g_08: fábrica de cimento portland perus

Dentro de uma cidade cuja lógica espacial irradia-se a partir de um centro denso, dotado de infraestrutura e serviços, construído e reconstruído há mais de 400 anos, cujos limites são capazes de abranger grande parte das obras já canonizadas de arquitetura da cidade, e atendo-se ao enorme contingente populacional que mora distante de tal realidade, acreditamos que a ação de redescobrir a metrópole passa por revelar espaços menos corriqueiros para um grupo de estudantes de arquitetura da Rua General Jardim.

O grupo 8 selecionou como objeto de estudo a Fábrica de Cimento Portland Perus, que além de ter sido a primeira do segmento no Brasil, foi o palco da maior greve operária do país e suas instalações encontram-se abandonadas, servindo de cenário para partidas particulares de airsoft, uma modalidade de disputa de tiros, na qual são disparados projéteis esféricos de plástico com armas de pressão, uma atividade que tem causado diversas avarias na estrutura do edifício, indo contra o que se espera de um edifício tombado. Em diversos documentos oficiais de zoneamento aquele espaço é apresentado, inclusive, como uma área de proteção ambiental com promessas de tornar-se um parque devido a sua significativa massa de mata atlântica.

O impasse entre os usos não-tão-legalizados, a reivindicação daquele espaço pela comunidade, os rumores sobre a criminalidade e os interesses do proprietário transformou a estrutura numa fortaleza.

Ninguém entra. Ninguém passa.

Sua localização geográfica (numa mancha urbana descolada vinte quilômetros do centro da cidade) e topográfica (implantada de forma que mesmo do bairro é praticamente impossível visualizar o conjunto de edifícios), são fatores decisivos para a atual situação de esquecimento que se encontra a fábrica.

Ninguém vê. Ninguém fala.

A falta de conhecimento sobre o lugar dificulta a adesão aos movimentos de reapropriação daquele espaço por indivíduos que não sejam dos limites locais do distrito. Como forma de auxiliar na reversão dessa situação de forma provocativa através da criação de uma “molescola” para fazer o convite à reflexão:
– o quão longe precisamos necessariamente nos deslocar para fomentar discussões acerca de arquitetura e urbanismo?
– o que andamos negligenciando dentro dos limites de nosso próprio município?

    

Durante os levantamentos iniciais de possíveis localidades destacou-se uma breve notícia de jornal sobre uma fábrica abandonada em Perus. As escassas informações sobre o lugar foram suficientes para impulsionar a curiosidade do grupo em relação à tudo aquilo que a reportagem parecia estar deixando de lado. Com o desenvolvimento de pesquisas mais direcionadas, o local revelou-se não apenas como uma gigantesca espacialidade, mas também dotado de inúmeras qualidades histórias, naturais e sociais.
Na primeira visita ao local, apesar das várias consultas em mapas e análise de percursos possíveis entre a estação Perus da CPTM e a Fábrica, nos encontramos perdidos. Foi necessário o auxílio de um vendedor ambulante que assinalou uma passagem estreita e nada óbvia, sob a garantia de segurança de sermos um grupo, e alertando “mas lá é fechado, não dá pra entrar não”. Sem dúvida, é de conhecimento geral na comunidade que aquele é um lugar proibido.

O percurso causa muito estranhamento. Em momento algum na paisagem há qualquer sinal de estarmos próximos da estrutura industrial que esperávamos. Do largo da estação para uma viela, passando por um pátio de treinamento de motociclistas, seguindo numa estrada de chão batida, cujo limite visual é uma curva à esquerda, seguindo o curso d’água, acompanhados pelos trens partindo rumo à Jundiaí. Cumprida a curva, uma construção de tijolos do tamanho de uma casa, à direita, tomada pela vegetação da várzea, anuncia que estamos nos aproximando. Alguns minutos pra frente, finalmente, avistamos os grandes silos de cimento, sob o típico letreiro, da esperada fábrica, no topo de um talude de terra. Para tentarmos o acesso, seguimos numa espécie de corredor formado pelo refeitório e um barracão, fomos finalmente parados por um caseiro. “Não dá pra entrar não, não posso autorizar. Nem posso passar o telefone do responsável”.

Após a primeira série de negativas, no caminho para casa, o responsável cruza conosco. “O que vocês querem? Trabalho? Pra que vocês precisam entrar aí? Tá tudo no Google!”. Num golpe de sorte -e escondendo as conversas prévias com os movimentos sociais locais-, fomos permitidos no local.
Vinte metros à frente, rampa acima, enfim, emerge da topografia acidentada, possuída por um matagal insistente, a despeito das diversas tentativas de ocultação, um panorama completo da Fábrica e, ao mesmo tempo, a compreensão do por quê havia algo faltando naquela primeira reportagem sobre o assunto: apesar de qualquer esforço, nenhuma palavra seria capaz de traduzir com a veracidade necessária as sensações trazidas pela magnitude daquele espaço.

link para a publicação guia perus 2017

 

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Após o aprofundamento das questões históricas acerca da Fábrica, e com um panorama geral da atual situação -física e burocrática- das instalações, definiu-se que o produto a ser desenvolvido no âmbito do Estúdio Vertical é um material de divulgação impresso sobre o lugar, pois acreditamos que uma das razões do abandono é sua invisibilidade dentro da escala da cidade-metrópole, para além dos limites do bairro de Perus.

A publicação está sendo desenvolvida tendo as disputas atuais daquele território como eixos de abordagem, principalmente com base na baixa oferta de espaços públicos coletivos e de infraestrutura urbana exposta em um bairro com densidade elevada e de precários indicadores socioeconômicos, expandindo o foco de pesquisa para além dos limites da unidade industrial, entendendo que o futuro daquele espaço seguirá um de dois caminhos: influenciado pelo seu contexto, ou influenciador.

A partir dessa premissa, o trabalho é estruturado com uma apresentação inicial baseada nas entregas anteriores, seguido de um panorama do atual processo de intensificação do adensamento da região, através da construção de um conjunto habitacional dentro dos limites da fábrica, sob o zoneamento de ZEIS-2, que tende a reforçar a periferização da cidade e a pressionar ainda mais os precários sistemas de infraestrutura.

Como forma de contrapor essa pressão negativa, encontramos no próprio bairro uma tentativa de construção de um sistema cultural local, sustentado por mais de 40 coletivos e projetos  existentes nas imediações da fábrica e que, de alguma forma, reivindicam aquele espaço como uma potencialidade de espaço público e aberto, além de uma fonte de geração de emprego e renda, e essa será a terceira vertente explorada.

Na publicação também estarão inseridos trabalhos teóricos e projetuais já existentes para o local, como forma de exemplificar a abordagem acadêmica existente sobre o espaço da fábrica.

fabrica-aproximado2.pdf

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Na segunda fase do trabalho, a partir da definição do objeto de estudo como sendo a Fábrica de Cimento Portland de Perus, o trabalho concentrou-se no aprofundamento das questões apresentadas superficialmente na etapa anterior, buscando nas informações adquiridas um indicador das próximas abordagens.

Confirmou-se, então a tese de que a Fábrica é um elemento imprescindível para a história da construção do país, e, principalmente, da cidade de São Paulo. Além de ser a primeira unidade de produção de cimento em larga escala do Brasil, datando de 1926, a única concorrente – a Cimento Santa Rita, em Itapevi- instalou-se na região metropolitana de São Paulo apenas em 1957, portanto, é seguro afirmar que saiu, de Perus, o cimento para a construção de edifícios muito significativos, como a Biblioteca Mario de Andrade, além de grandes intervenções em escala urbana, como os viadutos da Av. Nove de Julho.

A localização da indústria é cirúrgica. O então vilarejo de Perus, estrategicamente implantado no meio do caminho entre São Paulo e Jundiaí, pouso de tropeiros desde o século XIX, ganhou, por motivo semelhante, em 1857, uma estação de trem da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí) cuja função era o reabastecimento de água das locomotivas. Desse ramal principal, surge a Estrada de Ferro Perus-Pirapora, em 1914, voltada a atender romeiros, mas sem nunca cumprir tal mote: implantada na várzea do Rio Juquery, fez-se a infraestrutura perfeita para trazer o calcário extraído das pedreiras de Cajamar até o entroncamento que, em breve, se tornaria a primeira fábrica de cimento do Brasil, uma iniciativa a principio canadense que passou seu comando ao polêmico J. J. Abdalla em meados da década de 1950.

É notável que durante esse período entre 1920 e 1950, no qual a população da cidade saltou de pouco menos de 600.000 hab para 5.200.000 hab, a fábrica de cimento chegou a atingir os incríveis 59% de produção do mercado nacional.

O complexo da vilas operárias contava dentro dos limites da fábrica, além da Vila Triangulo, ainda remanescente, com a Vila Portland e a Vila Nova, e, fora dos limites, com a Vila Inácio, a Vila Operária e a Vila Hungareza, essa ultima, operarios do ramo de sacaria em grande partes originarios do leste europeu. Essa variedade de núcleos formados em função da fábrica, somados aos dados que revelam a presença de 1.600 funcionários na empresa, nos indicam a vivacidade que aquele espaço pulsava durante seu auge. De acordo com familiares de funcionários, havia uma intensa relação afetiva com o lugar, inclusive, uma das perguntas comuns para os recém contratados especulava acerca de suas habilidades com o futebol. Essa riqueza de usos, que extrapolam o da exploração do trabalho, é um dos focos de interesses a serem mais estudados pelo grupo.

Portland Perus - Futebol

Com os primeiros anos de gestão de Abdalla, houve o aumento da produção (que foi triplicada) sem que melhorias nas instalações fossem providenciadas. Essa pressão para extrair a maior quantidade de lucro das mãos dos operários fez surgir ali uma das mais importantes forças do movimento operário brasileiro: os queixadas. S

eu nome advém da estratégia do porco selvagem de mesmo nome, que quando ameaçado busca seus companheiros e atacam em grupo. Tal organização estendeu-se para outras unidades sob o controle de J.J. Abdalla, e outras indústrias da região. Desde a primeira greve, em 1958, de 46 dias, nunca mais houve grande estabilidade para o patrão, que oscilou em períodos de maior ou menor pressão política. O movimento foi responsável pela maior greve do Brasil, com a duração de 7 anos e 4 meses de greve legal, em plena ditadura militar, durante os anos de 1969 a 1976. É notável também a participação ativa das mulheres dos operários, em manifestações e conversas com políticos.

Devido à problemas na gestão da fábrica, que foi tornando-se obsoleta sem os investimentos necessários para sua modernização, as instalações foram, aos poucos, sendo desativadas, até extinguirem suas atividades em 1986.

 

 

 

Esse histórico de lutas populares é presente ainda em Perus. Diversos movimentos fazem presença na região, principalemente reivindicando o espaço da Fábrica. Atualmente, o espaço da Escola de Samba está sendo utilizado também para projetos sociais de futebol e boxe. O espaço e sua demanda de ocupação remetem de forma muito interesante à operação realizada por Lina Bo Bardi no Sesc Pompéia: um espaço fabril paulistano que foi destrinchado pela arquiteta na década de 1970 de forma a ressignicar as máximas de trabalho e exploração intrínsecas àquele ambiente em potencialidades de ócio, lazer e cultura.

 

 

Na mesma década, em 1978, o grupo de Teatro União e Olho Vivo, formado no Centro Acadêmico da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, e característico teatro de periferia, reconhecido por recorrer a imagens e linguagens do folclore brasileiro para abordar temas de relevância social, criou a peça “Bumba, meu queixada”, que foi gravada em disco. Também nesse ano, foi lançado o filme “Os Queixadas”, narrando a trajetória dos operários grevistas.

Disco gravado com as canções da peça “Bumba, meu queixada”.

 

 

 

 

 

FÁBRICA DE CIMENTO PORTLAND PERUS

Inaugurada em 1926, às margens da estrada de ferro Perus-Pirapora (EFPP), no extremo noroeste da cidade de São Paulo, a primeira fábrica de cimento de grande porte do país foi responsável pela instalação de centenas de famílias na região, em sua maioria, migrantes. Sua produção foi responsável por abastecer obras tanto no estado de São Paulo, como para grandes projetos que demandavam cimento, por exemplo, a construção de Brasília, colocando a Fábrica como um ponto crucial para o desenvolvimento da arquitetura brasileira em seu momento de maior destaque.

O conjunto, tombado pelo CONPRESP em 1992, hoje encontra-se abandonado. Além da estrutura fabril, conta com uma vila operária – a Vila Triângulo –, uma Capela, e a estação Perus da CPTM. A indústria encerrou seu funcionamento na década de 1980, após uma importante greve de sete anos por parte de funcionários conhecidos como “Queixadas” que lutavam por melhores condições de trabalho do que aquelas oferecidas pelo industriário J. Abdalla, o “Mau Patrão”.

Com tantas disputas acerca do bairro de Perus – uma mudança no zoneamento que retira a condição de ZEIS para classificá-lo como zona mista; a tendência de instalação do CEAGESP; um projeto habitacional que pretende lançar 5 mil unidades sem a devida instalação de infra-estruturas necessárias em um bairro já carente das mesmas; a estrutura da fabrica sendo usada para partida de paintball; a reserva indígena natural localizada ao lado que corre risco com a instalação de outras industrias e com o avanço da malha urbana– movimentos sociais formados por ex-funcionários, viúvas e moradores da região buscam salientar a necessidade de atenção que esse local merece, voltando seus esforços para a criação do “Parque A Luta dos Queixadas”, utilizando o local como um centro de memória, cultura, lazer e conhecimento, incluindo a instalação de uma universidade, além da recuperação do Ribeirão Perus e que seja sanada a demanda por infra-estrutura e serviços do bairro antes das grandes mudanças previstas para os próximos anos.

Numa abordagem visando “Reconhecer São Paulo”, tal cenário sublinha a importância do território como documento de memória tanto do patrimônio histórico material, como imaterial. A localização periférica, situada no limite entre a mancha urbana e a reserva de Mata Atlântica ao norte da cidade, trás uma série de ambigüidades nas possibilidades acerca do que é necessário ser mantido contra o que é necessário para o desenvolvimento local.

Mario Palhares @Flickr 2013

Foto: Arquivo Edgard Leuernroth – UNICAMP

Vila Triangulo ©Daniel Foggiato

 

REPRESA BILLINGS

O início da ocupação urbana do entorno da Represa Billings, no extremo sul de São Paulo, começa a datar na década de 1970, com a demarcação da região como sendo de valor estratégico ambiental. Tal classificação diminuía o potencial construtivo dos terrenos, consequentemente desvalorizando-os, e de forma contraditória, tornando a região uma possibilidade de instalação de loteamentos irregulares acessíveis para a faixa de população de menor renda, que chegava à cidade atraída pelas vagas de emprego abertas no então recente parque industrial da região metropolitana paulista, mas não estavam sendo providos de políticas habitacionais adequadas.

O caráter recreativo da represa também é tradicional. Na década de 1920, a área era reconhecida pela população paulistana como local de footing e voltado para a prática de esportes náuticos, sendo considerada um “oásis para os paulistanos”, inclusive ganhando uma linha de bondes elétricos para facilitar o acesso dos turistas.

Atualmente, diversas problemáticas e potencialidades sobrepõem-se. Na questão da necessidade de habitação de caráter social no extremo sul da cidade contra a agenda ambiental que deve ser aplicada para a manutenção do abastecimento de água, qualquer posição pragmática deve ser evitada. A descontinuidade espacial da mancha ocupada com o centro expandido também pede cautela. No caminho da resolução desses impasses, pode-se afirmar que é necessário entender a posição da represa no imaginário da população local, considerando a heterogeneidade de usos das margens de acordo com os diferentes perfis socioeconômicos que habitam a região.

Foto: Entre o Céu e a Água

1962. Foto: Entre o Céu e a Água

 

 

 

 

 

 

1986. Foto: Entre o Céu e a Água

2010. Foto: Entre o Céu e a Água

 

 

 

 

 

 

DE ONDE VÊM AS COISAS?

Dentro de uma proposta de “reconhecer São Paulo” é importante considerar um aspecto que determina grande parte dos movimentos da vida paulistana e sua consequente materialização na malha urbana: A economia. Afinal, somos o município que movimenta o maior PIB do país. De acordo com dados do IBGE de 2013, 69% desse valor é proveniente de serviços. Seguido de 29% das indústrias e 2% da agricultura. Ao mesmo tempo, é muito comum no cotidiano o deslocamento casa-trabalho, trabalho-casa. Cada vez mais o consumidor procura se distanciar do contato direto com prestadores de serviços e opta por atendimentos automatizados. Uber eats, boom de petshops online, migração de empresas como extra e casas Bahia para o setor digital são alguns exemplos desse movimento.

Nossa proposta é reaproximar o consumidor do processo de produção e logística do seu produto. Você já se perguntou onde foi plantada a pêra que você come no café da manha? Ou por quantas pessoas contribuíram na montagem do seu celular? Como ele chegou até a loja?

A proposta metodológica consiste na análise do consumo de um indivíduo genérico da classe b durante um dia. A partir desse levantamento, iniciaremos um estudo aprofundado de objetos-chave e toda sua trajetória geográfica e seus impactos sociais até o seu destino final, nas mãos do consumidor.

Nesse sentido, buscamos entender uma questão importantíssima da do cotidiano da cidade que é propositalmente omitida. Com isso, provocar um olhar crítico sobre grandes fluxos comerciais noturnos ou sobre espaços industriais que são “terra de ninguém” e compreender sua relevância para a estruturação da metrópole como um todo.