Considerando o processo de criação de um imaginário para São Paulo, a comida de rua estabelece uma conexão direta com a cidade, apropriando-se das dinâmicas urbanas para se estabelecer no espaço público, ressignificando-o. O aspecto itinerante do carrinho, permite que ele escolha ocupar um lugar em função das dinâmicas sociais e espaciais ali já estabelecidas, tornando-se fruto direto do meio urbano em que se insere. Frequentemente instala-se em espaços residuais e de passagem, que embora carreguem as características de um “não-lugar”, são fortemente habitados, possuindo uma vida ativa. O local em que se coloca não costuma ser o ponto final de ninguém, mas quando ocupado pelo comércio ambulante deixa de ser passagem e vira parada, lugar. Revela então dinâmicas urbanas pré-existentes e cria novos pontos e relações, colocando-se como passagem e ao mesmo tempo, lugar de permanência.
As relações intrínsecas ao comércio alimentício sobre rodas transcendem os aspectos práticos do ato de cozinhar sem uma cozinha formal. Chama também a atenção os vínculos que a atividade cria ao colocar-se em contato direto com a rua. Quem é o vendor? Quem é o cliente? Como se dá essa relação com o entorno? Nesse sentido, coloca-se como parte de uma dinâmica do cotidiano, que envolve, por parte de quem passa e consome, o reconhecimento do carrinho já como parte de determinados espaços na cidade e sua inserção como elemento presente na rotina e hábitos dessas pessoas.
A comida de rua, diferente de mercados, bares e restaurantes, faz parte de um mercado informal. A não institucionalização do carrinho está enraizada em sua existência, uma vez que, quando legalmente registrados, os carrinhos passam a pagar por um espaço e tornam-se fixos. Em contrapartida, a não regulamentação resulta em uma falta de levantamento e informações sobre a real presença e alcance dos carrinhos no território, tornando o levantamento acerca de uma prática tão intrínseca a cidade insuficiente. Ainda que não considerada como parte do comércio formal, a comida de rua funciona sob regras internas fortemente estabelecidas, que permeiam variados contextos – embora tais contextos e espaços tenham aspectos diferentes e peculiaridades. Ou seja, trata-se de uma prática que percorre o território urbano e se desenrola em espaços que, embora particulares, figuram aspectos de uma dinâmica comum a todos.
Sendo assim, entendendo a forte dimensão simbólica e cultural que a comida de rua carrega, objetiva-se criar um registro da presença dessa atividade em um espaço específico, reconhecendo suas particularidades e identificando em algumas delas reflexões acerca do contexto em que ela está inserida – uma vez que pode sintetizar e revelar aspectos interessantes de elementos urbanos. O espaço identificado foi o encontro da Avenida São João com a Rua Timbiras, terreno que anteriormente era um posto de gasolina e atualmente configura-se como uma ponta de lote desocupada, tendo sido assim ocupado por uma série de carrinhos de rua e seus consumidores, no período das 18h às 23h. Além disso, definiu-se como metodologia de trabalho o registro coletivo e em campo desse local como forma de apreensão da totalidade do espaço, para então compreender suas dinâmicas particulares e levantar, a partir delas, narrativas que nos chamaram a atenção e que permitam entender estas outras dinâmicas. Um estudo de caso então, que não seleciona tal lugar como unidade representativa da totalidade da trama complexa da comida de rua em São Paulo, mas como uma documentação que permite criar reflexões ainda assim significativas.
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