G26 – Guarapiranga

Etapa 01

Quando foi proposto que fossem elencados três lugares da cidade para constituir um local de estudo para o estúdio vertical, foi um desejo do grupo que saíssemos da área central da cidade e das arquiteturas icônicas paulistas para focarmos na relação entre a água e a vida urbana na cidade que, ao nosso entendimento, é uma relação de negligência da cidade para o lazer urbano, e de negação das áreas de margem como locais de grande possibilidade de ação urbana. Partindo desse princípio, passamos a elencar uma série dessas situações e, num primeiro momento, adotamos a represa de Guarapiranga como um objeto de estudo que, por ter uma margem lindeira à uma sequência de situações diversas, poderia nos fornecer três recortes de situações que viriam a ser áreas de estudo.

A Guarapiranga, localizada na Zona Sul de São Paulo, configura uma área de diversos conflitos de ordem política, ecológica e social. A represa, que desde 1928 é responsável pelo abastecimento de parte da capital, foi construída artificialmente pela Compania Light no começo dos anos 10. Percebendo o seu potencial recreativo, a companhia instalou linhas de bonde que faziam a conexão da represa com a cidade. Porém, na década de 40, com o início do desenvolvimento industrial da Zona Sul de São Paulo e com a falta de investimento em habitação social, as margens da represa começaram a ser ocupadas por trabalhadores, ao mesmo tempo que o setor privado começava a investir em grandes chácaras e loteamentos na região e após os anos 60, com as construções das marginais, as ocupações informais continuaram a crescer. A partir dos anos 70, o desenvolvimento industrial começou a ser colocado em pauta ao lado da recente promulgada lei de proteção dos mananciais, que inclui a Guarapiranga como território protegido. Com as margens da represa consideradas áreas de risco, as ocupações irregulares, já extremamente consolidadas, se tornam cada vez mais alvo de discussão pelo poder público.

       

Após um estudo através da foto aérea, concluímos que as áreas de acesso à água pela população, em geral, são restritas, limitando-se à alguns parques e beiras de areia. Pela diversidade de situações que a margem se estendia, decidimos que não seria possível em um momento preliminar como tal definir que lugar seria a base para um estudo ou um projeto, pois o momento não nos permitia ser específicos. A diversidade pedia por um mapeamento diverso, que tentasse entender qual é a relação entre situações tão diferentes, qual é a extensão dessas relações no espaço, quais são os percursos diários e quais eram as informações que podiam ser compreendidas desse lugar. Não decidimos por recortes físicos específicos, mas decidimos por Guarapiranga, pela melhor compreensão da área nessa fase, e por três recortes de situações que se apresentam para nortear nosso entendimento, são elas:

– as situações de acesso à água, e de acesso dos bairros do entorno ao centro, principalmente em relação à carência de uma estrutura de transporte hidroviário coletivo que atenda às necessidades da população local e a de seus deslocamentos, assim como uma plataforma de lazer e turismo para a cidade, que faz o caminho contrário;

– a apropriação das margens da represa por parte da população como local de lazer e de prática esportiva por meio de terrenos ociosos, bares e beiras de praia, que denuncia a inexistência de áreas públicas de fato na represa;

– a massiva presença de enormes lotes privados nas margens da represa que, a partir da década de 30 passaram a se constituir com o intuito de oferecer lazer náutico à alta classe paulista, restringindo boa parte do acesso à água, contrapondo-se às ocupações irregulares na região.

Pretende-se então analisar esses três aspectos levantados e, por meio da fase inicial do mapeamento, construir um estudo que caracterize a Guarapiranga em toda sua extensão de características para que, depois, seja possível estabelecer um diálogo entre este trabalho e a demanda do espaço.

Etapa 02

Partindo da vontade de entender a extensa margem da represa e suas diversas implicações, a primeira aproximação com a Guarapiranga se deu através de imagens de satélite, visitas, desenhos, fotografia. análise e mapeamento da borda. Utilizando como base teórica de pesquisa o livro “Apologia da deriva”, de Paola Berenstein Jacques, que trata dos conceitos de psicogeografia e deriva como formas de reconhecimento do espaço urbano, tivemos nessa aproximação um entendimento da borda como uma massa diversa em uso, porém restrita à alguns públicos fechados que não correspondem à uma vontade muito presente naquele espaço do espaço público com água.
Em nossa primeira incursão, num fim de semana nublado, andamos um trecho de um quilômetro junto a margem porem em grande parte do trajeto éramos mantidos separados da represa por barreiras físicas e psicológicas, de muros, grades e estabelecimentos que, ao se estabelecerem como intermédio entre o pedestre e a água, implicavam uma relação comercial entre o querer e o poder fazer uso da borda.
Na segunda, partimos do chão para a água em si. Com a ida ao Riviera, maior condomínio nas margens da represa, pudemos entender a relação da casa na margem da água, e da função da propriedade. As casas em grande maioria se encontram separadas da margem por uma rua, que dá acesso ao terreno lindeiro à ao espelho, que é garantido por uma concessão de duração de 99 anos da companhia Light para os proprietários das casas em margem no caso do condomínio. Partindo de caiaque de uma dessas casas, dividimos o espaço da represa com iates, barcos à velha e jet-skis que, com a melhora do tempo, faziam numero expressivo. Remamos até uma das quatro ilhas presentes na represa que, pela extensão do que apreendemos, se mantém como os únicos pedaços de terra sem dono e sem restrições de acesso na extensão das margens da Guarapiranga.

  

Retornamos ao parque mais uma vez, numa terceira aproximação e encontramos um cenário completamente diferente. O sol havia tornado a margem do parque, antes abandonada e isalubre, em uma praia de fato. Um número extenso de pessoas faziam uso da água para banho e, ignorando a quantidade de lixo que se encontrava na areia e na borda, saltavam para dentro da represa. O parque, por mais que pequeno, se encontrava lotado, enquanto as margens dos restaurantes que faziam a barreira imaginária se mantinham praticamente vazias. Seguimos para um terceiro objeto de estudo dos usos da margem, os clubes privados de iate, barco e de campo, e tivemos o acesso negado em todos os três que pretendíamos conhecer.

  

A partir dessas incursões e aproximações, junto à pesquisa, pudemos entender os níveis de permeabilidade da borda e suas tipologias de ocupação e, nesse primeiro momento, restou a impressão de que a represa é muito mais restrita e confinada do que parece, e que a idéia da “praia paulista” está longe de se concretizar de modo democrático.

 

Etapa 03

Havia um desejo do grupo de explorar as possibilidades das ilhas da represa, que apesar de terem acesso irresrrito, só podem ser acessadas por uma camada muito restrita da população. Em um primeiro momento, além de estudar mais a fundo as ocupações irregulares e favelas que se encontram perto das margens, nos debruçamos sobre as ilhas existentes na represa, calculando distâncias, medindo áreas e pensando nas possibilidades de conexão delas com as margens. Assim, nos vimos divididos entre duas possibilidades de intervenção: A primeira como uma serie de passarelas flutuantes que conectariam parte das margens entre si e com as ilhas de forma permanente, além de criar uma nova margem flutuante, acessível e livre, para os moradores da região. A segunda consistia em uma rede de balsas de lazer, que deslocariam a população às ilhas, criando uma nova possibilidade de lazer em um local antes inacessível.Nessa investigação, o grupo produziu uma série de desenhos e modelos tentando compreender o que seria essa intervenção, o que nos levou à uma especie de meio termo entre ambas. O projeto definitivo, à ser desenvolvido pelo grupo em diante, é uma serie de tipologias de flutuantes, que podem ser associados às margens criando novos espaços de lazer. Além de poderem ser rebocados por lanchas, levando massas de pessoas para outras situacoes e lugares ao longo da represa. Esses flutuantes englobariam situações de sombra, de piscina, de solário e de areia, e poderiam ser estruturados em associação formando grandes passagens e parques lineares.

Após o desenvolvimento do projeto e finalização do trabalho de deriva e pesquisa que vem sendo desenvolvido pelo grupo, iremos condensar o conhecinento adquirido e o material produzido em um caderno. Este caderno conterá textos, colagens, fotos, mapas e sobreposições, além de cortes, plantas e perspectivas que demonstrarão as tipologias de flutuantes, assim como suas possibilidades de associação através do território da represa. Criando esse grande espaço democrático de lazer náutico.

Etapa 4

Após realizarmos a proposta de projeto, voltamos à represa para mais uma aproximação. Nela, saímos de lancha do Clube de Campo São Paulo, e percorremos quase toda a extensão da Guarapiranga. Ao cruzarmos o Rodoanel, avistamos diversos grupos se apropriando de uma margem inocupada, tomando sol, nadando e cozinhando. O resto das margens percorridas se encontrava vazias, com exceção do Parque Praia do Sol, que, assim como na última aproximação, configurava uma situação de praia, e as ilhas, utilizadas por diversos banhistas para atividades de lazer. Ficou evidente para o grupo que os lotes privados, que ocupam um volume expressivo da margem, são subutilizados, uma vez que o acesso a eles é restrito à uma parcela privilegiada da população.

                      

Nesta etapa final da pesquisa, deixamos para um momento posterior o projeto apresentado acima, a fim de focar na produção da publicação. O livro, de aproximadamente 100 páginas, traz retratos fotográficos de nossas idas à represa, relatos escritos de nossas impressões junto aos mapas produzidos ao longo da pesquisa.