G41 | AMÉRICA

AMÉRICA

Flávia Shimura, João Marujo, Luiz Eduardo Solano e Marina Carvalho

 

A casa e o bairro jardim

“(…) de 1919 a 1940, a CITY, através da publicidade, vale-se da ideologia da casa própria como um dos pontos fundamentais para a realização da venda de suas propriedades, prometendo aos seus clientes um novo estilo de vida, em bairros modernos, conforme as novas diretrizes europeias e norte-americanas. O zoneamento dos loteamentos era imposto por contratos elaborados pela própria Companhia CITY, (…) garantindo seu caráter estritamente residencial. O isolamento das casas, tendência até então pouco acentuada no país, foi estimulado pela CITY.”1

São Paulo é uma cidade que não se permitiu à congestão. A extensiva exploração do solo urbano, característica da atuação da CITY em São Paulo, configurou uma cidade pouco densa e cujas distâncias superam qualquer possibilidade de total acesso aos bens que produz. Bairros estritamente residenciais de casas unifamiliares são um dos instrumentos de distanciamento e segregação sob os quais a cidade se construíu, bairros cujas fundações são marcadas tão somente pelas aquisições dos terrenos e pelo início dos loteamentos.

Essas tipologias próprias dos subúrbios se verificam hoje no centro da cidade, e apesar da mancha urbana ter superado em muito seus limites, mantêm-se impermeáveis à cidade através dos instrumentos de tombamento aplicados nos anos 1980 pelo CONDEPHAAT, cujo então relator, arquiteto Carlos Lemos, já fazia considerações quanto aos critérios e problemas do tombamento de bairros da cidade: “No entender do relator, o tombamento deveria se restringir ao JARDIM AMÉRICA em razão da “importância histórica do pioneirismo de Barry Parker”, o primeiro a executar nas Américas um traçado urbano nos moldes das chamadas ‘cidades jardins’, por volta de 1912. O traçado histórico seria a motivação do tombamento e o ‘verde’ mero ‘bem aderente’ e nunca o motivo principal do estatuto do tombamento” (fl. 84)”.2

 

 

Jardim América

Colocamos o JARDIM AMÉRICA sob a possibilidade de projeto.

O JARDIM AMÉRICA, modelo para o desenvolvimento dos bairros jardim da CITY, teve seu projeto deturpado desde a sua implantação por uma elite avessa aos efeitos da condição que essa tipologia de ocupação cria ao ser superada pela mancha urbana da cidade – a condição de uma cidade segregada e portanto, violenta – e vê na supressão do espaço público e coletivo a possibilidade de evitar o lugar do convívio, que é por excelência, o do conflito. Nossa intervenção trabalha com a subtração do excesso construtivo e a inserção de um elemento estranho ao conjunto urbano e, finalmente, aplica duas constantes da cidade: o conflito e o contraste.

Entendemos que a cidade é construída sob a lógica do excesso e da acumulação e reconhecemos os bairros jardins como a possibilidade da conservação do intervalo da urbanização. Não modificamos a condição urbana do bairro mas reforçamos suas características de modo a torná-las mais claras e evidentes. Organizamos a coexistência de figuras arquitetônicas através do projeto, diferentes partes agora passam a pertencer ao mesmo plano, de modo que a condição de patrimônio histórico pelo qual o bairro se mantêm atinja uma mais clara síntese e a possibilidade do uso público dos elementos que o compõe: casas, traçado viário, conjunto arbóreo, monumentos, igrejas e edifícios de relevância arquitetônica.

A lâmina é o elemento ortogonal que aumenta o contraste tanto com o traçado quanto com as casas. É a linha no plano composto por pontos e pelo desenho orgânico das ruas. É o fundo branco às casas que restam do conjunto urbano anterior, acentuam a sua volumetria e desenho em resposta ao conjunto arbóreo e à elas mesmas, de modo que “A clara identidade arquitetônica e a generosidade dos espaços coletivos e dos espaços que elas configuram se opõem à individualização das residências metropolitanas burguesas.” 3

Organizamos a residência horizontal em edifícios de economia formal e de linguagem simples e clara, de modo que tal abstração retire das casas unifamiliares a individualidade exacerbada pelos diferentes estilos e manifestações decorativas, restringidas agora a outros usos que não o residencial.

São 7 linhas de lâminas construídas de forma muito simples e regular, sem exageros formais ou estruturais. O que de certa forma impressiona pela dimensão não é nada além do mais simples modulo estrutural capaz de suportar dois pisos acima da terra reproduzido à exaustão.

Nos aproximamos da dialectic city de Oswald Mathias Ungers, não da Collage City de Colin Rowe, que supõe que uma condição fundamental da cidade seja superada, o conflito. Em Ungers, o critério de composição não se reduz à um mero exercício morfológico mas implicado por um amplo contexto cultural e político, centro da sua ideia de cidade como partes contrastantes.4

Assim, a diferença não se dá pela acumulação de arquiteturas, símbolo da cidade das políticas de livre-mercado, mas pela tensão dialética entre diferentes espaços da cidade – casa, o clube, a lâmina, o jardim e o traçado viário – produzida pela justaposição de formas simples.

 

1 “Proposta de alteração da resolução de tombamento do bairro do Pacaembu” – Processo 59374, CONDEPHAAT, São Paulo, 23 de março de 2009.

2 BACELLI, Roney. A presença da Cia. City em São Paulo e a implantação do primeiro bairro jardim. São Paulo: Policia Militar do Estado de São Paulo, Secretaria Municipal de Cultura, Departamento do Patrimônio Histórico, 1982.

3 AURELI, Pier Vittorio. The city within the city – Oswald Mathias Ungers, OMA, and the project of the city as archipelago. In: The possibility of an absolute architecture. MIT Press, 2011.

4 Idem.