G39 – Fábrica de cimentos portland de perús

 

ETAPA 1

Todos os dias milhares de pessoas transitam pela linha 7-Ruby, da CPTM, que sai da estação e vai até Jundiaí.  Quem passa pelas estações perus e caieiras, com certeza ja avistou a silhueta de um grande prédio. As chaminés denunciam que ali um dia funcionou uma fábrica. São as mesmas chaminés, por onde saiam diariamente, uma fumaça turva, carregada de pó de cimento, que se depositava nos telhados e quintais dos moradores do bairro de Perus.

Situado entre duas rodovias da mancha urbana de São Paulo, o bairro de perus, o ultimo no extremo noroeste paulista, abriga um importante patrimônio histórico: A fábrica de cimentos Portland, a primeira unidade de produção de cimento em larga escala do Brasil. Localizada em um terreno de mais de 200.000m2, ladeado por áreas de proteção ambiental, vales e rios, a fábrica foi palco de importantes movimentos de resistência. A greve dos “queixadas”, entre 1962 e 1969, que desafiou a ditadura militar e foi a greve mais longa da história do pais. E também em que mulheres se rebelaram contra a poluição ambiental gerada pela fábrica de cimentos, sendo um dos primeiros episódios de luta ecológica que temos notícia no brasil.

A localização da indústria é cirúrgica. O então vilarejo de Perus, estrategicamente implantado no meio do caminho entre São Paulo e Jundiaí, pouso de tropeiros desde o século XIX, ganhou, por motivo semelhante, em 1857, uma estação de trem da São Paulo Railway (Santos-Jundiaí) cuja função era o reabastecimento de água das locomotivas. Desse ramal principal, surge a Estrada de Ferro Perus-Pirapora, em 1914, voltada a atender romeiros, mas sem nunca cumprir tal mote: implantada na várzea do Rio Juquery, fez-se a infraestrutura perfeita para trazer o calcário extraído das pedreiras de Cajamar até o entroncamento que, em breve, se tornaria a primeira fábrica de cimento do Brasil, uma iniciativa a princípio canadense que passou seu comando ao polêmico J. J. Abdalla em meados da década de 1950.

É notável que durante esse período entre 1920 e 1950, no qual a população da cidade saltou de pouco menos de 600.000 hab para 5.200.000 hab, a fábrica de cimento chegou a atingir os incríveis 59% de produção de cimento do mercado nacional. Fornecendo cimento para grandes obras como o viaduto do chá, a biblioteca mario de andrade e para a construção de brasília.

complexo conta com vilas operárias dentro dos limites da fábrica, que impulsionaram o crescimento do bairro; além da Vila Triangulo, ainda remanescente, com a Vila Portland e a Vila Nova, e, fora dos limites, com a Vila Inácio, a Vila Operária e a Vila Hungareza, essa última, operários do ramo de sacaria em grandes partes originários do leste europeu. Essa variedade de núcleos formados em função da fábrica, somados aos dados que revelam a presença de 1.600 funcionários na empresa, nos indicam a vivacidade que aquele espaço pulsava durante seu auge. De acordo com familiares de funcionários, havia uma intensa relação afetiva com o lugar, inclusive, uma das perguntas comuns para os recém contratados especulava acerca de suas habilidades com o futebol.

A indústria encerrou suas atividades após a famosa greve em 1980 e foi tombado pelo CONPRESP em 1992, hoje encontra-se abandonado. Além da estrutura fabril, conta com uma vila operária – a Vila Triângulo , a única vila remanescente–, uma Capela, e a estação Perus da CPTM.Com tantas disputas acerca do bairro de Perus – uma mudança no zoneamento que retira a condição de ZEIS para classificá-lo como zona mista, na qual serão construídas mais de 10mil unidades habitacionais sem a devida instalação de infraestruturas necessárias em um bairro já carente das mesmas; a tendência de instalação do CEAGESP; um cemitério com mais de mil ossadas do período da ditadura; a estrutura da fábrica sendo usada para praticas de paintball, pela polícia militar que danifica o patrimônio tombado e fere a memória dos que trabalharam ali.

Dando continuidade a um processo de pesquisa de dois estúdios verticais buscamos formas de lidar com toda a complexidade, ambiguidade e conflitos entre interesses locais e do capital que circundam esse local; queremos buscar formas de ocupar humanamente o espaço fabril do terreno; onde encontram-se rígidas e maciças estruturas, que determinam programas inflexíveis de uso e circulação e onde os espaços são condicionados pela maquinaria pesada, trabalho e escoamento da produção; como ocupar lidando com questões de preservação, restauro e patrimonio industrial.

ETAPA 2

Nesta segunda etapa o grupo procurou traduzir arquitetonicamente em objetos parasitas na estrutura da Fabrica de Cimentos Perus, hoje em ruínas. O intuito dessa releitura veio da vontade de recontar historias do edifício em seu próprio espaço, atualmente negligenciado. Entretanto, para a comunidade Peruense, a fabrica segue como ícone de resistência e consciência coletiva dessa população. Desta forma esses objetos foram pensados como marcos espaciais á memória da fabrica e de seus operários. Como principal bibliografia de fonte dessas historias o grupo se debruçou sobre o livro “Queixadas: por trás dos sete anos de greve”das jornalistas peruenses Jessica Moreira e Larissa Gould. Nele, é apresentado um compilado de pequenas historias e vivências naquele espaço, como a brincadeira de crianças em valas de extração de terra até grandes almoços comunitários no refeitório e sessões de cinema no edifício de administração da fabrica. Assim sendo, o intuito final deste TCEV é a compilação destas releituras arquitetônicas da memória do espaço em uma publicação sobre o personagem principal: a Fábrica de Cimentos Portland Perus.

 

FINAL

A pesquisa sobre a Fábrica de Cimentos Portland de Perus iniciou em um trabalho de Estúdio Vertical da Escola da Cidade sobre o tema “Reconhecer São Paulo”, onde foi feito o levantamento histórico do contexto do bairro de Perus e da fábrica em si. Com o volume de conteúdo acumulado sobre este lugar havia uma vontade grande de se fazer algum tipo de intervenção, ensaio ou projeto para aquele território tão intrigante. Sendo assim, foi dado continuidade ao tema em um TC/EV que se iniciou num momento conturbado e decisivo para a fábrica; no qual os movimentos populares de Perus -remanescentes da grande Greve dos Sete Anos e que reivindicam a área da fábrica para se tornar um parque em memória ao movimento dos Queixadas- foram ao CONPRESP denunciar o descaso com o patrimônio tombado; que atualmente é palco de treinamentos de paintball pela polícia civil. Os movimentos foram derrotados no CONPRESP e o terreno, que é uma propriedade privada que pertence ao neto de J. J. Abdallah (o grupo Abdallah), se tornará um empreendimento imobiliário: um novo bairro para perus com diversas torres com quinze andares que serão habitadas por mais de 7 mil famílias, num bairro que já carece de infraestruturas básicas. No centro desta nova gleba se encontra a Cia. de Cimentos Portland, que será reformada para virar um supermercado com algum equipamento cultural. Estes fatos e acontecimentos forçaram o grupo a tomar decisões e levantar questões sobre o que era mais importante para a continuidade do trabalho. Como que uma fábrica, a maior fábrica de cimentos do país, pode cair no esquecimento desta maneira. Sendo que boa parte da população do bairro que ela ajudou a construir não sabe da sua história e condições; uma fábrica que era tão viva e ativa que empregava direta e indiretamente a maioria dos habitantes a sua volta; e população que hoje precisa se movimentar diariamente por vários quilômetros até o centro de São Paulo para trabalhar. Foi constatado que o Abdallah neto e os interesses comerciais fariam de tudo para apagar a má reputação de seu avô, o “mau patrão”, e dos movimentos de resistência dos Queixadas, e que, portanto, as memórias desta fábrica eram o que estava em jogo e deveriam ser preservadas. Assim, como o futuro deste espaço já se dá como pré-definido por forças maiores (o capital), optamos por fazer um ensaio lúdico sem pretensões de ser construído, mas sim de provocar um debate sobre as condições da memória da personagem elencada: a Fábrica de Cimentos Portland Perus. O grupo então foi buscar referências de projetos de caráter mais lúdico e efêmero, que lidavam com temas de memória e patrimônio, como por exemplo o livro Arte/Cidade de Nelson Brissac, em que intervenções artísticas em grandes estruturas abandonadas geram visibilidade que futuramente culminam em uma reaproprição e transformação destes lugares. Foi lido também alguns textos de John Hejduck, o arquiteto mais peculiar dos “New York Five”. Sua obra é extremamente formalista e era desenvolvida através de fábulas que resultavam em pequenas intervenções efêmeras, muitas vezes sem uso algum. Hejduk acreditava também que os usuários de suas obras reinterpretariam e criariam novas ficções a partir das suas abstrações formais. De início foi decidido que o personagem central seria a Fábrica de Cimentos Portland de Perus, visto que ao mesmo tempo que era espaço também se mostrava como personagem participante no cotidiano dos cidadãos Peruenses que coexistiram com seu funcionamento. No mais, ao se debruçar sobre seus componentes foram eleitos seis edifícios pelas suas espacialidades e importâncias (seja na produção do cimento ou para a história da fábrica como um todo) para sediarem as cinco intervenções propostas que teriam como base os seis temas elencados como arquétipos que construíram o ícone que é a Cia. De Cimentos Portland Perus. Estes temas são trabalho, tempo, infância, ocasião, refeição e resistência. Depois disso foi lido o livro “Queixadas – Por trás da greve dos sete anos” que continha diversos relatos de operários que trabalharam na fabricação do cimento de Perus. Os relatos contidos nesse livro deram vida ao imaginário do grupo e serviram de base para a construção das intervenções que se transmutaram em memórias espacializadas. Os temas foram escolhidos de acordo como se relacionavam ao cotidiano cansativo do trabalho na Fábrica de Perus: O trabalho industrial que era marcado pelo tempo era extremo na fábrica, o patrão mantinha todos trabalhando com a promessa de bônus, o sonho de sustentar a família e de uma vida melhor aprisionava. A infância é o único período da vida em que o trabalho não é uma responsabilidade e por isso a fábrica é vista pelas crianças Peruenses como um espaço imaginativo e propicio para brincadeiras. A ocasião representava bailes que eram os momentos de lazer dos funcionários e o único momento que reunia todas as famílias era durante as refeições e por isso que ela costura as demais intervenções. Por fim, a resistência representa a greve, onde toda a ilusão que se tinha com relação ao patrão acaba, os funcionários percebem que o patrão não vai pagar as horas extras e entram em greve. O edifício símbolo da resistência é o quarto forno, encomendado pelo “mau patrão”, e que funcionava vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana e só parou (e consequentemente quebrou) no início da Greve dos Sete Anos. Nossa intervenção foi “pacífica” como o movimento grevista dos Queixadas: o forno foi deixado como os grevistas o deixaram no começo da greve: parado, petrificado no tempo. Tirando a resistência, as demais intervenções são feitas por meio da adição de estruturas independentes e também pela destruição de paredes ou fechamentos dos edifícios em que estão inseridos.