O espaço do museu carrega consigo importantes questões que embasam a discussão sobre território dentro do campo da produção arquitetônica paulista, além de um repertório imagético fixo, referente à sua arquitetura. Ele porém, se recicla todo o tempo a partir das exposições e atividades que abarca.
O trabalho lida com a expografia e entende que a ação projetual da arquitetura efêmera, dentro de outra permanente, adiciona novas camadas de significado ao espaço.
Por definição a prática arquitetônica lida com espaços. De um ponto de vista mais amplo e imediato esses espaços se dividem entre aqueles que a arquitetura organizará e que serão moldados por ela e aqueles que a englobam. Nos referimos em primeiro lugar aos programas, ambientes e atividades, e em segundo lugar ao próprio terreno. Trata-se de espaços delimitados, de extensões fisicamente visíveis e táteis e com determinado caráter formal. A aproximação a esse primeiro grupo de espaços é pautada, sempre, pela escala. O objeto arquitetônico é, por princípio, uma relação de dimensões.
Por outro lado, existe um espaço mais denso e às vezes menos óbvio ao qual a arquitetura se refere. Aquele sem limites físicos, intangível, o qual podemos chamar de território. Fica claro aqui que não estamos abordando a noção de território apenas como uma porção ou extensão de terra, mas sim como um conjunto de circunstâncias físicas, culturais e socioeconômicas capazes de criar um imaginário sobre determinado lugar.
“O território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida.” (SANTOS, 1999)
*As ideias de escala e território são intrínsecas ao campo arquitetônico. Pode-se discutir até que ponto determinada obra lida com essas noções, mas a própria maneira de lidar com elas é o que garante a capacidade de singularidade, de mudança, e de permanecer relevante da arquitetura. Esses termos são tratados de forma particularmente interessante na obra de Paulo Mendes da Rocha. Nos seus textos e falas o arquiteto expressa diversas vezes o entendimento do território americano como novo e recentemente ocupado, portanto com diversas possibilidades, porém com uma história marcada por acontecimentos e práticas desumanas. Seria assim nosso papel como arquitetos o de projetar a favor de outro sistema.
“Teremos que fundar nosso raciocínio na questão humanística da paz para engendrarmos nossos projetos, que serão realizações de antigos desejos, fundantes do gênero no universo. Trata-se de estabelecer territórios reconfigurados para que os altos ideais humanos se efetivem. É uma resistência contra a miséria.” (PMR, 1980)
A ideia da reestruturação de uma história, de uma personalidade e de um sonho articulado por um desenvolvimentismo técnico do território foi gerado pela apreensão da possibilidade natural, continental, da pré existência sul-americana. Ao projetar o Pavilhão de
Osaka por exemplo, Mendes da Rocha articula uma intersecção entre a possibilidade técnica gerada pela territorialidade, simbolizada pela topografia construída e constituidora da estrutura do pavilhão, em consonância com a grelha que dá cobertura e ideia de limite ou melhor, que marca a possibilidade de atenção àquele relevo, ao território; assinalando assim a possibilidade de atravessá-lo e usufruí-lo.
No projeto para o MuBE (1986-1995) essas relações são desenhadas de forma ainda mais intensa, já que o desenho do território é de fato um desenho do próprio lote, cujas diferenças de níveis naturais são articuladas de modo a criar uma topografia capaz de consolidar a sequência de espaços que compõem o museu. Isso só é possível, e mais uma vez fica clara a importância do entendimento territorial, pela própria interpretação do que deveria ser um Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia: PMR parte do princípio de que a ecologia coloca um problema de gênese, do que seria o desenho do jardim no Brasil, portanto o desenho do jardim num país colonial. Enquanto isso, o programa das esculturas deveria ser primordialmente composto pelas exposições, além de documentação e correspondência com as esculturas espalhadas pela cidade de São Paulo.
A implantação do museu parte desse plano, junto aos fatores urbanísticos de sua localização: na esquina da avenida Europa com a Rua Alemanha, num terreno com três metros e meio de declive e ao lado do Museu da Imagem e do Som, o projeto se configura pela marquise posicionada perpendicularmente à avenida Europa, com a praça e jardim em nível, colocando o acesso e programas mais técnicos na cota mais baixa. A construção é o terreno e o museu o próprio subsolo. A simplicidade e genialidade do projeto está justamente na sua profunda avaliação e interpretação de como deveria ser um Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia naquele lote específico, como deveria ser visto aquele espaço, tanto físico quanto imaterial.
(Entrevista com Zepa)
Assim como em Osaka, a cobertura é quem acentua a construção do terreno abaixo não só pela sua geometria, mas pela sua referência de escala. Com 60 metros de comprimento que percorrem quase todo o terreno, por 12 metros de largura e uma altura de 4,5m (deixando assim um pé direito de 2,5m) , suas dimensões voltam o olhar para o próprio lote, marcando seus espaços de permanência e circulação. Ela funciona como a escala de todo o projeto, determinante dos diferentes ambientes e capaz de configurar o espaço expositivo através das relações de áreas e pés direitos impostos por si mesma, gerando ambientes com características particulares, logo possibilitando usos diversos para o pavimento superior, como praça, teatro, e jardim.
Um dos croquis de PMR publicado na revista Projeto (183, pag. 39) apresenta justamente essa ideia de escala da marquise. Uma grande pedra no chão ou escultura é vista atrás das duas linhas suspensas que representam uma viga, mas cujo aspecto estrutural pouco importa. Sua função de régua, contudo, é extremamente necessária para o entendimento do tamanho dessa pedra no espaço, na sua relação com o espectador e do terreno como um todo. Podemos dizer que esse croqui retrata fielmente a inversão do papel da viga, que ao invés de sustentar estruturalmente uma laje, sustenta de modo simbólico o partido do museu. À esse respeito escreveu Sophia Telles:
“… então compreendemos que a extensa viga que atravessa, solta, todo o projeto, rigorosamente sem função estrutural, sustenta na verdade o que está embaixo – a superfície construída – e a mantém, se pudermos dizer assim, numa calma tensão, entre memória plana do antigo terreno (cujo declive acentuado era imperceptível antes do museu) e a sua reconstituição como um novo lugar.” (TELLES, 1990)