Nosso ponto de partida para a discussão do tema cotidiano foi o projeto desenvolvido semestre passado (http://ev.escoladacidade.org/portfolio/2356/) na Escola Estadual José Barreto, situada em Cotia, bairro do Morro Grande, e as respostas, tanto positivas quanto questionadoras, da apresentação do projeto para sua coordenadora e um grupo de professores mais interessados e envolvidos, além das questões pontuais arquitetônicas levantadas na banca do EV e orientações em estúdio.
Baseamos nosso desenho nas informações do local, que são enriquecidas a cada nova pesquisa, conversa ou visita. Naquilo que entendemos como o sonho dos alunos para uma possível escola futura, das dinâmicas e conversas que com eles tivemos. E na nova pedagogia que pretende-se implementar nessa escola.
Além da relação direta com o tema; estarmos projetando o espaço de vivencia diária de todos esses alunos e professores; visamos esse semestre buscar entender as relações de vivência daquele espaço a partir de camadas históricas. Desvincular a memória do que foi, daquilo que atualmente se dá. Para com isso fortalecer, e possivelmente rever, nossas decisões projetuais.
O local de intervenção escolhido para o Estúdio Vertical é a Escola Estadual Professor José Barreto localizado no município de Cotia – SP. A decisão desse espaço, em especial, é a continuação do trabalho iniciado no primeiro semestre da mesma disciplina que se transformou em objeto de estudo de um trabalho de conclusão. A persistência no tema é justificada com o entendimento de que a reserva florestal do Morro Grande e os elementos que a compõe como a Vila Sabesp e a estação de tratamento, as casas do entorno e pela própria escola são um conjunto com um grande potencial a ser explorado.
O contato com o cotidiano dos alunos e professores foi essencial nessa etapa, onde conseguimos enxergar através de observações do dia-a-dia, atividades realizadas com os alunos, depoimentos de professores e o levantamento da história da escola, o que é necessário para configurar um espaço de educação qualificado que funcione de subsídio para um aprendizado libertador.
A intervenção pretende modificar a relação do estudante com o espaço físico por meio da arquitetura, ao possibilitar uma condição agradável, livre de suas originais grades, que incentive a frequencia espontânea do aluno. E ao mesmo tempo contar a história dessa vila e dessas pessoas através da memória e preservação do antigo prédio e das 4 casas anexadas ao complexo dando um novo significado.
O projeto modifica a tipologia de uso das 4 casinhas transformando-as em salões de aula que serão responsáveis pelo período de aprender. O antigo prédio da escola também sofre uma modificação interna, originando um pavilhão que contemplará as atividades lúdicas e recreativas além de configurar um recinto apropriado para os intervalos já que foi observado a demanda de um local para o tempo livre. Os programas atribuídos nesse novo espaço são cozinha, sala de artes, banheiros, pátio multi uso, horta. Além disso, esse pavilhão funcionara como um apoio para comunidade que é carente de um espaço de lazer na região para realização de eventos e festas. Os muros de arrimo, construção mais antiga do complexo, são mantidos e destacados com as conexões entre o pavilhão e as casinhas feitas sobre eles.
“Comecemos pelas escolas, se alguma coisa deve ser feita
para ‘reformar os homens’, a primeira coisa é ‘formá-los.”
Lina Bo Bardi.
Considerando a situação nas escolas públicas paulistas, resolvemos adotar o tema Educação como foco da nossa discussão. O modelo de escola que temos repetido ao longo dos anos está ultrapassado, tanto em termos de metodologia, como de arquitetura. Escolhemos então a Escola Estadual Professor José Barreto, que atende cerca de 360 alunos do ensino fundamental e médio, se encontra em Cotia, dentro da Reserva Florestal do Morro Grande¹, ao lado da Estação de Tratamento de água Alto Cotia. Essa, administrada pela Sabesp, foi construída em 1916 juntamente com uma Vila para os funcionários da empresa, com cerca de 50 casas, Igreja, grêmio, campo de futebol, praças, e a própria escola José Barreto. Hoje, a vila encontra-se abandonada e sem fiscalização, e a única preocupação da Sabesp é com a qualidade da água, que continua sendo a melhor fonte de abastecimento da Capital Paulista.
Na leitura do lugar constatamos que, apesar de fazer parte da Reserva, a escola não tira nenhum proveito dessa relação direta com a natureza. Como tantas outras escolas públicas, a escola é totalmente gradeada, dentro desses muros não há nenhuma qualidade espacial, as salas são apertadas, a área comum coberta é pouco mais do que um corredor de circulação e o pátio descoberto é o resíduo entre quadra e salas de aula. O único ‘vizinho’ da escola é um conjunto de oito casas, que fazem parte da vila Sabesp, que apesar de não serem tombadas, têm um valor patrimonial histórico, mas estão em situação de completo abandono e representam um risco tanto para a comunidade quanto para os estudantes da escola, já que o espaço delas é utilizado para todo o tipo de ação ilícita.
Sobre a metodologia de ensino, descobrimos que há uma nova abordagem pedagógica que busca substituir o ensino pela aprendizagem. O curriculum obrigatório deixa de ser o ponto de partida e transforma-se no ponto de chegada; os alunos, apoiados por tutores, formam grupos de estudo que fazem suas pesquisas conforme seus interesses, e têm uma série de atividades dentro e fora da escola. Esta nova proposta, chamada de Comunidades de Aprendizagem, tem mostrado excelentes resultados através do Projeto Âncora², com a ressignificação proposta aqui se tem a oportunidade de se aplicar essa metodologia pela primeira vez numa escola pública do estado de São Paulo.
A implicação decorrente dessa mudança é a divisão da escola em três fases de desenvolvimento, em vez de séries, portanto no lugar de seis salas de aula, como a escola é hoje dividida, são necessários três grandes salões de estudo. Além disso, a escola carece de mais espaço de lazer e desenvolvimento de novas atividades, por isso ampliamos seus limites incorporando o galpão localizado do outro lado da rua da escola, as casas que estão abandonadas da vila Sabesp, e a mata contígua. Por fim, a escola se estende para a comunidade, apropriando-se de espaços educadores do bairro, que podem ser desde a rua, até o mercado; como retorno para os moradores da região, a escola se abre, seja para o uso da biblioteca, cursos, atividades dos alunos em conjunto com seus familiares, ou para celebrar festividades.
Entre o terreno atual da escola e o antigo conjunto de casas há um desnível de 6m, que é separado por um muro de arrimo de pedra que também serve como muro da escola. A topografia original dessa região se deu, com o passar do tempo, pelos terraceamentos, criação de platôs, e com a construção de muros de arrimo para contenção de terra. Identificamos esses arrimos como os protagonistas da paisagem desse lugar.
A Vila Sabesp, por conta do processo de aceleração urbana, está sendo destruída, para a sua preservação essa precisa ser entendida em seu conjunto de unidade, com suas vielas, casas, igreja, escola, Estação de Tratamento etc. Partindo desse pressuposto, decidimos restaurar as oito casas vizinhas à escola que estão em situação de abandono, e a própria escola atual. Com essa ação transferimos os salões de estudo para o conjunto de casas e as unimos através de uma delicada marquise. No processo de conversão, manteremos as fachadas, retiraremos as coberturas, que apresentam sérios problemas estruturais, e demoliremos grande parte das paredes internas; para manter a memória dessas construções, serão mantidas as marcas das paredes no chão. Igualmente serão tratadas as paredes internas da escola, essas serão demolidas para dar lugar a um pavilhão de múltiplo uso, que trará a possibilidade para que a comunidade e os estudantes tenham acesso à arte, além de um espaço coberto de qualidade com cantina e cozinha abertas, refeitório e banheiros. Para ter máximo proveito da antiga escola e criação de novas espacialidades, a cobertura não se prende à antiga volumetria e avança até o muro de arrimo, pousando nesse, ressignificando assim o espaço entre a fachada sul da escola e o muro. Nessa fachada se encontram quatro arcos, dois quais dois estão tampados e o restante está gradeado, com isso, esses perderam a importância de ser o elemento de ligação entre a escola e o pátio. Com a nova cobertura, esses arcos recuperam sua magnitude e são transformados em mais uma área de proveito para a escola, além de ser a chegada da rampa de ligação entre as antigas casas e o pavilhão. Já a fachada norte é preservada e relembrada como a entrada original da escola. A rampa margeando o arrimo como uma promenade que liga os dois níveis da nova escola, tem como intenção o contato direto com o território, explorando a textura e materialidade das pedras que conformam esse muro. Tem sua estrutura grampeada no muro, respeitando assim sua relevância.
Ao lado do Pavilhão, com a transferência da quadra para onde se tinha o galpão em ruínas, ganharemos uma enorme área plana, situação rara na região. Nesse platô implantaremos uma área arborizada com bancos e será usada para ações educativas ao ar livre e além do usufruto de toda comunidade durante o contra turno e aos finais de semana. A nova quadra é construída onde antes ficava o galpão, seus programas funcionam como barreira e proteção, fazendo com que assim não seja necessária a construção de muros. O restante do platô da quadra é destinado para a horta, que servirá tanto como local de estudo e aprendizagem da escola, como forma de abastecimento para as famílias mais necessitadas da comunidade.
Buscamos nos aproximar da reserva florestal e da sua conservação durante o processo de projetual de todo o conjunto, além disso, houve a preocupação com a utilização de mão de obra local, então as novas estruturas, tanto das casas, quanto do pavilhão e da quadra, são metálicas, que para o dimensionamento do projeto são mais baratas e de maior facilidade de manutenção. Por causa dos grandes vãos do projeto, as peças das estruturas são divididas para que o transporte e a montagem in loco seja mais eficiente.
Com essas ações almejamos realizar não apenas os sonhos desses alunos de ter acesso a uma escola com mais atividades, mas também transformar essa escola-gaiola num grande par de asas que façam não só os alunos, mas como toda sua comunidade, voarem.
“Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.
Escolas gaiolas prendem e escolas asas ensinam a voar”.
Rubem Alves
(1) A segunda maior floresta urbana tropical do mundo está integralmente na cidade de Cotia, formando um corredor ecológico até o Paraná através da Serra do Mar. Área tombada pelo Condephaat e reconhecida pela UNESCO como patrimônio da Humanidade.
(2) O Projeto Âncora é uma Associação Civil de Assistência Social que completou 20 anos em 2015, que já beneficiou mais de seis mil crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Hoje, além da escola integral de ensino infantil, fundamental I e II, oferece oficina de artes, cultura e esporte e consultoria para escolas que querem adotar o sistema Comunidade de Aprendizagem.
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