PASSAGENS – G02

1ª ETAPA

PASSAGENS
Arquitetura do espaço (e tempo) intermediário

Orientador
Martin Corullon

Orientador convidado
Ruben Otero

 

Passar, perpassar, pedir passagem, dar passagem, dar a preferência, ultrapassar, passar através de, repassar, transitar, perfurar, atravessar a nado, vadear, esguazar, tranar, transnadar, atravessar, cruzar, cortar, penetrar, permear, varar, enfiar, encadear, engranzar, flechar, furar de lado a lado, transfixar, espetar, traspassar, transpassar, percorrer, propagar, rasgar, romper, abrir caminho, abrir picada, abrir passagem, forçar a passagem, abrir fileiras, invadir, infiltrar-se, passar por aí, passar em branco, passar de pai para filho (hereditário), passar um café.

Passagem, tempo, velocidade, passagem de pedestre, passagem de som, passagem de ônibus, trânsito, passagem de ar, passagem de avião, passagem bíblica, texto, história, contação, transmissão, atravessamento, cruzamento, infiltração, corte, secância, traspasse, trespasso, permeação, interpenetração, penetração, transudação, infiltração, transfixão, intercorrência, ingresso, egressão, vereda, caminho, conduto, abertura, viagem, servidão, pedágio, atalho, erosão, época passada, experiência, passagem pela polícia, rito de passagem.

 

A passagem é sempre um caminho circunscrito por uma barreira.
(Ou, todo caminho não existente é uma barreira)

 

O indivíduo que pensa em passagem é na sua essência aquele que entendemos em História por sujeito moderno, isto é, um sujeito capaz de pensar em termos de mundo – seja em seus aspectos simbólicos ou mesmo territoriais. Em suma, é aquele que pensa sobre aquilo que acontece em um lugar onde ele não está. “É moderno aquele que é forçado a se perguntar o que fazem hoje os chineses e os islandeses”, afirma Peter Sloterdijk.

Isso nos faz pensar que somos seres capazes de imaginar mesmo aquilo que não está fisicamente ao nosso alcance. Em outras palavras: que somos capazes de projetar. No sentido do imaginário moderno, para se chegar de um lugar ao outro, conectá-los por um meio físico, constrói-se uma passagem, projeta-se um caminho.

O que acontece nos lugares de passagem? Apesar de estar contido no imaginário, o lugar de passagem é aquele que produz o confronto do sujeito com o desconhecido. Ao contrário do “lugar de estar”, o lugar de passagem é aquele em que se tem sempre alguém passando e que causa medo ao que o atravessa sozinho em meio àquilo que não lhe é familiar.

Este trabalho tem como intenção investigar as experiências de passagem materiais e simbólicas, que não só permitem a conexão de um lugar a outro, mas que abrem espaço para o encontro com novas relações na cidade; que provoquem a vontade de aproximar e passar àquele que a vê de longe; que nos permitam entender o mundo ao redor; e que aproximem lugares de forma em que seja possível caminhar confortável e convenientemente.

A arquitetura, portanto, é entendida não só como uma investigação sobre a forma de construir coisas, mas também sobre uma forma de dizer as coisas. Um discurso que incentiva a imaginação simbólica daquele que passa e vê. E assim, estabelece relações entre os corpos que passam e os corpos que permitem a passagem.

CLÉMENT LEVEQUE
Marelle, 2015

Deslocamento

Passagem implica simultaneamente movimento e estanqueidade. É a barreira estanque que bordeia o caminho quem permite o caminhamento fluido da passagem dos corpos no seu interior. Este estudo discorre sobre como criar conexões que ligam pontos na cidade, transições e intervalos por onde se caminha. Uma investigação sobre a coreografia dos deslocamentos urbanos, em busca das formas-movimento dos corpos de passagem no transcorrer do tempo.

Em princípio identificamos três formas fundamentais de movimento. São elas a linear, que liga um ponto ao outro de maneira direta, sem desvios; a circular, que retorna ao mesmo ponto passado um certo período, mantendo uma relação de equidistância a um eixo referencial; e a ondulatória, que também tem seu período de retorno, mas soma-se ao deslocamento linear ao longo do tempo, numa espécie de vai e vem.

tumblr_nn4hf0T0JT1uo9949o1_500

Procedimentos

A atuação do arquiteto está envolvida no projeto dessas possibilidades de deslocamento no espaço da cidade. A composição dessas espacialidades será dada através manipulação dos materiais escolhidos, em escala urbana, por procedimentos semelhantes aos da técnica escultórica: a adição, a subtração, a justaposição, a seleção, a mudança de estado físico, e inclusive o desenho e a pintura.

“Se tropeçássemos em um montículo num bosque, de seis pés de comprimento por três de largura, com a terra amontoada em forma de pirâmide, ficaríamos sérios e uma voz dentro de nós diria: ‘Aqui há algo enterrado’. Isto é arquitetura!”

– Adolf Loos, em On architecture

Materialidades flexíveis

A escolha dos materiais é para pensada dar conta de uma materialidade capaz de cumprir com a transitoriedade dos espaços, que permita além do surgimento das novas espacialidades, sua manutenção ou seu total apagamento. De início, escolhemos criar essas barreiras a partir de blocos de gelo, cuja materialidade é suficiente para sustentar fisicamente a estrutura das barreiras, e que com o próprio passar do tempo, ao mudar de estado físico, perde lentamente sua forma, desfazendo-se por meio de uma energia interior.

“Parece significativo numa época de rápidas transformações que se pense em espaços nos quais, mais do que uma alucinante e incessante destruição, seja necessária uma materialidade que absorva as alterações. Ao comparar os sólidos – nos quais o impacto é absorvido e a forma permanece inalterada – aos líquidos – nos quais ao impacto a forma se re-organiza assumindo outras configurações – Bauman fornece a metáfora desafiadora para uma arquitetura que se re-organize mais do que se destrua com os impactos naturais numa época de variações e mudanças.
(…)
Se o tempo da modernidade líquida exige espaços ágeis em transformação,
que materialidade pode desenhar esses fluxos?
Ou, em outras palavras, que natureza de materialidade pode permitir
uma arquitetura mais do tempo que do espaço
e, desse modo, permitir uma arquitetura que se transforma no tempo e no espaço
sem abrir mão de sua materialidade?
E ainda, em torno de que estabilidades o movimento ocorre?”

– Marta Bogéa, em Cidade Errante

exercito_de_gelo

NELE AZEVEDO
EXÉRCITO DE GELO, 2013

 

Programa

Criar lugares de estar transitórios e flexíveis, num trabalho de caráter experimental com a linguagem arquitetônica, estabelecendo barreiras que proporcionam novos caminhos, a partir de um olhar crítico sobre a paisagem urbana e seus caminhos.

As expectativas do projeto estão em torno de abrir espaço para a invenção de relações, ritmos e distâncias no cotidiano da cidade; criar elos entro cada corpo e o coletivo e, ainda, entre o corpo, seu passado e seu devir: elos capazes de perturbar a confortável indiferença que os separa; religar o corpo às suas potências e às suas virtualidades: conectá-lo com a espessura da história e abri-lo ao imponderável.

 

León Ferrari. Espiral c. 1982, 2007 Da série Heliografias, Coleção Tate Modern

León Ferrari
Espiral c. 1982, 2007
Da série Heliografias,
Coleção Tate Modern

Um lugar

A proposta inicial é investigar os movimentos e passagens ao longo da Rua 7 de abril, no Centro de São Paulo, de grande movimentação em dias úteis, porém drasticamente vazia de movimentos nos finais de semana. O conflito urbano é criado pelo encontro pedestres, carros, caminhões e bicicletas de passagem, num espaço relativamente estreito do Centro de São Paulo.

Hipótese de trabalho

A perspectiva de que uma barreira seja capaz de criar uma nova passagem em detrimento da anterior ressalta a importância das passagem inexistentes, que não se alcançam por meios comuns do cotidiano, e destaca de maneira simbólica – mas também concreta – a memória de uma barreira existente.

Uma realização que está sempre em curso, porque faz parte do tempo ordinário, do mundo das coisas banais, que nunca está pronta e que precisa ser permanentemente re-construída.

 

11893919_10206949009591127_7504531187855190182_o

INTERVENÇÃO COM BARREIRAS DE GELO
RUA SETE DE ABRIL

 

11907158_10206948012646204_7376744798422436343_o

INTERVENÇÃO COM BARREIRAS DE GELO
RUA SETE DE ABRIL

 

 

2ª ETAPA

PASSAGENS
Arquitetura do espaço (e tempo) intermediário

Orientador
Martin Corullon

Orientador convidado
Cris Xavier

Viver em São Paulo é pensar em escala expandida e refletir sobre pontos da cidade que condensam suas práticas e sua maneira de ser construída. É nesse sentido que o trabalho procura tratar o tema “Passagens”, a partir de um vocabulário de interpretação e um repertório de procedimentos já estabelecidos na Etapa 1:

[programa]: bloqueios transitórios
[elemento construtivo]: blocos de gelo
[localização]: Rua 7 de abril

Porém, ao longo do desenvolvimento do trabalho, é também parte da tarefa colocar em questão cada uma das intenções de projeto, sempre buscando testar sua força e relevância com fins de interesse público.

Screen-Shot-2015-09-21-at-9.36.13-AM_CUT

León Ferrari
Passarelas, 1981
107 x 140 cm

 

Ao aplicar um olhar em escala expandida para a questão das passagens na cidade de São Paulo dentro dos parâmetros já estabelecidos inicialmente pelo grupo no trabalho, a passagem é considerada sempre um caminho circunscrito por uma barreira. Seguimos atrás das barreiras da cidade de São Paulo que constroem os grandes impedimentos aos corpos de passagem, num trabalho de pesquisa que busca definir quais caminhos a cidade esconde.

Untitled-1

Escolha recai sobre um grande enclave urbano; um lugar sem nome, marcado pelo encontro de alguns dos maiores eixos de mobilidade da cidade: Paulista, Rebouças, Dr. Arnaldo, Angélica e Consolação. Uma paisagem que oferece grande barreira na fisicalidade e no imaginário da cidade.

[programa]: conexões temporárias
[elemento construtivo]: andaimes
[localização]: Paulista X Consolação

Screen-Shot-2015-09-21-at-9.57.01-AM

Pela análise da arqueologia local, é possível notar por meio de uma série de imagens recuperadas de outras épocas que o enclave urbano se constitui pela sobreposição de duas malhas. A malha reticulada estabelecida ao longo das primeiras décadas do século 20, tinha sido cortada em 1967 pelo sistema de vias expressas para automóveis. Essa cicatriz permanece na cidade e opera como uma barreira cotidiana ao pedestre.

Através do caráter temporário de estruturas de andaimes, o projeto se configura em realizar a costura entre as duas malhas urbanas sobrepostas, por meio da construção de uma conexão entre os pontos relevantes desse cenário urbano, fazendo a transição entre cotas das grandes avenidas.

 

 

eixos

O trabalho segue então o caminho de investigar atitudes efêmeras capazes de fortalecer a ação do pedestre diante desse enclave urbano, de um modo a permitir a passagem espacial por entre áreas que atualmente são úmidas e sombrias e que obrigam o transeunte a conviver com o desconhecido. A abordagem vai no sentido de uma procura pela apropriação dos elementos cotidianos da situação urbana local e gestos sutis que reconfiguram o espaço.

 

Com isso, estão entre os objetivos do projeto:

  • Domesticar o trânsito dos carros para o convívio com o pedestre
  • Revelar por meio de uma arqueologia urbana aquilo que a cidade é capaz de dizer ao transeunte
  • Reestabelcer passagens importantes de maneira que possam ser lidas no imaginário histórico e na paisagem local
  • Desfazer-se dos excessos e religar conexões perdidas com o crescimento desordenado da cidade
  • Um local permeável às mudanças ao longo do tempo na cidade

 

3ª ETAPA

Proposta para um lugar sem nome

Orientador
Martin Corullon

Orientadores convidados
Marcos Boldarini

A passagem é sempre um caminho
circunscrito por uma barreira.

 

A passagem implica simultaneamente movimento e estanqueidade. É a barreira estanque que bordeia o caminho quem permite o caminhamento fluido da passagem dos corpos no seu interior. Este estudo discorre sobre como criar conexões que ligam os pontos da cidade isolados por barreiras, com o objetivo de propor transições e intervalos por onde se possa caminhar. Uma investigação sobre a coreografia dos deslocamentos urbanos.

Em São Paulo, as modificações urbanas se sobrepõem, fazendo com que o pensamento sobre o espaço urbano ocorra numa escala expandida a partir das especificidades que cada espaço tem em seu tempo histórico. Para abordar a questão das passagens na cidade, inicialmente foram estabelecidos os parâmetros no sentido de buscar as barreiras de São Paulo que operem como grandes impedimentos aos corpos de passagem, num trabalho de pesquisa que buscou encontrar quais caminhos a cidade esconde.

O passo seguinte foi criar lugares de estar transitórios e flexíveis, estabelecendo barreiras que proporcionam novos caminhos, a partir de um olhar crítico sobre a paisagem urbana e seus caminhos existentes. Abrir espaço para a invenção de relações, ritmos e distâncias no cotidiano da cidade; criar elos entre cada corpo e o coletivo e, ainda, entre a cidade, seu passado e seu devir, de um modo capaz de perturbar a confortável indiferença que os separa.

Assim, este trabalho tem como intenção investigar as experiências de passagem, que não só permitem a conexão de um lugar a outro, mas que abrem espaço para o encontro com novas relações na cidade; que provoquem a vontade de aproximar-se e passar àquele que a vê de longe e que aproximem lugares de forma em que seja possível caminhar confortável e convenientemente.

Nesse sentido, a escolha do lugar recai sobre um grande enclave aos pedestres na cidade. Um espaço que carece de um nome próprio, marcado pelo encontro de alguns dos maiores eixos de mobilidade da cidade e pela total ausência de possibilidades àquele que se transporta movido pelo próprio corpo: o eixo oeste de ligação da Avenida Paulista, que faz conexão com a Rua da Consolação, Av. Rebouças e Dr. Arnaldo. Uma paisagem que oferece grande barreira tanto na fisicalidade quanto no imaginário da cidade.

Este trabalho investiga atitudes capazes de fortalecer a ação do pedestre diante das barreiras urbanas, de um modo a permitir a travessia espacial por entre áreas que atualmente são úmidas e sombrias e que obrigam o transeunte a conviver com o desconhecido. A abordagem vai no sentido de apropriar-se de elementos cotidianos da situação urbana local e gestos sutis capazes de configuram o espaço.

A análise histórica mostra que a conformação local é dada pela sobreposição da malha reticulada original com o conjunto de vias expressas para automóveis, construído nos anos 1960. Essa cicatriz permanece na cidade e opera como uma barreira cotidiana ao pedestre.

Dessa maneira, o desafio do projeto está em (1) domesticar o trânsito dos carros para o convívio com o pedestre; (2) desfazer-se dos excessos e religar conexões perdidas com o crescimento desordenado da cidade; (3) reestabelecer por meio de uma arqueologia urbana aquilo que a cidade é capaz de dizer ao transeunte por meio da paisagem local.

A perspectiva de que uma barreira seja capaz de criar uma nova passagem em detrimento da anterior ressalta a importância das passagens inexistentes, que não se alcançam por meios comuns do cotidiano, e destaca de maneira simbólica – mas também concreta – a memória de uma barreira existente.

É importante ressaltar que toda essa conquista é possível ser feita sem que o deslocamento dos carros tenha qualquer prejuízo. São mantidas as direções de deslocamento do sistema viário, que foram apenas adaptadas.

Entende-se que quando estas vias de ligação foram implementadas havia uma intenção de que o movimento dos carros fosse prioritário nos deslocamentos da cidade. Por isso, os túneis e acessos têm um profundo caráter de vias expressas ¬– com velocidade máxima maior que as das vias ao redor e sem acessos laterais diretos. Porém, quando encalacradas no meio da cidade, elas não cumprem ao todo o seu papel de vias expressas, pois ­– como é o caso – as vias conectadas a esse nó urbano são intrincadas por uma diversidade de fluxos que não contribui para que os elementos desse conjunto possam de fato operar como vias expressas.

Portanto, o projeto propõe que a ligação dessas grandes avenidas também mantenha caráter semelhante ao dos eixos viários majoritários, permitindo assim também um diálogo mais brando com a cidade e uma permeabilidade maior à transversalidade pelo pedestre.