ETAPA 01
Em um primeiro momento, parece-nos que a relação mais direta entre pensar e fazer se manifesta numa estética como a da gambiarra. Uma ação que busca reparar ou prover algo a partir de uma solução primordial, um tanto acidental e acima de tudo, não projetual.
Na busca por entender essa estética, que é bastante particular no Brasil, estudamos o conceito de bricolagem, definido na antropologia por Lévi Strauss. O bricoleur é definido por ele como “O que executa um trabalho usando meios e expedientes que denunciam a ausênciade um plano pré concebido e se afasta dos processos e normas adotados pela técnica.”. A diferença entre um bricoleur e um cientista, segundo Strauss, é a de que o primeiro se utiliza de signos para suas construções enquanto que o segundo, trabalha com conceitos. Já o artista, este se situa no meio do caminho entre os dois.
Em uma terceira análise, a compreensão dos conceitos trazidos por Rem Koolhaas em seu texto “Espaço-lixo” foi essencial, uma vez que uma entre as muitas definições dadas para o espaço-lixo é a de que “são formas que procuram função”. Isso se apresentou como um ponto de tangência entre a bricolagem e o espaço-lixo, pois revela que ambos trabalham com signos.
O cruzamento entre os conceitos de Strauss e Koolhaas se manifesta na seguinte frase, extraída do livro “A estética da Ginga”, de Paola Berenstein Jacques: “A bricolagem é uma reciclagem arquitetural, sobretudo aleatória, que nasce da fragmentação de antigas arquiteturas.”.
O desejo de entender os conceitos acima surge da necessidade de compreender o descompasso atual entre o ato de projetar e o de construir, entre a arquitetura projetada por uma elite intelectual e aquela que reside do imaginário dos brasileiros e brasileiras. Emerge com ele a vontade de possivelmente nos colocarmos mais como bricoleurs, cientes de nossa formação como artistas, flutuando entre conceitos e signos a fim de uni-los e, através de nossa atuação, questionar espaços que não geram senso de identidade.
ETAPA 02
No livro “O Pensamento Selvagem”, de Claude Lévi-Strauss, base para a construção deste trabalho, há um esforço de compreender e reconhecer como válida a estrutura do pensamento selvagem (representado pelo bricoleur) perante o pensamento científico (engenheiro).
Ainda nesta linha, o reconhecimento da Favela do Moinho — marcada pelo encontro de dois desenhos distintos de cidade — como parte integrante da cidade formal é constantemente negado pelo poder público, a ver pela constante luta por uma regularização deste espaço pelos seus habitantes.
No desejo de ressaltar esses dois espaços como pertencentes do mesmo contexto físico e iguais como “cidade”, surge então a proposta de sinalização e iluminação da favela, como resposta à negligência do poder publico em legitimar esses espaços e reconhecer outros modos de fazer cidade.
Partindo de um entendimento que possuir um endereço garante aos habitantes de algum lugar o status de cidadão atuante e participante, um elemento óbvio, tal qual uma placa, é garantia do reconhecimento de um espaço como um lugar habitado e ocupado, pertencente à cidade. Iluminá-lo, então, é ressaltar a existência deste lugar na malha urbana.
A proposta é, portanto, uma via de duas mãos, que não se encerra somente nos limites da Favela do Moinho, mas extrapola as barreiras que dividem os espaços, atravessando a noção de cidade x não-cidade.
A linguagem desses equipamentos, porém, parte do princípio de que seja uma construção em conjunto com os moradores, de modo a preservar o “saber fazer” próprio da favela e sua autonomia em relação a infraestrutura provida pelo poder publico.
ETAPA 03
ETAPA 04
Seguindo a vontade de usar sistemas de energia retroalimentados, imaginava-se que dois tipos de sistema seriam usados no projeto: energia eólica e um mecanismo de rodas ligadas à dínamos. No entanto, concluimos que ressignificar a relação do Moinho com as linhas de trem era de ordem de maior importância. Optou-se por fazer isso usando apenas o trem como fonte de energia da iluminação dos espaços públicos da favela.
Portanto, tirando partido do trem como fonte de energia, tornou-se necessário entender as múltiplas questões em torno do desenho de um mecanismo que dê conta de atingir a potência necessária para acender as lâmpadas e coexista com a linha do trem.
Assim, a última etapa deste trabalho consistiu no desenho e construção de um protótipo de um destes mecanismos, para que fosse possível entender como se dá o funcionamento deste tipo de captação de energia e sua distribuição ao longo da favela.
Esse mecanismo é composto por uma roda com trinta centímetros de diâmetro, que está ligada a um alternador de carro por uma correia. O alternador, ao girar com a roda, gera energia que fica armazenada numa bateria, também de carro. Da bateria sai o cabeamento que se liga às lâmpadas. Este cabeamento está envolto por canaletas que se assemelham à mangueiras, que seguem as fachadas das casas que faceiam as vias iluminadas. A escolha por este tipo de conduite se deu por sua maleabilidade, podendo se adaptar à organicidade do desenho das ruas e vielas.
Como a construção deste protótipo não foi in loco, tivemos que adaptar sua base, uma vez que não haveria como fazer a fundação proposta. Os outros elementos do protótipo, no entanto, são como o desenho.
Um destes mecanismos consegue gerar energia o suficiente para acender quatro lâmpadas de 12V. O projeto conta com setenta lâmpadas. Então, seriam necessários dezoito módulos para iluminar os espaços da favela. As dimensões de cada módulo são de 80x200x100cm. A implantação destes módulos ocuparia área pouco significativa comparada com as dimensões da favela e linhas de trem.
O desenho deste mecanismo e sua relação com as condições locais reforçam o desejo de atingir um projeto que opere como uma alternativa de iluminação, independente de órgãos públicos. Para isso, é preciso que o objeto proposto tenha baixo custo de construção e manutenção, trazendo como contrapartida alta potência energética, relacionando-se com o trem de modo mais sutil e poético.
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