ETAPA 01
1- Morro do Querosene
O Morro do Querosene, localizado no bairro e distrito do Butantã, na Zona Oeste de São Paulo, por ser um reduto de arte e cultura tradicional, revela-se como um espaço que pode ser reconhecido simbolicamente como representação da metrópole, uma vez que se incorpora aos diferentes cotidianos da população. Reconhecer São Paulo por meio desse espaço cultural que propõe transformações urbanas a partir de práticas que remetem a tradições, apresenta-se como fundamental para o entendimento da nossa cidade. Esse lugar marca a vida comunitária ao proporcionar uma aproximação com o espaço público estabelecida através das festas do Boi, organizadas pelo Grupo Cupuaçu, entre outras atividades da Associação Cultural do Morro do Querosene, associação esta criada pelos moradores. Assim, pretende-se, ao estudar o Morro do Querosene, entender as diversas camadas de interesse que estabelecem esse equilíbrio em sua dinâmica , paralelamente as contradições culturais e econômicas, e a reflexão da música e da cultura tradicional na conformação de seu espaço.
Fotomontagem festa do boi e o Morro do Querosene
2- Ilú Oba De Min
No cerne das asas e raízes da metrópole, reconhecê-la vai além de sua materialidade e é, dessa maneira, que a associação paulistana Ilú Oba De Min, com sede no bairro do Bom Retiro, absorve e ressignifica a cidade de São Paulo. Ao reverenciar e enaltecer a cultura africana, afro-brasileira e a mulher, cria-se novos espaços e traduções urbanas que relevam suas aspirações e experiências coletivas. Se reconhecer também é tomar o passado como ponto de partida, Ilú Oba De Min estimula a diversidade cultural e artística da população brasileira, por meio de movimentos de rua em blocos de carnaval, que, hoje em dia, ganham forças em cortejos carnavalescos que contam com a presença de 300 batuqueiras que concentram mais de 40mil pessoas. Assim, acolhe e se abre para pesquisas, oficinas, cursos e movimentos ativistas que se manifestam todos os dias como patrimônio imaterial nas casas, galpões, becos, viadutos e avenidas do bairro e da grande São Paulo.
Unir, reunir, resistir e revelar um novo viés.
Fotomontagem desfile do bloco Ilú Oba de Min
3- Vila Anglo Brasileira
A Vila Anglo concretizou sua forma urbana em 1927. Embora seu nome esteja vinculado à época em que os trabalhadores ingleses construíram diversas casas e fábricas na região, poucos deles se mudaram para lá, possibilitando que famílias brasileiras se estabelecessem por gerações nesse bairro. A escolha do grupo pelo estudo da Vila Anglo Brasileira está relacionada ao seu potencial cultural. A presença de um espaço coletivo que promove diversas atividades relacionadas a música e teatro em um antigo hospital do bairro, o Condomínio Cultural da Vila Anglo (“Condô”) e um grupo de dança com foco para a prática de Cavalo Marinho, o Boi da Garoa, compõe uma conformação espacial passível de transformações. Assim, a partir da cultura e da arte, possibilita-se a construção de um ambiente fluido, que envolve não só a população local, mas também de outros lugares da cidade, uma vez que passam a frequentar esses espaços. Dessa maneira, cria-se uma relação direta com o cotidiano da população da cidade, modificando a convivência no coletivo.
Apresentação do grupo Boi da Garoa na Vila Anglo Brasileira
ETAPA 02
“Extraña ciudad la mia,
aquí se dice que habitan
tres milliones de personas,
pero miro en la calle el trabajo en el súper el bar
en el banco en el bus en el metro en el cine el estadio
y acabo pensando
que en realidad sólo habita
una
sola
persona
tres millones de veces.”
BATANIA, Poeta Neorrabioso. Mi ciudad.
A escolha do espaço do Morro do Querosene, ao se buscar reconhecer a cidade de São Paulo, vincula-se à importância atribuída à produção artística ali promovida e difundida e, também, à reflexão de como essa efervecência cultural geraria mudanças nesse mesmo espaço. Nesse sentido, como primeiras aproximações para entendimento dessa territorialidade, uma metodologia, ainda que empírica mas, no entanto, menos científica revelou-se mais apropriada. Assim, por meio de conversas e encontros com moradores do Morro, iniciou-se o processo de aproximação desse espaço.
O bairro do Morro do Querosene, situado no Butantã, tem um funcionamento que se assemelha ao de uma comunidade, na qual a maioria das pessoas se conhecem e há apenas comércios locais. A sua topografia, curvilinea, situada entre a Rodovia Raposo Tavares e a Avenida Corifeu de Azevedo Marques, reiteram a sensação de se estar deslocando para um espaço distinto do que se estava anteriormente e de comunidade. Durante a primeira visita ao Morro, observou-se que esses elementos morfológicos colaboram para que se perceba dois tempos na cidade: o daquele espaço e o da cidade, mas que, entretanto, eles coexistem e são codependentes.
Esse território, ao abrigar relevante número de migrantes nordestinos que por meio das festas e eventos como a Festa do Boi, tornam-o reconhecido por ser um reduto da arte e cultura tradicional. Historicamente, também, o Morro do Querosene se revela como ponto de encontro, uma vez que em seu espaço são abrigadas três nascentes no terreno conhecido como Parque da Fonte, que compunha uma trilha de malhas que conectavam diversos lugares da chamada Peabiru mas que, antigamente, era passagem e parada obrigatória de bandeirantes e tropeiros.
Dessa maneira, o Morro do Querosene é composto por diversas camadas: de história, de transformações, de manifestações culturais, de contrastes sociais, de produções artísticas, da morfologia urbana e de seus moradores. E, se tratando de Reconhecer São Paulo, entender e registrar essas camadas é fundamental para se ter uma leitura efetiva desse espaço e dar palpabilidade para os métodos de pesquisa.
Assim, por meio de uma analogia com as fitas que enfeitam os chapéus dos vaqueiros na Festa do Boi, notamos as camadas que compõem o Morro. Cada fita tem uma cor que, quando em movimento, se misturam, sem uma se sobrepor à outra e isso, também, acontece com as camadas, pois elas coexistem. É necessária a dança para as fitas balançarem, assim como o movimento de quem ali habita ou se relaciona com esse espaço das mais variadas formas.
ETAPA 03
Entendendo a territorialidade do Morro do Querosene como uma rede complexa, nessa etapa de trabalho, o grupo, visando registrar e compreender as camadas que compõem o Morro, pensou em traduzir esse espaço no formato de um vídeo. Esse modo de registro foi pensado uma vez que um ensaio fotográfico não contemplaria a ideia de se preservar e transpor o tempo desse espaço e de suas atividades para o momento da apresentação – onde existe um tempo deslocado para a observação frente ao tempo “congelado” da foto.
Para esse registro no formato de video, com o uso de um drone, foi possível entender a territorialidade do Morro do Querosene em sua escala mais ampla, atentando-se a sua materialidade e a posicionando em relação a um outro registro – a partir da escala humana. Essa outra escala, de convívio, por sua vez, revelou-se uma tentativa de traduzir os ensaios do Grupo Cupuaçu (responsável por organizar a tradicional Festa do Boi), a sonoridade do Morro e seus distintos espaços.
Foto capturada a partir do drone
Nesse sentido, observando a territorialidade a partir da escala mais reduzida, o grupo percebeu dois momentos distintos a serem investigados nessa etapa e na etapa final desse trabalho que envolvem o morro. O primeiro momento, iniciado nessa etapa, com os ensaios e o dia-a-dia nesse espaço e que pode ou não ser interrompido por esse segundo momento, de apogeu, que seria o momento da Festa do Boi. Essas investigações e reflexões, por meio do registro em formato de video, corroboram a intenção do grupo de entender como essas manifestações culturais modificam o território e o extrapolam, de maneira a ajudar a entender essa outra temporalidade.
O 1º Encontro de Bumba Bois Mirins de São Paulo, realizado no Parque Villa-Lobos, reforça, então, a ideia de que esse território não se limitar ao espaço do Morro do Querosene e que, por meio dessa manifestação cultural, é possível modificar outros espaços.
Dessa maneira, a proposição do grupo para a próxima etapa estaria vinculada à elaboração coletiva de um mapa afetivo cujos símbolos se distanciariam dos de uma cartografia dita “tradicional” e seriam os elementos identificados no vídeo dessa etapa, que representam, por sua vez, aspectos relevantes que acontecem na escala menos ampla do Morro, mas que justamente pertençam e constituam a escala maior.
ETAPA 04
“Onde arma-se a fogueira e prepara-se o arraial.
Onde vislumbra-se o Boi, em todos os cantos e também no Maranhão.
Onde apresentam-se alguns princípios metodológicos e algumas escolhas.
Onde a gente que faz o Boi se encontra, uma vez mais, para Guarnecer.”
SAURA, Soraia Chung. Planeta de Boieiros: culturas populares e educação de sensibilidade no imaginário do bumba-meu-boi. Tese de Doutorado – FE-USP: São Paulo, 2008. pp.67.
Sendo “guarnecer” sinônimo de reunir e concentrar, na Festa do Boi, o momento em que se materializa esse sentido é o da fogueira. Esta, acesa ao lado da árvore que configura como centralidade no evento, confere ao espaço do Morro do Querosene uma outra territorialidade que não a convencional. Assim, a partir da Festa, tem-se uma relação bonita para entender essa espacialidade do Morro, uma vez que o elemento que altera esse evento tradicional é o próprio território em que ele se realiza.
Dessa maneira, entendeu-se que existe um território do Boi no Morro do Querosene e que ele se modifica com a presença da Festa nesse espaço. Também percebeu-se que dentro das camadas que compõe o território do Morro do Querosene, muitos de seus moradores fazem parte do território do Boi e que é, a partir desses vínculos, que se faz esse espaço.
A fim de se registrar todo o processo de aproximação e entendimento do território, foi feito um livro que, apenas por meio da leitura de suas múltiplas camadas, muitas vezes, sobrepostas, é possível de se compreender. Nesse sentido, a diagramação desse produto foi pensada de forma a remeter ao próprio desenvolvimento do trabalho como um todo e ao espaço do Morro do Querosene.
No entanto, percebendo a importância dos dois momentos de observação frente ao território estudado, pensou-se em uma apresentação que envolveria tanto uma situação de introspecção do observador frente aos registros, quanto ao momento em que aconteceu a Festa da Morte do Boi. Assim, o livro (sequência de fotos e mapas) e o compilado de vídeos (movimento, aproximação à experiência que foi vivenciar a Festa) conformariam uma síntese mais completa desses futuros do pretérito que ajudam no reconhecimento desse espaço.
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