1ª Etapa
antes de tudo, é necessário pontuar a percepção do grupo sobre os conceitos e adição e subtração. julgamos que o tema escolhido se enquadra muito mais como um ideário de ações contemporâneas de quem pensa e age sobre a cidade do século XXI, a cidade estabelecida, se propondo a lidar com os espaços e circunstancias pré estabelecidas. o caminho escolhido foi justamente entender a matéria pré existente que apresenta da forma mais nítida possível os processos de constante ação e subtração. a passagem do tempo estampada na matéria.
ruína.
ruína abriga o tempo de uma cidade
absorve elementos da cidade no seu próprio tempo
buraco negro
desloca elementos da cidade para sua dimensão
subtração de um contexto urbano pela imersão do espaço-conceito específico
adição pela vivência pessoal por depositar sua experiência e fabulações próprias
etapa I. análise. PROCESSO EXPERIMENTAL
destrinchar ruína. torná-la nua, um corpo avesso.
compor o espaço sem estar nele através de objetos coletados
com a intenção de trazer o edifício para outro espaço/tempo
conceituação.
signo estático (espaço; hospital, casarão, prédio) — suporte para passagem do tempo.
procura por uma similaridade de espaço a partir do conceito ruína.
dentro disso, o endereço perde o sentido.
dentro desse discurso e dessa vivência, constroem-se pontes invisíveis que sinalizam esses portais.
os elementos espaciais são comuns.
vivência do corpo e do olho.
poço do olho.
olho do poço.
2ª Etapa
dada a incessante pesquisa por ruínas e as consequentes tentivas de invasão, escolhemos um espaço completamente inserido no percurso urbano da área central de são paulo, o largo da memória. aparentemente o espaço destoa completamente do arquétipo de ruína que estávamos tendo contato, onde o sublime, o ocultismo, a mediunidade, a deterioração material explícita, a não inserção no circuito urbano eram características que compunham esse agrupamento das pesquisas iniciais.
O largo da memória representa uma demarcação territorial-geográfica de um tempo específico da cidade de são paulo. Nos primeiros tempos da cidade esse ponto representava um entreposto de entrada por conta de uma fonte d’água, onde viajantes se reestabeleciam dos respectivos percursos. Tão emblemático enquanto ponto cartográfico, a fonte do largo da memória recebe do Estado uma formalização material. É construído um chafariz.
pequena cidade tomada pelo vigor econômico e consequentemente populacional. dentro de um curto período de tempo passou por grandes mudanças físicas, a cidade se reestabelecia a partir das novas dinâmicas econômicas e culturais, sobretudo. nisso, dada a proporção da urbe e suas novas demandas uma série de espaços se viram ressignificados, relocados, esquecidos, reinterpretados.
foi o caso da ladeira da memória. com o passar do tempo, o espaço perdeu sua função primária de pouso, passando a simplesmente carregar suas camadas históricas, como um documento concreto, mas sendo um objeto sem função prática, de acordo com sua concepção
a água, que regia a lógica do monumento, já não se faz mais presente. a fonte seca, abastecida apenas pelo vazio e por resíduos humanos, assiste o caráter passageiro do local onde está instalada. por mais que recentemente restaurada sua presença na cidade se mostra cada vez mais substituída.
nossa pesquisa se direciona agora a entender essa ruína, grande narradora da histórica da cidade, no plano contemporâneo de são paulo. a partir dos elementos que compõe historicamente sua presença material no espaço, desejamos transpor aquela situação do monumento para uma existência ativa e pertencente ao presente da cidade, como um portal que resgata justamente sua força originária.
reorganização de seus elementos fundadores
potência
uma nova lógica, entendendo seu espaço específico e sua presença e pertinência nas dinâmicas atuais da cidade.
3ª Etapa
as verdades históricas de são paulo materializadas em monumentos e momentos de cidade perdem-se no plano contemporâneo. nossa metrópole, historicamente voraz por se pautar por parâmetros de outras importantes cidades ao redor do mundo, acaba que por avassalar grande parte de lugares emblemáticos para a urbe. apesar de existirem, tem pouquíssima relevância para as dinâmicas da cidade contemporânea, vivendo hoje um estado de ruína, de esquecimento, deterioração e indiferença.
Nada mais importante do que os mitos, os lugares simbólicos, os portais temporais que uma cidade abarca. conviver com e saber o valor de cada um desses espaços no plano atual é imprescindível para uma real noção dos porquês e dos meios de como a cidade se funda e se estabelece.
a ladeira da memória, por exemplo, é um lugar ultra-emblemático para são paulo em seus primórdios. durante muito tempo, além de funcionar realmente como um portal de entrada, dava lugar a uma fonte d’água, onde justamente os viajantes vindos da antiga estrada sorocabana pousavam no entretempo de seus caminhos. Fonte essa que foi formalizada pela prefeitura municipal em 1814, sendo o primeiro monumento da cidade. a partir de uma leitura simbológica, numa lógica de afirmação de espaços a partir de uma força de estado, o projeto conta com o falo do estado, um obelisco, em um contraponto a fonte, uterina, que abarca a água.
além de levar em consideração a composição espacial da ladeira da memória para nossa análise intervenção, muito se baseia em seu estado atual de existência. o único líquido que a fonte abarca é dejeto. em contradição, o monumento se camufla no contexto onde se insere. a matéria que funda esse espaço específico, a água, está distante física simbolicamente.
nosso interesse de intervenção caminha na direção de suscitar o debate da água como elemento primordial do espaço, de entender novas possibilidades de como o monumento pode se relacionar com a cidade de um modo contemporâneo, de como podemos contrapor a materialidade imposta pelo estado a partir de intervenções instalativas.
os lambe-lambes foram todos colados em grandes quantidades ao redor do largo da memória.
nossa produção gráfica teve como mote a possibilidade de criar uma outra disposição das pessoas que passam pela ladeira da memória. o material convidava os transeuntes a participar de atividades que envolvessem água abundante e limpa, situação distante e completamente não-real comparada a situação da ladeira atualmente.
é a partir de uma tentativa de ruído entre informação criada e realidade que enxergamos a possibilidade de um foco de atenção e estranheza para o espaço em questão.
link de acesso para o vídeo_https://www.youtube.com/watch?v=amIw6UHxlEY&feature=youtu.be
link de acesso para o vídeo da instalação_https://www.youtube.com/watch?v=qfEfIcon7O4
4ª Etapa
link de acesso ao site do processo_www.voltadamemoria.hotglue.me
a geografia construída de são paulo, das ruas, monólitos, torres e vazios pode parecer opressiva em relação à natureza original da cidade.
mas é simplista demais achar que nossa urbe é construída de modo asséptico, no sentido de se debruçar impermeável sobre uma natureza primária. a força original do espaço específico pode ser retardada pelo concreto que se ergue e restringe o que é poroso, mas seu movimento de existência continua. a natura não é cortada pela raiz, não foi abortada. sua existência é contínua. visto isso, é quase uma verdade obvia que a matéria se adequaria, mesmo que de forma torta às novas situações que viriam a existir ao redor.
alguns espaços, ironicamente, mesmo com a cidade crescida, mantém certa força-forma de espacialidades que remetem à sua condição primeira. e essa peculiaridade é presente em um lugar primordial do nosso trabalho. uma das nascentes do rio saracura, próxima ao cruzamento da rua rocha com a rua doutor seng, no bairro da bela vista.
no fim de uma rua sem saída, de cara para um alto muro de arrimo. da cota da rua, como um altar, ergue-se um novo plano, dando acesso aos apartamentos térreos dos dois edifícios que conformam a viela. nesse novo plano, existe uma grande jardineira central, que abriga desde plantas rasteiras até árvores de grande porte, compondo um cenário realmente análogo ao de uma mata ciliar. o que ainda mais traz a imagem dessa idéia é a verdura do musgo iminente do piso, o cheiro da umidade, e o próprio barulho de água, que ecoa pelos bueiros. o sol que é filtrado pela situação do lugar, completa e acusa: aqui nasce rio.
saracura é nome de ave que nasce em pântano e tem suas patas largas para por lá viver. Saracura também é nome de rio que desce da grande coluna paulistana, limpando a encosta até chegar no ribeirão do anhangabaú.
hoje não se encherga e tampouco se molha em seu leito. Saracura corre encosta a baixo cerceado por margens de efemeridade questionável, em relação às margens do passado. Mas saracura desce potente e musical. os únicos poros pretos e planejados, numa contramão do sentido original, comportam-se como reais megafones, que amplificam o som do movimento d’água. servem também, nos dias em que água de céu soma-se a água da terra, como portas circulares para os que surpreendentemente nadam no subterrâneo conhecerem o asfalto pesado e quente, em banho. é o que contam os ribeirinhos da rua rocha – o adjetivo cabe, uma vez que o povo que ali mora, em grande parte, estrutura-se materialmente mexendo com o elemento água, em pequenas variações sobre esse mesmo tema.
o caminho de estende até a grande via, abarcadora também de outras paulistanas águas. a distância entre a cidade e a água aumenta. a volumetria da pedra, concreto, dos edifícios que margeiam a avenida, em interessante contraponto, assinala a morfologia de um grande vale, que vai buscar um ainda maior, mais para frente. é visível, rio. mas a relação se distancia bruscamente. Mas a relação volta a existir, condicionada por uma pequena reentrância na malha-mata mais densa do que a da 9 de julho.
olho para a ladeira da memória.
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sobre o que sobra da história mas que não cumpre sua função histórica. não tratar a situação de forma pejorativa. é apenas uma fonte reinventada, de águas novas.
um grande largo com um passado de sobra, mas que hoje reflete apenas o tempo que passou pela matéria, o uso que se descaracteriza por ter ar de cenário e não de objeto urbano. um monumento não necessariamente é obsoleto, ainda mais quando tratamos dos que abarcam água.
a fonte de hoje está seca de água potável. o único liquido ali presente é dejeto e fins da flora urbana que cobre a área. entender a beleza de um espaço d’água, que agrega pessoas mesmo sem a água. os níveis da ladeira são ocupados por indivíduos que ali dormem, passeiam, descansam. num compasso muito contemplativo e individual, dada a enxurrada diária de pessoas que atravessa o largo por conta da estação de metro, ou por causa duas ruas que pedem a ligação que a ladeira faz. é uma pausa em movimento, em que é possível enxergar toda dinâmica no corpo na matéria em suspensão, de gestos pequenos e pontuais. o corpo se apóia e se relaciona com a memória num sentido a evocar o presente. muito mais do que um monumento, nesse caso a grande escadaria serve como mobiliário. A memória se instala invisível no espaço, como um preenchimento do grande vazio que existe ali.
tendo seu passado invisível, o presente se apodera materialmente do lugar de uma nova maneira. como um monumento que se esfacela perante a história de uma cidade, que perde seu vinculo com a população que ativa o espaço cotidianamente, este está livre para as demais apropriações pelo corpo que transita. é interessantíssimo perceber o grande desbunde dos corpos que lá chegam e efetivamente usam o espaço. não há sinal claro do respeito arcaico ao monumento, a esses materialidades de formalização pelo estado/municipalidade.
depois do grande evento que ocupou as ruas da área central da cidade recentemente, o largo da memória ganhou novos grafismos. sua proporção muitas vezes nos dá a impressão de que não há ali corpo frente a matéria. é interessante ver como essa proporção diminui frente a uma ação dessas, de pixadores. as lacunas criadas entre a proposta monumental e a vida cotidiana parecem estar sendo cada vez mais estreitadas por esses processos não institucionais, gerando uma certa intimidade entre os corpos e o que é construído.
o corpo autônomo deve ser o agente principal para essa quebra de barreiras glorificadoras. os espaços que afastam devem ser trazidos para o mesmo chão do transeunte, não deve haver ruído entre um e outro. tornar a experiência de atravessar esses espaços orgânica e fluida, como a própria água.
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