“But what does the city have to do with dance? How does the camera set up a dialogue between bodies
and buildings, between skin, muscles, bones and cold solid architecture? What types of spaces are
contained within the camera’s frame? How does the dancing body come into contact with the site?
Does the dance occupy or move through space? How many bodies does it take to shift the movement of the city?“
Vitaglione, SYLVIE. Experimental dance films and the (mis)use of urban space.
ETAPA – 01
TEXTO INTRODUTÓRIO
É fundamental preparar vossos corpos antes de se enveredar por ruas e avenidas, por seus buracos e esquinas, por isso recomendo aquecer-se e se alongar.
Inicio o trajeto. Percebo meu corpo enquanto me desloco pela cidade. Percebo também que ela não considera o pedestre como um corpo em movimento.
Me movo pela cidade e ela se move também, reconheço, no entanto, que estamos em ritmos diferentes, cadências longe de serem complementares e estranho habitarmos o mesmo espaço. E, entender uma certa necessidade dos corpos de serem agentes e estabelecerem uma presença física nos espaços públicos torna-se distante.
Não é como se seu plano urbano estivesse inadequado, no entanto, por ter consciência do espaço interno do corpo, entendo a cidade como resultado de uma série de espaços fora do corpo. Talvez sinta isso devido a dificuldade em entender a arquitetura enquanto coreografia e as forças invisíveis que compõem os espaços.
Aonde foi parar o Genius Locci, o famoso Espírito do Lugar? Pré-existências e harmonia sempre consideradas em uma coreografia, mas muitas vezes esquecidas ou omitidas em projetos arquitetônicos, promovendo desacordos com esse tal Espírito do Lugar.
Apoiar, deitar, sentar, movimentos característicos da dança diversas vezes negligenciados pelas arquiteturas desses lugares que percorro. A dança e arquitetura me parecem distantes agora. Meu corpo se restringe nos espaços mais amplos e não há interação com os demais – humanos e objetos.
Na maioria das vezes esse contato limita-se ao chão e ao contato que meus pés tem com ele, vezes esse status quo muda, quando aparece-me uma escada ou rampa e seus corrimões tornam-se um deleite para as minhas mãos, que são levadas para cima ou para baixo, movendo meus braços, conduzindo meu corpo.
Percebo que sou capaz de preencher os espaços vazios na topografia, os espaços intersticiais, com a dança. Entretanto, explorar essa cidade, outrora tão familiar, revela-se um desafio por meio do meu próprio corpo. Seria possível dizer que vivemos em uma coreografia cotidiana que se estrutura todos os dias de acordo com a forma que habitamos esses espaços?
Dentro, fora, ao redor – me ajudam a investigar a cidade enquanto me desloco sem muita direção. O desenho da cidade está pronto, mas o que mudaria se fosse possível entender os corpos como corpos dançantes, como eu, que pudessem desenhar as cidades constantemente?
Almeja-se entender um antagonismo onipresente nos espaços da cidade, sem que se caia em maniqueismos, com a dança como instrumento de análise e que, simultaneamente, passa a ocupar esses espaços.
Mudo meu percurso e o que vejo também muda comigo, arranha-céus se abrem e eu fico menor, e como em um ensaio aberto, mudo, me inverto e voltamos às mesmas inquietudes, aos mesmos gestos. no entanto, agora sem nos fecharmos, porque é possível se reformular a cada novo encontro, pois é por meio da dança e dos movimentos do corpo, meu e da arquitetura, que nos complementamos.
VÍDEO INTRODUÇÃO
link: Dança e Cidade Introdução EV
REFERÊNCIAS
http://architecturemps.com/wp-content/uploads/2013/09/mc_conference_vitaglione_sylvie.pdf
ETAPA – 02
TEORIA DO MOVIMENTO – RUDOLF LABAN
Como forma de se aproximar ao tema da dança e arquitetura, o grupo busco em Laban referencias de representação e também conceitos de seus trabalhos com o movimento do corpo.
Como coreografo, arquiteto e músico, Laban desenvolveu diversos estudos sobre movimentos e gerou uma série de diagramas como forma de representação e base para suas coreografias.
Com base nesses estudos o grupo busca encontrar formas de registrar e transcrever movimentos que constituem o espaço, sendo este o Terminal Bandeira, de modo a compreender qual movimento está no limite entre se encontrar no padrão ou causar uma perturbação alta no espaço. Que movimentos podem determinar a essência na ocupação do espaço.
ETAPA – 03
ENSAIO COREOGRÁFICO
Às vezes sinto que estou vendo tudo de uma vez, e é demais. Meu corpo se enche como um balão prestes a explodir. E então, lembro de relaxar e parar de tentar segurá-lo. E tudo passa a fluir através de mim como chuva. E não sinto nada além de uma incrível força benevolente que me faz acreditar nos meus movimentos.
Entendo o corpo como possibilidade, potência e ocupação. Entendo o espaço como rampa, corrimão e passarela. As coisas todas parecem ter o mesmo peso.
Para compreender o que estou dizendo, é fundamental acreditar que a dança é algo diferente de técnica. Nos esquecemos de onde os movimentos vêm -eles nascem da vida. Por isso, o ponto de partida deve ser a vida contemporânea – não formatos pré-existentes de dança.
No entanto, para projetar nos movimentos do cotidiano, traduzir nos usos físicos desse espaço tinha que decidir: ou eu sigo um plano ou me envolvo com algo que não sei para onde vai me levar.
Como confrontar o movimento ordinário? Como conceber escapes não escapistas em um lugar complexo, dinâmico, contraditório, que permite possibilidades? Tinha que ser o espaço pela dança e eu tinha que dançar.
A ideia de um corpo dissolvido naquele espaço que é tanto fluxo como permanência, me impulssionavam a, mesmo parada, estar dançando.
Espaço, tempo, peso e fluência. Repetição. Que não é mais só uma repetição, uma vez que a mesma ação te faz sentir algo completamente diferente no fim.
- Acompanhar um grupo – o grupo – o grupo se desfaz; como reago a isso?
- Desagrupar – muitas pessoas – me distraio – tudo que acontece é muito silencioso.
- Corrida – velocidade – faz barulho – esbarro nas pessoas; começo a perder o ritmo.
Pauso dançando, sento, mudo o percurso, agora zig zagueio, sempre dançando. Caminho de trás para frente, de costas, mais pela borda, mais pelo centro. Acompanho o guarda-corpo. Sigo um grupo. Me desfaço desse grupo. Volto a correr, rápido, muito rápido. Percebo o espaço, aceno para a rampa, passo por onde iniciei, vou desacelerando, vou me despedindo – da dança e do espaço.
A fantástica possibilidade que tenho aqui é que posso fazer coisas que não se é permitido fazer ou que não se pode fazer na vida normal. Às vezes, só podemos esclarecer algo nos confrontando, com o que não sabemos.
É, por meio da dança, como se um certo conhecimento retornasse para nós, que de fato, talvez, sempre tivemos, mas que não é nem consciente nem presente. Isso nos lembra de algo que todos nós temos em comum.
Pouco a pouco entendi que estava interessada em coisas completamente diferentes que não tinham nada a ver com meus planos. E que cada nova sequência era um novo espaço. E que tinha que ser experimental, para que corpo e dança sigam sempre se refazendo, um por meio do outro.
ETAPA – 04
PROPOSTA COREOGRÁFICA
Marcamos nosso encontro para as 11 horas. Estava excepcionalmente quente, fazia bastante sol e o céu estava aberto. Levava comigo uma pergunta que ainda não sabia a resposta: de qual qualidade do espaço poderia se fazer uma coreografia?
Entender o movimento especializado nas passarelas para além de uma transcrição da minha sequência.
Tenho consciência de que estou ocupando esse lugar na cidade por meio do meu corpo, que é o último espaço de liberdade que se tem.
Justamente por isso, prezo por um distanciamento e uma certa anonimidade.
Por isso também poderiam classificar meus movimentos como solitários. Mas duvido muito que o façam, afinal, depois de algumas tentativas, entendo que não há como provocar tensionamentos nesse espaço. O cotidiano faz com que as pessoas não se atentem para o que acontece externamente a elas próprias.
Despercebida então, me permito a exagerar mais meus movimentos e trazer uma plasticidade coreográfica outrora deixada de lado. Ainda que faça muito calor, sou capaz de concatenar a dança que proponho, individual mas marcada por uma poesia específica desse determinado espaço urbano.
A dança na cidade e o corpo como ocupação permitem tangenciar uma linguagem do imaginário dentro de um diálogo que passa a ser criado aonde o corpo contradiz o espaço. Pois o espaço é grande e meu corpo pequeno. Os prédios são altos e eu sou pequena. Os caminhos são largos e eu sou pequena.
Ainda que exista esse antagonismo nada se altera, porque ninguém interrompe o que está fazendo para ver. Seria essa então a condição natural da cidade de São Paulo? Mas se não se promove interação, o que então isso significa como ocupação?
Quase que invisivelmente, entendo que minha contribuição é uma forma de ocupar escondida, mas que por isso mesmo já se torna quase denuncia, sem querer a ser.
A resposta é a não ocupação dessas passarelas, é uma ação fora do comum por meio da dança, marcada e coreográfica, que revela esse efeito anestesiado, de um comportamento generalizado, característico do momento atual.
Por isso eu danço, mesmo que ninguém veja, eu danço dentro de mim, dentro da cidade, os espaços não fazem um convite imediato para dançar, mas na verdade se apresentam como um desafio para dançar e é esse desafio que pode incorporar as mais abstratas ideias.
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