O cotidiano pode ser compreendido como ritmo que rege o dia a dia. É o conjunto de movimentos que compõe os dias de cada indivíduo e é também, portanto, diferente para cada pessoa e em cada lugar em que elas se encontram.
Quando em conjunto, o cotidiano das pessoas passa despercebido. As particularidades de cada um nos espaços públicos dificilmente são reconhecidas, tanto por estarem diluídas em meio a tantos outros cotidianos quanto por não estarem onde não se sentem tão à vontade, ou seja, fora de casa.
Diferentemente dos espaços públicos, em casa, as particularidades de cada cotidianidade tornam-se aparentes. É dentro de casa, fora da vista alheia, que a vida cotidiana ganha privacidade e as pessoas realizam atividades cotidianas íntimas, relativas a sua vida particular.
A interface entre essa vida particular e o espaço público é feita através das janelas. Estas são, assim, como vitrines da vida cotidiana de cada residência. Ainda que discretamente, as janelas podem revelar sobre o espaço interno da casa para o exterior e representam, em conjunto, variação e identidade numa malha regular regrada pela arquitetura.
Nas grandes metrópoles, os edifícios são o vetor vertical do cotidiano urbano, resultado do empilhamento do habitar, trabalhar, etc. Esse agrupamento de cotidianos permite dispor os habitantes da cidade em um espaço menor, mas também serve para diminuir a interface realizada pelas janelas. Quanto mais alto é o apartamento, mais indireta é a relação desse apartamento com a rua. Sendo assim, é possível encontrar espaços de privacidade nas mais movimentadas ruas e avenidas.
O Elevado Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão, é o exemplo paulistano de cotidiano exposto e casa como vitrine. Construído em 1971 com o intuito de multiplicar a capacidade viária da região, estabelece uma conexão de 3,5 km unindo as regiões leste e oeste na cidade. O alargamento da rua para cima fez com que os primeiros andares dos prédios do entorno fossem diretamente afetados pela obra. Os moradores dos primeiros andares dos edifícios da região viram-se, então, em uma condição urbana muito específica na qual a separação entre público e privado é mínima, de modo que suas casas transformaram-se em vitrines para essa nova via elevada.
entrega III
A perspectiva ilustrativa desenhada em um cartaz que propagandeava a construção e concepção do elevado durante a ditadura militar não continha o desenho dos prédios que compunham o seu entorno. A estrutura pré-moldada de concreto protendido, a maior da américa latina (sic), estava fortemente destacada, enquanto o entorno compunha uma cidade genérica, fraca e distante.
A cidade que se desenrola em seu entorno, no entanto, é muito específica, presente e indiscutivelmente próxima da estrutura viária elevada que lhe foi imposta. Quase cinquenta anos depois de sua concepção, o elevado é __________.
Através da observação de relações espontâneas de adaptação dos moradores ao que lhes é imposto – uma via elevada de circulação em momentos diferentes tanto de automóveis como de pessoas – o trabalho procura abordar, através da ficção, futuros distópicos para o minhocão.
Este livro se divide em duas partes, uma parte real e uma parte ficcional. Na primeira será colocado um olhar externo através de fotos e categorizações – do minhocão para as janelas, a relação que se dá pelo lado de fora, na via – e um olhar interno – a voz dos moradores através de entrevistas e fotos internas, a janela que olha o elevado. Na segunda parte a discussão sobre os possíveis futuros do minhocão, a ficção que procura extrapolar o real, buscando tanto um olhar externo com colagens, quanto um olhar interno através de contos que tocam no que há de mais humano no minhocão.
QUARTA ENTREGA APRESENTAÇÃO
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