G17- Roda Moinho

ETAPA 01

Em um primeiro momento, parece-nos que a relação mais direta entre pensar e fazer se manifesta numa estética como a da gambiarra. Uma ação que busca reparar ou prover algo a partir de uma solução primordial, um tanto acidental e acima de tudo, não projetual.
Na busca por entender essa estética, que é bastante particular no Brasil, estudamos o conceito de bricolagem, definido na antropologia por Lévi Strauss. O bricoleur é definido por ele como “O que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a ausênciade um plano pré concebido e se afasta dos processos e normas adotados pela técnica.”. A diferença entre um bricoleur e um cientista, segundo Strauss, é a de que o primeiro se utiliza de signos para suas construções enquanto que o segundo, trabalha com conceitos. Já o artista, este se situa no meio do caminho entre os dois.
Em uma terceira análise, a compreensão dos conceitos trazidos por Rem Koolhaas em seu texto “Espaço-lixo” foi essencial, uma vez que uma entre as muitas definições dadas para o espaço-lixo é a de que “são formas que procuram função”. Isso se apresentou como um ponto de tangência entre a bricolagem e o espaço-lixo, pois revela que ambos trabalham com signos.
O cruzamento entre os conceitos de Strauss e Koolhaas se manifesta na seguinte frase, extraída do livro “A estética da Ginga”, de Paola Berenstein Jacques: “A bricolagem é uma reciclagem arquitetural, sobretudo aleatória, que nasce da fragmentação de antigas arquiteturas.”.
O desejo de entender os conceitos acima surge da necessidade de compreender o descompasso atual entre o ato de projetar e o de construir, entre a arquitetura projetada por uma elite intelectual e aquela que reside do imaginário dos brasileiros e brasileiras. Emerge com ele a vontade de possivelmente nos colocarmos mais como  bricoleurs, cientes de nossa formação como artistas, flutuando entre conceitos e signos a fim de uni-los e, através de nossa atuação, questionar espaços que não geram senso de identidade.

 

ETAPA 02

No livro “O Pensamento Selvagem”, de Claude Lévi-Strauss, base para a construção deste trabalho, há um esforço de compreender e reconhecer como válida a estrutura do pensamento selvagem (representado pelo bricoleur) perante o pensamento científico (engenheiro).
Ainda nesta linha, o reconhecimento da Favela do Moinho — marcada pelo encontro de dois desenhos distintos de cidade — como parte integrante da cidade formal é constantemente negado pelo poder público, a ver pela constante luta por uma regularização deste espaço pelos seus habitantes.
No desejo de ressaltar esses dois espaços como pertencentes do mesmo contexto físico e iguais como “cidade”, surge então a proposta de sinalização e iluminação da favela, como resposta à negligência do poder publico em legitimar esses espaços e reconhecer outros modos de fazer cidade.
Partindo de um entendimento que possuir um endereço garante aos habitantes de algum lugar o status de cidadão atuante e participante, um elemento óbvio, tal qual uma placa, é garantia do reconhecimento de um espaço como um lugar habitado e ocupado, pertencente à cidade. Iluminá-lo, então, é ressaltar a existência deste lugar na malha urbana.
A proposta é, portanto, uma via de duas mãos, que não se encerra somente nos limites da Favela do Moinho, mas extrapola as barreiras que dividem os espaços, atravessando a noção de cidade x não-cidade.
A linguagem desses equipamentos, porém, parte do princípio de que seja uma construção em conjunto com os moradores, de modo a preservar o “saber fazer” próprio da favela e sua autonomia em relação a infraestrutura provida pelo poder publico.

ETAPA 03

Os órgãos públicos da cidade não reconhecem em seus mapeamentos terrenos com ocupações consideradas irregulares. Mais especificamente, as favelas. Isso, porém, serve como uma ferramenta de desmobilizar a luta por infraestrutura mínima que esses moradores deveriam receber.
Partindo, então, de uma discussão sobre mapeamento, mais precisamente de como representar um lugar no mapa, entende-se que isso está ligado não somente com à construção de cartas que buscam representar esses espaços, mas também a inclusão de infraestrutura pública mínima.
Por isso, a proposta consiste em um projeto de iluminação para a Favela do Moinho, como forma de legitimar a ocupação deste espaço, buscando mostrar ao poder público que o Moinho faz parte da malha urbana da cidade, mas principalmente atender a uma demanda e necessidade latentes de seus habitantes.
Para que o funcionamento desse sistema de iluminação funcionasse independente ao poder público, foram estudados alguns tipos de mecanismos que fossem retroalimentados.
Nesse sentido, optou-se por escolher como fontes de energia o vento e o próprio trem, elemento que rompe a ligação da favela com seu entorno. Assim, esse marco na paisagem seria ressignificado e se tornaria a fonte de luz do Moinho. Já o sistema de energia eólica estaria localizado no topo do silo da favela, outro marco que é tanto físico como histórico.
Ambos funcionariam por meio de um mecanismo de dínamos, convertendo energia cinética em elétrica. O primeiro a partir de aletas que tocariam o trem em movimento e a partir disso geraria energia mecânica; o outro, a partir de um conjunto de pequenos moinhos de vento.

ETAPA 04

Seguindo a vontade de usar sistemas de energia retroalimentados, imaginava-se que dois tipos de sistema seriam usados no projeto: energia eólica e um mecanismo de rodas ligadas à dínamos. No entanto, concluimos que ressignificar a relação do Moinho com as linhas de trem era de ordem de maior importância. Optou-se por fazer isso usando apenas o trem como fonte de energia da iluminação dos espaços públicos da favela.
Portanto, tirando partido do trem como fonte de energia, tornou-se necessário entender as múltiplas questões em torno do desenho de um mecanismo que dê conta de atingir a potência necessária para acender as lâmpadas e coexista com a linha do trem.
Assim, a última etapa deste trabalho consistiu no desenho e construção de um protótipo de um destes mecanismos, para que fosse possível entender como se dá o funcionamento deste tipo de captação de energia e sua distribuição ao longo da favela.
Esse mecanismo é composto por uma roda com trinta centímetros de diâmetro, que está ligada a um alternador de carro por uma correia. O alternador, ao girar com a roda, gera energia que fica armazenada numa bateria, também de carro. Da bateria sai o cabeamento que se liga às lâmpadas. Este cabeamento está envolto por canaletas que se assemelham à mangueiras, que seguem as fachadas das casas que faceiam as vias iluminadas. A escolha por este tipo de conduite se deu por sua maleabilidade, podendo se adaptar à organicidade do desenho das ruas e vielas.
Como a construção deste protótipo não foi in loco, tivemos que adaptar sua base, uma vez que não haveria como fazer a fundação proposta. Os outros elementos do protótipo, no entanto, são como o desenho.
Um destes mecanismos consegue gerar energia o suficiente para acender quatro lâmpadas de 12V. O projeto conta com setenta lâmpadas. Então, seriam necessários dezoito módulos para iluminar os espaços da favela. As dimensões de cada módulo são de 80x200x100cm. A implantação destes módulos ocuparia área pouco significativa comparada com as dimensões da favela e linhas de trem.
O desenho deste mecanismo e sua relação com as condições locais reforçam o desejo de atingir um projeto que opere como uma alternativa de iluminação, independente de órgãos públicos. Para isso, é preciso que o objeto proposto tenha baixo custo de construção e manutenção, trazendo como contrapartida alta potência energética, relacionando-se com o trem de modo mais sutil e poético.