiro momento, a ampliação do pé direito da cota da Rua Formosa, a partir da retirada da laje intermediária entre os dois térreos. Esta cota que outrora mantinha os espaços seccionados recebe agora um conjunto de mezaninos e rampas, que ao mesmo tempo que permitem que sejam feitas as conexões necessárias entre os espaços, também trazem ligações visuais aos transeuntes que passam pelas cotas inferiores do edifício. Os espaços de interesse ganham aqui um aspecto de pontos de concentração, chamados de estações. Estas se encontram distribuídas nos planos entre-térreos e dialogam de forma geral com os espaços que apresentam conexões importantes, sejam eles internos ou externos ao edifício. Ou seja, tanto para as circulações verticais quanto horizontais, as estações servem como pontos de inflexão que permitem a fruição e convergência de pessoas.
Outro partido do projeto diz respeito à abertura nas lajes do que seria o terreno da expansão dos anos 90 e a introdução de uma nova fachada e cobertura que trazem a entrada de luz ao ambiente interno. Criando uma unidade a partir do vazio, este espaço apresenta novas fachadas do edifício Alexandre mackenzie, estas permitindo a conexão visual entre os diversos pisos. Pretende-se com isso dar ênfase à transição da Rua Xavier de Toledo ao novo térreo da Rua Formosa, valorizando o caráter público proposto pelo projeto.
Seguindo com a análise do edifício a partir de suas expansões e relações com a cidade procuramos encontrar dentro de suas potencialidades diretrizes espaciais, desvinculadas de programa, que desenhem caminhos para possíveis mudanças que venha a ter. Usamos a temporalidade como forma de separação de análise reconhecendo nelas relações espaciais de fluxos e materialidade para cada época. Olhamos para três momentos de expansão do edifício que podem ser reconhecidas nos mapas Sara Brasil, 1930, VASP, 1950 e MDC, 2004.
Na primeira fase, forma tomada pelo edifício na sua construção, o parque Anhangabaú já era delimitado por edifícios importantes como os palacetes Prates, Correios e a praça Ramos de Azevedo, e a Rua Formosa, uma das frentes do edifício, era leito carroçável que se prolongava do largo da memória à praça dos correios. No sentido das relações internas do edifício com a cidade analisamos que a entrada principal e pública se dava pela cota do primeiro Viaduto do Chá, eixo principal de ligação entre o centro velho e o centro novo. O pé direito bem como sua ornamentação e imponência delimitam este como o térreo do edifício, de uso público, enquanto na cota do vale estavam áreas mais técnicas.
Já por volta dos anos 1940 o vale se caracterizava como um dos principais eixos de conexão norte-sul dando lugar a largas avenidas. A expansão que se deu paralelamente ao vale, dando ao edifício uma configuração em L, não alterou a lógica básica de circulação interna e manteve a linguagem da fachada. Na nossa análise a escolha desta expansão dá ao edifício mais imponência, pois alarga a frente em ambas as faces mais importantes. Pode-se observar que esta expansão coloca três novas portas na Fachada da Rua Formosa, sugerindo, talvez, um desejo de se tornar entrada. É por esta época também que se constrói o novo Viaduto do Chá e consequentemente a parada de ônibus e depois a galeria Prestes Maia que coloca com força conexão entre as ruas de cima e a cota do vale.
A terceira fase se dá no que podemos observar no edifício até os dias de hoje, quando na década de 1990 foi transformado em Shopping Light. Foi adquirido o terreno remanescente do antigo Theatro São José, que além da fachada não tem nenhuma restrição de tombamento. Por escolha de projeto se construiu nesta expansão uma nova circulação, colocando em obsolescência a caixa antiga que ocupa agora o centro do edifício. O eixo norte-sul foi enterrado em túnel que passa por baixo da laje do Vale do Anhangabaú e poucos são os edifícios que abrem a fachada na cota do vale, incluindo no edifício Light onde ainda se localizam algumas áreas técnicas e de estacionamento. Desde os anos 1950 no centro novo surgiam galerias comerciais,algumas que perduram até hoje, que colocam o percuso urbano, no meio da quadra, como forma de cidade. O Shopping Light, erguido neste contexto, no entanto, não lança mão deste artifício, sendo fechado nele mesmo.
Identificamos a conexão urbana entre o Vale do Anhangabaú e a cota superior como uma potencialidade do edifício. Neste sentido esta proposta não espera responder necessidades que foram apontadas pela análise e sim coloca um desejo de cidade e urbanidade, tentando tornar a entrada da Rua Formosa como um novo térreo. Para tanto pensamos em ampliar o pé direito, na planta caraio dando maior luminosidade. Pela abertura na laje do que seria o terreno da expansão dos anos 90 cria-se também uma conexão visual entre a Xavier de Toledo e o novo térreo da Rua Formosa. Consideramos que esta conexão urbana deve se dar separada ao eixo de circulação do resto do edifício dando um uso público aos seus térreos.
2A ENTREGA, 3 de abril de 2017
Nesse segundo momento do trabalho procuramos um objeto para aplicar os conceitos e metodologia estudados na primeira aproximação do tema. A escolha do edifício foi pautada em três preceitos: mudança de programa, escala e tempo. Para o desenvolvimento da leitura julgamos necessário que o edifício tivesse passado por alguma ressignificação de uso, que tivesse escala pública e que fosse passível de uma análise histórica. O escolhido foi o Edifício Alexandre Mackenzie, que além de todos os critérios apresentados anteriormente está localizado em um território de centralidade, ao lado do Theatro Municipal, da Prefeitura de São Paulo e do Viaduto do Chá.
O edifício de escritórios foi projetado em estilo eclético pelos norte americanos Preston e Curtis e construído em 1929 por Severo, Villares & Cia. Ltda para sediar a empresa de luz e energia The São Paulo Tramway, Light and Power Co. Ltd. Em 1941 foi adquirido para expansão o lote do Teatro São José, ao lado do edifício construído. O lote escolhido para construção é de principal destaque na cidade, pois beira a conexão entre o centro antigo e o centro novo, compondo desde a época de sua construção o conjunto ambiental urbano do Vale do Anhangabaú.
Na década de 1940 o centro era o pólo econômico e social da elite paulistana. Ao longo dos anos seguintes até a década de 50 era tido como vital à vida cultural e urbana da cidade, com a construção de cinemas e galerias comerciais. Já nos anos 60 a industrialização e expansão da cidade constroi outros territórios de centralidade pela elite, como exemplo a construção do primeiro shopping da cidade, o Iguatemi, na beira do Rio Pinheiros. Em 1980 o prédio é tombado pelo CONDEPHAAT, mas o centro começava a se esvaziar, como outros centros ao redor do mundo, e o edifício da Light, como outros prédios comerciais, fica vazio e permanece sem uso durante toda a década de 1990. Já no começo da década de 2000 começa a haver uma revalorização do centro, o que David Harvey explica em Condição pós-moderna, 1994, como parte de interesses de caráter imobiliário e numa “busca mais geral da especificidade local, enfatizada como “antídoto” ao processo geral de homogeneização que investe sobretudo nos aspectos de consumo e de informação” (VARGAS, 1998). Em 1999 por um consórcio de 50 anos com o fundo Birman o edifício passa por uma reestruturação projetada pelo arquiteto Carlos Faggin para abrigar o shopping, denominado Shopping Light em referência ao nome popular do edifício.
A concepção estrutural do edifício é baseada na composição da fachada. A estrutura de pilares segue principalmente a linha de simetria ritmada pela abertura das janelas. No centro do edifício se localiza o núcleo de circulação, hoje em desuso como circulação do shopping, composto por duas caixas de elevadores, separados em halls diferentes na sua concepção por hierarquia de uso, um para o uso dos administradores da companhia da Light e outro para o público em geral, e a caixa de escadas que ainda é usada. Os elevadores foram um dos primeiros públicos construídos na cidade e fazem parte da materialidade tombada pelo CONDEPHAAT.
O que procuramos com a leitura do edifício neste momento é como a adaptação de uso aproveita ou nega as potencialidades do edifício e as materialidade da estrutura, entendendo se o uso e o projeto de implantação dele é coerente com o edifício.
VARGAS, Heliana Comin. Galerias do Centro. URBS, São Paulo,v.8, p41-49, 1998
Você precisa fazer login para comentar.