Fabiana de Almeida Costa | Manoela Guelli Ambrósio | Marcella Frassinelli | Maria Luiza de Moraes Amaral Peixoto | Ricardo Kalil Cadaval
Subtema I – continuidade | adaptação
ETAPA 2
Introdução
O fim do mundo é um retrato apegado a uma ideia fixa de relação entre humanidade e natureza. Habitar a barriga do monstro não é um habitar coletivo e o fim do mundo não é o fim de tudo que conhecemos, mas sim de um ideal do homem como medida das coisas.
Com isso em mente, trabalhamos uma existência quase não notada. Uma existência extrema. São plantas que se encontram em cantos, pressionando continuamente o concreto para poderem crescer. Estão ou muito expostas ao sol, ou não recebem muita luz. Crescem numa continuidade forçada. Algumas adaptam-se em locais que não são de sua origem, são invasoras. Outras se desenvolvem onde não são desejadas pelo homem, e, em um atributo totalmente humano, são chamadas de plantas daninhas.
A existência dessa vegetação “escondida” é intensificada pelo fenômeno urbano da modernidade que confere à cidade uma nova cara. A vegetação é higienista e de lazer, ganhando um espaço muito específico na cidade, em boulevards, nas squares londrinas, entre outros, estando fechadas em parques ou praças. Escondido significa nossa incapacidade ou falta de vontade para ver que a humanidade está em contato com outras formas de vida e, até mesmo, de viver.
Se a cidade é a máxima da superação e controle do homem sobre a natureza, o que dizer da vegetação que cresce fora de seu lugar destinado Daquela que cresce no concreto, no chão, parede e teto? O que é a manutenção dos espaços, senão um impedimento do avanço da natureza ou do tempo natural?
Relato 1
17:21, terça-feira, 10/09/19
25ºC, céu limpo
Começamos nossa expedição pela calçada norte. Estava quente, e havia uma intensa presença de siriris em locais próximos de luz. Começamos olhando para o chão, contando quantas plantas tinham na calçada e tirando fotos para uma identificação póstuma.
Logo ficou claro que eram muitas plantas. Era realmente difícil contabilizá-las, pois elas não têm canteiros definidos e uma planta poderia muito bem ser considerada parte de uma outra. Assim, colocamos no mapa as plantas que têm maior divisão entre si e que conseguimos considerá-las uma unidade, seja formada por um amontoado de plantas ou por uma única.
Notamos que no início da General Jardim há uma menor presença das plantas no concreto. Ficamos pensando quais poderiam ser os motivos e chegamos a uma ideia: de que no início da rua há maior presença de bares e restaurantes que dependem da qualidade da calçada para colocarem as mesas de seus estabelecimentos, assim, é uma área que tem maior manutenção e consequentemente, menos plantas.
A área com mais plantas, é também a área que notamos menos cuidados com as calçadas. São os dois quarteirões antes do minhocão.
A quadra da praça destoou fortemente das outras, pelo fato de não termos encontrado nenhuma planta fora dos canteiros. Chegamos a conclusão que isso se deve ao fato da calçada da Rotary ser mantida pela prefeitura, tendo grande manutenção.
A maioria das plantas que catalogadas eram rasteiras, de pequeno porte e ficavam perto de canos no acostamento. Encontramos, no total, 8 plantas localizadas nas fachadas das construções, nas quais existem um possível acúmulo de umidade. Somente entre tais espécies que foi possível identificar alguns arbustos de porte mais elevado.
Foi curioso, pois começamos olhando apenas para o chão, mas logo mostrou-se ineficiente. Havia plantas no chão, parede e teto. Logo, cada um ficou responsável por olhar um plano.
Ficou faltando duas quadras para acabar o mapeamento da rua.
Relato 2
18:19, terça-feira, 01/10/19
22ºC, céu limpo
Entramos na calçada sul. O clima estava levemente abafado e a visibilidade bem ruim, desse modo, precisamos da lanterna dos celulares para enxergar melhor às plantas. O local em que andamos e procuramos eram as calçadas, de concreto.
Ali existem poucos canteiros, e quando existem são ocupados por árvores. As calçadas estão cheias de bitucas de cigarro e lacres de cervejas. Há mais lacres que plantas, mesmo contando as das frestas.
A primeira que encontramos era a maior planta das amostras: ela foi extremamente resistente à nossa retirada. A Mel usou um estilete, já que uma pá dificilmente caberia nessas frestas. O estilete foi retirando com dificuldade, havia algo duro lá que depois descobrimos ser uma pedra. Nos perguntamos se a pedra é uma peça vital para o seu tamanho, uma suposição que surge pois sabemos que certas plantas gostam do cálcio presente no cimento e concreto.
É importante dizer que havia uma outra planta, da mesma espécie que a primeira, e ela não era tão grande quanto a da pedra. Mas sua fresta também era menor.
A segunda planta que retiramos estava no limiar da calçada, numa fresta cheia de terra. Essa terra que remexemos era sólida, não parece que os sedimentos que a formaram tivessem tido tempo para se fragmentarem mais, se tornarem mais terra. E assim que colocamos o estilete, saíram muitas formigas. Não esperávamos encontrar ali uma colônia.
A extração foi difícil porque a segunda planta tinha uma raiz funda, era necessário cavar no meio do formigueiro para poder retirar a planta.
E conforme fazíamos isso, fomos abordados por um homem que deveria ter uns 30 a 40 anos, estava bem arrumado e descia de sua moto. Ele nos disse achar engraçado nossa posição ali na calçada, de cócoras. Ele perguntou o que fazíamos ali e explicamos nosso trabalho. Ele falou referências que não conseguimos pegar, e disse que queria ver o trabalho quando pronto. Ele é um ator da peça que está atualmente na Aliança Francesa. Depois se despediu e nos desejou boa sorte.
Depois disso, pegamos mais duas espécies: ambas pequenas, que saíram facilmente da terra. Uma estava em uma fresta no meio de cigarros. A outra estava do lado de lacres.
A terceira planta coletada tinha um longo caule, com poucas folhinhas. Teve que ser pega com o estilete, pois estava tão a fundo que não cabia nossos dedos. A quarta foi tirada facilmente com um papel.
Não levamos luvas. Tentamos tirar apenas com papéis, pois conforme falamos com o Sérgio, um amador no cuidado com plantas, descobrimos que essas plantas podem ser tóxicas em seu manuseio, seja por usarem água contaminada, estarem em um local com rejeitos tóxicos, enfim.
Com todas as plantas em nosso tupperware. Tiramos fotos das plantas, usando como escala tanto a bituca de cigarro quanto o lacre que achamos no chão. Pensamos que eles são os referenciais que encontramos na rua, enquanto olhamos para o chão. Assim, eles seriam também os nossos referenciais nas fotografias.
Por fim, colocamos as plantas na água, numeramos e colocamos em uma área com meio sol, para crescerem as raízes. Assim, as replantaremos.
Relato 3
18:00, segunda-feira, 7/10/19
18ºC, céu limpo
Saímos da Escola da Cidade em direção as duas quadras faltantes para o reconhecimento. O dia estava mais frio que das outras vezes. Caminhamos pela calçada sul. Já estava escurecendo quando chegamos no local de estudo, por isso fizemos uso da lanterna dos celulares em algumas situações para enxergar melhor as plantas. Normalmente isso se fazia necessário em calçadas com iluminação pública ruim.
Na calçada norte, não encontramos muitas espécimes, no entanto ficou evidente que qualquer rachadura no piso ou a junção de pedras portuguesas abriam margem para o surgimento de algumas plantas. Nos demais lugares praticamente não tinha nada que tivesse sido plantado voluntariamente pelo homem.
Deduzimos que isso se deve ao fato de estarmos no Higienópolis, um bairro nobre de São Paulo, onde a manutenção das calçadas era mais intensa que nas regiões mais próximas ao centro e, consequentemente, ao elevado.
Às 18:37 terminamos nosso percurso. Retornamos para a Escola, percebemos que uma das plantas catalogadas logo em frente a Fundação Escola de Sociologia e Política havia sido removida. Era uma samambaia invasora, originária da Ásia. Ela tem uma grande potencial de biorremediação, já que ela acumula arsênico em seus tecidos, removendo-o do solo. Esse é um contaminante de atividades de mineração e do uso de pesticidas, que pode causar câncer.
ETAPA 1
Com as modificações antrópicas no meio ambiente, vivemos em condições cada vez mais extremas no Planeta Terra.
1. A quais delas o trabalho proposto pretende se adaptar?
“O canto do asfalto é um deserto. No canto do asfalto vivem plantas que insistem. São especialistas limítrofes. Estão (n)a margem. No limite há luz demais, ou nenhuma. Quase não há água. Há choque, quebra, barreira. Mas o limite é sempre uma faixa, onde cabem todas as plantas especializadas em quase-nãos.” – ErvaSP
2. A que parte da experiência biológica a arquitetura proposta dá continuidade?
A arquitetura, seja qual for, permite uma continuidade natural de que “uma vida orgânica surja rasteira, ocupando rachaduras, buracos, vãos, ocupando milímetros que rapidamente se tornam centímetros e, se deixada lá, onde estão, seriam metros de uma existência sem fim que se multiplica como impressões únicas, mas similares.” – ErvaSP
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