O ESPAÇO DO COTIDIANO | Grupo 41

É muito complexa uma intervenção num lugar em constante disputa como o baixio do Viaduto Julio de Mesquita Filho. Uma terra de ninguém e de todo mundo, em constante apropriação, ocupação, expulsão e reapropriação.
Um espaço livre. Tanto fisicamente quanto ideariamente. Fisicamente o vão livre, tão procurado e reproduzido pelos modernistas, se dá de forma residual, porém muito marcante nos baixios de viaduto. Já no ideário, a falta de dono, ou o excesso de donos, tornam o espaço livre para qualquer tipo de apropriação. É público. É de todos nós. Desse modo, o espaço do baixio Júlio de Mesquita Filho, assim como tantos outros baixios, demonstra uma potencialidade imensa para transcender a ideia de um espaço público e se tornar um espaço comum, de convivência, coletividade, trocas e multiplicidade de usos.
Porém, os baixios atualmente abrigam diversas vítimas de casualidades sociais, desde deficit de moradia, à marginalização dos transgêneros, ao abandono daqueles com distúrbios mentais ou dependências químicas. Esses moradores, ao mesmo tempo que exercem o seu próprio direito de existir, e nos dão uma amostra dos reflexos brutais do modo de vida excludente das grandes cidades, acabam privatizando partes do baixio, ou da cidade. Privatizando não no sentido comercial capitalista, mas tornando-o parte de uma vida privada, doméstica, onde as pessoas exercem suas funções e necessidades mais íntimas. Portanto, um transeunte não se sente à vontade para adentrar nas partes do baixio onde as pessoas dormem, comem, ou urinam. Esse tipo de uso dificulta a criação de um espaço comum.
A real dificuldade é permanecer sem excluir, sobreviver sem repelir e entender como podemos criar um espaço com uma coexistência plural. Nesse semestre, nós do grupo 41, mergulhamos nessa investigação utilizando as mais diversas formas de pesquisa. A princípio, instauramos mecanismos de reconhecimento do espaço por meio de oficinas de experimentação livre, com dinâmicas corporais e sensitivas.
Num segundo momento, houve o reconhecimento dos atores que compõem esse espaço e de atores em potencial, através dos Saraus e de encontros mais espontâneos e corriqueiros.
Esses processos de reconhecimento incitaram novas percepções e inquietações, que só foram possíveis pelo trabalho, pela aproximação pessoal de cada integrante do grupo com os desafios presentes no espaço.
Percebemos que para além da ocupação mais visível que se dá pelos moradores de rua, existem todos os fluxos de transeuntes, além das relações comerciais, ou até mesmo breves ocupações de lazer, principalmente por parte das crianças da região.
Trabalhar com essa multiplicidade de atores foi aprender a lidar com as mais diferentes realidades e normas que deles descendem, e ações como um café da manhã que convida os moradores de rua a conviver com estudantes de arquitetura quebra com a normalidade e gera uma reação em cadeia, que pode ser extremamente reformadora.
Essas ações foram se repetindo e se refinando e conseguimos testar ao longo do semestre diversos eventos e suas repercussões, explorando também dispositivos materiais ativáveis, como> figurinos dançáveis, a fogueira e sua atração iminente, balanços penduráveis no baixio, bungee dance, a materialidade visível da dança ativada por um cortejo de maracatu.
É um desafio constante lidar com um espaço tão incontrolável e imprevisível, que abriga mais facilmente o efêmero do que o duradouro. Porém, acreditamos que o efeito da memória do lugar pode ser tão transformador quanto a construção de um viaduto.

 

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Oficinas Livres Para Ágora

Entrega 3: Espaço livre

Após experimentações do corpo no espaço através do som e movimento, agora o trabalho investiga a matéria – a construção de dispositivos que habitem e qualifiquem o Baixio do viaduto, conectando os planos horizontais perenes de maneira leve e flexível. É proposto um sistema de tubos metálicos onde se penduram múltiplos elementos. A partir do uso de uma escada extensível, que se fixa no tubo, se pendura os elementos necessários para diferentes usos, ativando a verticalidade do espaço. Uma proposta projetual que materializa a discussão da constituição do comum: uma experiência fluída, de negociação e transformação permanente dos limites e do espaço, sujeita a ação de diferentes forças, movimentos e desejos.

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corte longitudinal do viaduto

 

Entrega 2: concept | context | content

As táticas, extraídas do processo em construção, estão divididas em 3 temas: contexto, conteúdo e conceito (TSCHUMI, 2004). Contexto diz respeito às camadas temporais, de história, memória e relações sociais que habitaram e habitam o espaço. Conteúdo são os elementos de apropriação coletiva e uso temporário que estão sendo utilizados para ativar o espaço. Conceito é a busca pela construção do projeto comum – os desafios encontrados, as estratégias utilizadas para alcançá-lo.

 

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Entrega 1: corpo | tempo | movimento

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O modo como experimentamos o mundo define o espaço em que vivemos e nossa relação com as outras pessoas. Quando estamos dispostos a experimentar, nos abrimos a novas possibilidades de aprendizado.

Mas como é esse mundo em que vivemos?

Com o ápice do sistema capitalista, em que o principal objetivo é aumento da produtividade e a diminuição de recursos e tempo, visando no final, o maior acúmulo financeiro possível; as matérias primas, passaram a ser extraídas da natureza de forma descontrolada; o trabalhador passou a ser considerado uma peça descartável e substituível; a automação passou a ganhar espaço em todas as áreas da vida e com isso uma série de consequências junto. Hoje a cada lugar que olhamos, é possível encontrar algo automatizado, que foi produzido para facilitar as nossas vidas. O celular, o computador, a escada rolante, o metrô, o microondas, até a comida passa por um processo industrial que envolve a automação, tudo isso feito para nos ajudar a realizar as tarefas cotidianas, de forma rápida e prática, com a desculpa de que assim, nosso tempo seria melhor aproveitado, tanto no trabalho, aumentando nossa eficiência e produtividade, quanto nos momentos de lazer, afinal de contas, não perderíamos tempo fazendo coisas que uma máquina pode fazer por nós.

Contudo, acabamos presos à essas máquinas, os celulares viraram extensões dos nossos braços; não desgrudamos os olhos das telas dos computadores e das televisões, nos tornamos eternos espectadores; nos momentos de lazer, vamos a academias, utilizar máquinas para exercitar o corpo, nossos movimentos também foram automatizados e se tornaram inconscientes. E tudo isso em troca de que? Rapidez, facilidade, praticidade? Nossos corpos estão adormecidos, nossas cidades parecem mortas, não temos mais contato com a natureza, nossas casas são frias e rígidas, assemelhando-se a fábricas, e nós, nos transformamos em seres alienados dos sentidos e das percepções, focados em nossos próprios microcosmos tecnológicos, buscando nos adaptar, da melhor forma possível, a essa condição que nós mesmos nos impusemos.

O projeto busca criar atmosferas para incitar corpos presentes e disponíveis, e compreender três dimensões do espaço do cotidiano: o espaço do corpo, do tempo e do movimento.

O espaço do corpo: qual é a postura do corpo no cotidiano das grandes metrópoles? o que define o privado? qual o raio que meu corpo ocupa no espaço? é possível expandi-lo? como eu habito o espaço em que vivo? onde meu espaço encontra o do outro?

O espaço do tempo: quais as camadas de tempo que habitam um determinado lugar? o que é perene e permanente? como o tempo deixa marcas e rastros no espaço? o que define a memória de um espaço? é possível ressignificá-la, adicionar outra camada de narrativa e imaginário? é possível criar um outro tempo dentro do tempo?

O espaço do movimento: é possível construir um espaço aberto ao movimento e ao indeterminado? um espaço livre, flexível, vago? um lugar praticado e apropriado, em constante fluxo e negociação entre aqueles que o habitam?

agora

Busca-se:

“rever e repensar relações do homem com a paisagem edificada e do homem

com seu produto maior, a cidade, pensar (sobre) o espaço, “espaçamentos”

urbanos que expandam a escala do objeto, potencializem o fazer coletivo,

espontâneo, criativo, interpretando a qualidade do vazio enquanto extensão do

objeto não-aprisionado ao pragmatismo da forma e do domínio.

Conceitua-se essa disposição do novo fazer à qualidade do “entre”, ruptura

do restrito, formal, do programado e pragmático, “cultura” do espaço imaginário, do

espaço em transformação e do porvir, da escala de quem faz e não do que a

função restrita programa ou determina.”

GUATELLI, 2008

Através de uma metodologia experimental de pesquisa-ação, serão criadas situ-ações que exploram as possibilidades de relações entre os corpos e com o espaço, buscando subverter a lógica temporal do fluxo constante e sem parada, típico da cidade de São Paulo. Tempo dentro do tempo: poder parar, usufruir e construir o espaço público não convencional e poder, nele, estar e participar de atividades não convencionais que afetem a nós individualmente; a nós, grupo; e a nós, cidade. A investigação se dará a partir de práticas coletivas de expressão corporal, divididas nos seguintes temas: som, corpo, matéria e espaço. Entende-se que a ação do corpo no espaço emerge de uma consciência e expansão do espaço pessoal, e de sua fricção com o espaço pessoal do outro.

O recorte do projeto é o Baixio do Viaduto Júlio de Mesquita Filho, no bairro do Bixiga. Uma arquitetura de intervalo: um espaço vazio, porém em disputa, que é esquecido tanto pelo poder público, quanto pela própria sociedade, habitado por uma multiplicidade de relações e desejos, negociados a todo instante. Será possível construir um espaço comum?

 

Bibliografia:

HALL, Edward. A dimensão oculta.

LABAN, Rudolf. Domínio do Movimento. Organização Lisa Ullman, tradução Anna Maria Barros de Vecchi e Maria Sílvia Mourão Netto. São Paulo: Summus, 1978

PALLASMAA, Juhani. Os olhos da Pele: A arquitetura e os sentidos. Tradução Alexandre Salvaterra. Porto Alegre: Bookman, 2011.

PEROTA-BOSCH, Francesco. A arquitetura dos intervalos.

GUATELLI, Igor. Arquitetura dos entre lugares.

JACQUES, Paola Berenstein. “Corpografias urbanas.” Vitruvius. Arquitextos 8, 2008. Disponível em: <http://www.cult.ufba.br/enecult2008/14401-03.pdf>

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.