G11 – Da cidade ao igarapé: Uma arquitetura de morar para Manaus

ENTREGA 4

Nem todas as pessoas têm a capacidade de construir uma casa; mas achamos que a maioria sabe aplicar e aperfeiçoar aquela série de regras e princípios transmitidos de geração para geração. (…) “José fabricou sua casa sem arquiteto, sem o auxílio daqueles escritórios técnicos que só sabem encher a cidade de “finos palacetes” em estilo português ou mexicano. Este arquiteto de quem falamos, esse arquiteto sem compasso, régua T e tecnígrafo; este homem simples e feliz trabalhou dias e dias escolhendo a boa madeira, a mais leve, a mais resistente, a mais útil. José sentiu o prazer da arquitetura, o gosto do planejar, de sistematizar sua vida embaixo de um teto: um dos mais nobres prazeres do homem. Conhecia, por tradição, a arte de construir, e sua belíssima casa ali está, firme, espaçosa e agradável no meio da natureza, em plena selva, no coração do Amazonas.

Lina Bo Bardi – Revista Habitat nº 7

 

 

ENTREGA 3

 

Pensar a habitação social num lugar peculiar com condições especificas de clima e relevo foi um pilar para o desenvolvimento deste projeto.

A arquitetura proposta pelo grupo visa se instalar na condição mais singular da cidade que é a divisão entre o que é cidade e rio, nela pretendesse reinterpretar a arquitetura vernacular da palafita que consegue lidar com a variação do rio sem ficar a “total deriva” como os flutuantes.

A lógica construtiva empregada visa dar uma unidade simples as partes, através de encaixes simples e uniões através de aparafusamento, facilitando assim o processo construtivo da madeira – material de tão fácil manejo na região – que poderia ser realizado ao final deste projeto através da leitura de uma cartilha.

A estrutura também tem como princípio conceder ao usuário maior segurança, através de travamentos e uma logística construtiva que consiga suportar a ação das correntezas fortes e variação das aguas do rio que pode variar de 6 a 7 metros de altura na vertical.

Um outro vetor para este projeto está nas aberturas associada ao desenho das plantas que não só a dinamizam dando um espaço continuo ao interior da palafita, pois possibilita o uso variado do espaço que hora pode ser usado como habitação e hora como comercio, como permite uma maleabilidade deste espaço para o uso de mobiliários não fixos como é o caso da rede. Deste modo, incluímos no programa desta construção o que já é comum na cidade de Manaus, como também diluímos a divisão do que é dentro e fora, pois com a total abertura da palafita o espaço do giral e varanda tão importantes nas construções ribeirinhas se incorporam resultando num espaço continuo e fluido.

Além disso, as aberturas possibilitam um sistema de ventilação misto de ventilação cruzada associada a chaminé, isso garante não só mais conforto térmico como dá a possibilidade do uso de ar-condicionado devido ao sistema de fechamento que não só podem se adaptar a esta ferramenta como pode auxiliar o seu funcionamento pois o sistema de ventilação diminui a carga térmica da edificação.

Uma outra escolha projetual importante se dá na escolha dos banheiros, que na construção ribeirinha tradicional fica que hora posicionado no interior da casa hora para fora, mas que no projeto que desenvolvemos por se tratar de uma palafita em contexto urbano o implantamos no interior para dar maior privacidade ao usuário.

A reinterpretação da arquitetura da palafita visa não só reafirmar sua importância no contexto histórico e social de Manaus, como também e principalmente reinserir esse tipo de construção na situação urbana da cidade que a margem do rio dando qualidade estrutural que aumente sua segurança e possibilidade de layouts que se adaptem os vários tipos de famílias que ali existem.

ENTREGA 2

Questionar a casa, a habitação, os seus elementos construtivos e a região onde se situa, as pretensões e a necessidade de seus moradores é um tema importante e interessante.
Abordaremos alguns aspectos do mesmo mais direcionados a nossa região e ao tema geral deste evento.

Quando aqui chegamos cerca de vinte anos, chamou-nos a atenção de imediato, a casa, a morada que tem como necessidade maior abrigar a família.

Era comum visitarmos pessoas de certa posição social, que moravam em casas simples de madeira, de duas águas, piso elevado de tábuas pintadas, etc. ,com aspectos semelhantes ao do homem ribeirinho ou do interior, Este fato nos chamou atenção, pois de um centro urbano maior, onde a ideia de casa sempre vem acompanhada das necessidades de ser duradoura, permanente, a fim de que significasse o futuro garantido juntamente com a aposentadoria, dinheiro em banco, jóias e não simplesmente abrigo, morada.

Este aspecto aliado a outros como por exemplo, dos homens que habitavam e habitam toda esta imensa Amazônia, nas regiões mais distantes, junto aos rios e igarapés, como também distante dos mesmos, no meio das matas (os caboclos de terra firme, seringueiros, mateiros, caçadores e outros), que nos impressionavam toda a vez que tínhamos oportunidade de voar para o interior de mono motor em vôos diretos de três e meia a quatro horas de viagem. E aí nos púnhamos a pensar sobre a coragem e autoconfiança deste homens, a certeza de obtenção de recursos para a sua subsistência, o conhecimento de plantas, raízes, que lhe permitia fazer chás e remédios caseiros como se fosse mais um dos seus sentidos, que os habitantes das cidades tivessem perdido por atrofia. E a imagem desse homem rapidamente muda de dentro de nós.

De analfabeto e ignorante, imediatamente assume a postura de um gigante, de um profundo conhecedor da região, integrado a ela, sabedor de como construir a morada no local correto de acordo com as necessidades ecológicas e com os seus recursos técnicos.
Nós que chegávamos precisávamos aprender. Substituir nossos conceitos, chegamos a dizer a um grande amigo em janeiro de 65, quando subíamos o rio Amazonas, que alfabetizar este homem naquele momento a nosso ver seria um mal maior de que deixá-lo ir absorvendo estes ensinamentos, transmitidos de geração a geração e que não constam em livros, pois estes eram tão importantes neste região quanto a necessidade do homem nas cidades ler, escrever, tirar cursos e ter diplomas.

E aí encontramos as casas bem situadas e bem orientadas. Construídas de madeira, de palha e até mesmo de alvenaria.

Encontramos a casa flutuante, construída sobre troncos de madeiras de balsas, exemplo de solução ecológica adequada às condições de nossos rios, onde a variação de seus níveis anualmente atingem a média de 10 a 12 metros, transportando as suas margens a centenas de metros de distância.

E a casa se desloca e acompanha estas margens.

Na cidade víamos e vemos bem forte a presença desse homem e dos seus recursos para trabalhar a madeira, afeito que é ao processo construtivo de embarcações e nos bairros de população ribeirinha e nos de menos recursos encontramos as soluções mais criativas, ricas de elementos construtivos importantes como varandas, treliças, passadiços, sanefas (fechando a noite áreas abertas durante o dia), etc.

caderno_g11_vo2 Em algumas casas vemos os seus proprietários desejando dentro de seus conceitos de “evoluir” atingir a primeira frase de transformação das casa de madeira para a de alvenaria, substituir a sua fachada principal antes de madeira por outra feita com tijolos e cimento.

A criatividade, a espontaneidade, o domínio do processo construtivo torna o seu proprietário apto a qualquer momento e muitas vezes em horas, introduzir alterações na mesma, abrindo vãos, criando cômodos, evidenciando desse forma o domínio absoluto do espaço em que vive.

Contrastando com essa flexibilidade construtiva, vemos todo o restante das habitações, cujo exemplo maior são os conjuntos habitacionais, onde os seus altos custos, as suas soluções e elementos construtivos são em sua maioria inadequados a região.

Há que se questionar a habitação seriamente em todos os seus níveis e elementos componente de suas soluções.

Grades, elementos vazados, brises verticais ou horizontais, treliças, venezianas fixas ou reguláveis, jalousie, devem ser usados fartamente e corajosamente sempre que necessário.

A ventilação cruzada deve ser uma preocupação constante bem como a proteção das fachadas com beirais generosos, pérgolas, vegetação e outros elementos.

Vamos tentar sacudir um pouco tudo que aprendemos e nos condicionamos a utilizar, para ver se conseguimos atirar longe conceitos de construção, soluções e espaços inadequados, substituindo-os com criatividade, segurança e coragem por outros adequados a nossa região para benefício das pessoas que aqui vivem e moram nas casas que aqui fazem.

* Transcrição da apresentação do arquiteto Severiano Porto para o Seminário “Artes Visuais na Amazônia”, em 09 de novembro de 1984. (Texto do próprio arquiteto)

Caderno Completo:

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Imagens :

EV – Modos de pensar, modos de fazer

Da cidade ao igarapé: uma arquitetura de morar para Manaus

O estúdio vertical deste semestre apresentou como enunciado a proposta: “Modos de pensar, modos de fazer”. Esse tema que se apresenta como um caleidoscópio de possibilidades pareceu para nós, do Grupo 11, uma excelente oportunidade de aproveitar as reflexões feitas nas iniciações científicas que foram empreendidas por duas integrantes deste grupo. Para nós, as reflexões produzidas nestes trabalhos teóricos são os “modos de pensar”, e a ideia de utiliza-los como partido de um projeto se caracteriza como os “modos de fazer”.

A primeira pesquisa que serviu de estímulo para essa proposta de trabalho possui o título “Moderno e Regional: trajetória e projetos residenciais de Severiano Porto em Manaus (AM)”. O objetivo desta iniciação científica era conhecer, mapear e levantar no acervo de projetos do arquiteto as residências pensadas para a cidade de Manaus. Como Severiano foi um arquiteto formado na modernidade sua produção ocorreu entre 1960 e 2000, e suas obras foram pioneiras ao criar uma arquitetura própria para Manaus, que levava em consideração características climáticas, espaciais e culturais.

A segunda pesquisa fundadora para este trabalho tem o título “Desconstruindo o canteiro: Uma análise crítica da pré-fabricação e seus canteiros de obra – Os casos do Terminal 3 do aeroporto de Guarulhos (SP) e do Centro Internacional Sarah de Neurorreabilitação e Neurociências (RJ)”. O objetivo desta pesquisa era comparar os canteiros de obra do Sarah Rio e do Terminal 3 de Guarulhos, mostrando as diferenças entre esses grandes canteiros, o primeiro que buscava uma relação mais humana com os operários e o segundo que sofreu denúncias por trabalho escravo.

Tendo em vista estas duas pesquisas decidimos trabalhar neste Estúdio Vertical na cidade de Manaus, pensando uma habitação contemporânea adequada para esta cidade e tendo como premissa o desenho de um projeto que leve em consideração o canteiro de obras e o operário.Para conseguir definir um lugar de trabalho e começar a entender as complexidades habitacionais existentes em Manaus, focamos nesta primeiro entrega em fazer leituras históricas, culturais e geográficas sobre esta cidade.

Manaus foi criada a partir de uma fortificação portuguesa construída para proteger o território entre o Rio Negro e o Amazonas. Com o passar dos anos a cidade foi se constituindo com uma arquitetura e um urbanismo originário dessa cultura. Assim, no centro de Manaus os sobrados portugueses e as construções ecléticas, feitas no período da borracha, tem uma presença marcante. Outras áreas da cidade foram construídas sobre algumas logicas da modernidade, tendo poucos, mas alguns exemplos dessa arquitetura, que tem como principal ícone Severiano Porto. Agora, na contemporaneidade vemos a cidade se verticalizando e mais uma vez importando modelos de fora, que não fazem sentido no contexto da cidade. Neste quadro é possível observar que a arquitetura construída em Manaus sempre foi a imposta por outras culturas, primeiro a dos portugueses no período de fundação, depois também a dos franceses e ingleses que circularam na cidade na época da borracha,a moderna trazida por alguns arquitetos vindos de outros estados e a contemporânea que importa maus modelos do mercado imobiliário nacional.

Em contrapartida, a Amazônia como um todo tem excelentes exemplos de arquiteturas vernáculas,que conseguem estabelecer relações melhores com o espaço, o clima e a cultura local. Porém, essa arquitetura vernácula sempre foi vista como a imagem de um retrocesso, como algo que deveria ser varrido das cercanias de Manaus, que é um polo industrial. Assim, vemos uma sucessão de políticas públicas que vem desmontando essa arquitetura vernacular dos arredores de Manaus, desde a década de 60. O último grande projeto com esses fins, o PROSAMIM, aterrou um conjunto de igarapés da cidade para implantar predinhos habitacionais em seu lugar.

Tendo em vista todas estas questões, propomos para este EV o projeto de uma nova tipologia de residência para Manaus, que possa ocupar cidade, várzea, rio e igarapé, conseguindo integrar o que antes era segregado. Para essa tipologia pensamos em uma tecnologia construtiva em madeira, de fácil montagem e que permita modificações, visando que os próprios habitantes dessas casas sejam capazes de fazer esse processo construtivo. Escolhemos assim, o Centro de Manaus como local de implantação por ser um local que historicamente abarcou todos esses modos de construção e também por ser o epicentro dessa “caça” as palafitas. Na construção desse trabalho, queremos levar como referência a obra residencial construída por Severiano Porto em Manaus, aprendendo com ela como gerar uma arquitetura adequada para esse lugar.