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OCUPA SP

Ocupações de terras improdutivas, de imóveis ociosos, de praças, estradas, escolas e instituições: modos de resistir ao desmonte social e fazer ouvir necessidades de grupos muitas vezes ignorados pelo Estado e pela opinião pública. Parcelas da sociedade civil que enfrentam o desafio de se auto organizar, e que muitas vezes não podem contar com amparo externo. Radicalidade para tempos de crise política e econômica, envolvendo o espaço e os próprios corpos como instâncias últimas de ação quando outros meios de negociação se esgotaram.

Como as ocupações se formam e se expandem? Como evidenciar os conflitos dessas áreas para além de suas fronteiras? Como o Estado ou o mercado atuam e podem atuar junto a estes movimentos? Qual a contribuição da arquitetura frente às suas demandas e necessidades? O que as ocupações ensinam para o restante da cidade?

Para o próximo semestre do Estúdio Vertical espera-se que os alunos e professores se aproximem do tema das ocupações. De modo mais direto, os trabalhos poderão estudar experiências concretas ou realizar propostas para ocupações novas ou existentes. De modo indireto, os alunos poderão mobilizar o repertório de questões envolvendo as ocupações para pensar a cidade de uma forma mais ampla.

Diversos acontecimentos que aspiram à resistência e emancipação têm assumido a forma de ocupações, no Brasil e no mundo. Em nosso país, vale citar as ocupações no campo pelo Movimento Sem Terra sobretudo a partir dos anos 1980, bem como as ocupações dos sem-teto em São Paulo despontando no fim dos anos 1990. Mais recentemente, tivemos também as ocupações de escolas pelos estudantes secundaristas, ocupações das estradas pelos caminhoneiros e ocupações de edifícios e espaços públicos realizadas por coletivos de arte e cultura. No âmbito mundial, muitos movimentos sociais assumiram a forma de ocupações: os protestos antiglobalização do início do século em Seattle e outras cidades, a Primavera Árabe, os movimentos Occupy nos Estados Unidos, entre outros.

Porque as ocupações se tornaram recorrentes em nossos dias? Para sugerir alguns temas fundamentais, contaremos com uma bibliografia sintética e indispensável, composta por três textos.

Em primeiro lugar, o posfácio de Anne Vièle para o livro Feitiçaria Capitalista faz uma boa síntese do que pode ser visto como o pano de fundo que justifica o surgimento das ocupações: um cenário de crise perene, de acirramento dos processos de exploração, em que o poder da economia global se sobrepõe cada vez mais ao dos Estados nacionais. Quando as instituições públicas são vistas como fracas ou coniventes em relação à reprodução de injustiças, as ocupações apontam para outros mundos possíveis — mesmo visando o aqui e o agora, mesmo passando ao largo de leis e normas estabelecidas. Esse caráter controverso das ocupações muitas vezes obriga os grupos envolvidos a insistir na diferença entre ocupar e invadir, para mostrar que aspiram à legitimidade.

A segunda leitura é um texto de Certeau sobre o modo de agir tático, certamente necessário para inaugurar e manter muitas ocupações. O autor propõe uma oposição entre a estratégia — típica do Estado e de quaisquer organizações que gozam de um lugar, um saber e um poder próprios — e a tática — reservada aos que se veem compelidos a agir no espaço do outro, por meio do improviso e da astúcia, captando vantagens em pleno voo. Desenvolvendo-se ao longo do tempo, a tática em alguma medida escapa do poder exercido pela estratégia por meio do espaço, e prova que os processos de dominação nunca são completos ou definitivos. Mas é bom lembrar que estes dois modos de agir não existem em estado puro: uma ocupação que se apodera de um lugar precisa lidar com os problemas da estratégia, assim como o Estado também possui suas formas táticas de operar.

O texto do filósofo Hakim Bey está em terceiro lugar e discute a noção de Zona Autônoma Temporária. Ele nos ajuda a pensar que uma ocupação, como realidade externa às normas vigentes, precisa inventar inclusive formas locais de organização social e política, frequentemente voltadas a criar e nutrir vínculos entre iguais — o que não significa que não haja conflitos e assimetrias de poder, face à necessidade de perseguir objetivos comuns. As experiências podem ser radicais, não se limitando a formas de resistência ou confrontação, constituindo-se também como realidades paralelas e alternativas, capazes de operar deslocamentos laterais e imprevistos nas relações de força. Mesmo assim, uma zona autônoma é temporária no sentido de visar transformações possíveis num tempo presente: mesmo que perdure, ela não pode ou não almeja conquistas universais ou definitivas, à diferença do que ocorre no caso das revoluções.

Este amplo conjunto de variáveis mostra que as ocupações se dão de formas e com objetivos os mais diversos. Elas não podem ser resumidas a um modelo geral ou saída necessária e suficiente para os impasses contemporâneos, mas são experimentos particulares de alta potência a partir dos quais muito pode ser dito, pensado e conquistado.

 

 

Imagem de capa: Estruturas Termômetro – SP, colaboração de São Paulo para o “Planning for Protest”, Vapor324. Projeto executado para a Trienal de Arquitetura de Lisboa.
http://vapor324.com/projetos/termometros