G31 | São Paulo – cidade contemporânea

05.04

Entendemos a cidade atual como dimensão material intrínseca à sociedade, sendo a somatória das transformações e decisões históricas (nos apropriando das leituras de Bernardo Secchi e Milton Santos). Todas as teorias e instrumentos urbanísticos que, cada qual com seu diferente grau de impacto influenciaram a concretizar a cidade de São Paulo como a vivemos hoje, são estudadas minuciosamente ao longo dos anos de nossa formação acadêmica. Portanto gostaríamos de nos apropriar da dimensão prática da disciplina e da provocação de Tschumi na temática do semestre propondo a arquitetura não como conhecimento da forma, mas sim como forma de conhecimento, para nos atentarmos aos processos transformadores da cidade contemporânea. Olhar para a cidade para entender o urbanismo.

Vamos considerar a cidade contemporânea como sendo a realidade momentânea do meio urbano em constante transformação. Não como conceito fechado de características e valores pressupostos, mas entendendo São Paulo comparativamente com outras realidades urbanas da rede globalizada, com seus diferentes graus de inserção e influência. Tomando por urbanista o profissional graduado no ensino superior, com conhecimento técnico e teórico, ou seja nós, na prática profissional. Em contrapartida com os atores urbanísticos, sendo esses, os protagonistas dessa constante modificação do meio urbano, sejam eles políticos, técnicos, economistas ou dos diferentes fragmentos da sociedade civil em diálogo.  Por fim entenderemos o urbanismo contemporâneo como sendo essa disciplina que não se abstêm aos limites de uma disciplina científica específica, mas transita entre todos os campos do conhecimento e da prática, cuja metodologia de abordagem é transacional, bottom-up e top-bottom complementando-se, apropriando-se da cidade informal tanto quanto formal como objeto de aproximação e intervenção.

 Partindo dessa contextualização, não propomos um recorte espacial, mas um recorte temporal, tomando desde marco legal do Estatuto da Cidade (2001) como início da democratização da questão urbana até hoje (2018). Gostaríamos de, a partir de exemplos de situações de disputas territoriais da transformação de São Paulo, revisar e complementar essa primeira esquematização dos agentes, seus interesses, e os instrumentos de que se valem. Para isso propomos duas frentes; o estudo de casos e o estudo dos instrumentos urbanísticos. Baseando-nos em entrevistas, já nos aproximando do discurso narrativo empregado por cada agente, combinando-as com uma metodologia de amostragem geográfica dos casos escolhidos para não reforçar o foco histórico e midiático na cidade formal. Procuraremos construir e adaptar nossa metodologia conforme nosso objeto de estudo, São Paulo, sem pretensões modernistas de abarcar uma aproximação da cidade contemporânea genérica, o que seria por si só, contraditório. Por fim, sabendo da infinitude de questões de cada caso, e da superficialidade com a qual teremos de tratar cada instrumento para conseguir abarcar sua amplitude nesse curto período de tempo, assumimos o caráter processual da construção do conhecimento.

 

 

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10.05

Dentre a gama de acontecimentos e discussões em pauta que levantamos na última banca como sendo o que entendemos por urbanismo contemporâneo de São Paulo, cada integrante do grupo escolheu um caso para estudo por afinidade de interesse. Enquanto conjunto, procuramos não sobrepor temáticas ou implantações, de forma a levantar problemáticas de uma dinâmica urbana a partir de um exemplo específico. Sabendo contudo, que qualquer outro exemplo da mesma “dinâmica” poderia abarcar outros agentes, instrumentos e consequências.  Cada uma teve sua trajetória de aproximação e aprofundamento e, de modo geral, podemos dizer que transitamos entre as perspectivas narrativas dos agentes que estipulamos.

Estudamos os jogos de poder, projetos e programas públicos, leis, interesses civis e econômicos assim como seus principais protagonistas na questão da habitação na periferia, com o caso da Favela de Paraisópolis, da habitação no centro, com a ocupação do hotel Cambridge, da preservação do patrimônio com a vila Itororó, da implementação de infraestruturas, com o enterramento dos fios elétricos e, por fim dos desdobramentos das legislações nos empreendimentos imobiliários, com o estudo do jardim das perdizes.

Não sintetizamos relações diretas entre os agentes de um caso e outro. Observamos porém, uma relação temporal de diálogo e negociação ou conflito interna ao caso. Que evolui desde antes do nosso recorte temporal até o quadro que observamos hoje e congelamos para análise e registro. A cidade, apesar de ser intrínseca à sociedade, essa, em um ritmo cada vez mais acelerado de transformação, evolui em outro tempo. Em que uma nova dinâmica hoje trará impactos de escala significativa em cinquenta anos, como observamos com os movimentos para moradia da década de setenta e seu desencadear no caso do Cambridge hoje.

       

Conseguimos também estabelecer relações indiretas entre os instrumentos dos casos. Como as operações urbanas no Jardim das Perdizes e no enterramento dos fios da Avenida Faria Lima. Podendo a partir disso questionar o parâmetro de “sucesso” desse instrumento, e então, seus objetivos. Os estudos analíticos dos casos em si não geraram um “exercício de urbanismo” stricto sensu. Passaremos na tangente do projeto propositivo, do modo de pensar arquitetônico; linear, objetivo e conclusivo.

Mas o estudo sintético que consegue chegar uma conclusão sobre o processo e as informações reveladas produz um conhecimento que já não estava embutido nele mesmo. Isso seria um exercício sobre o modo de pensar do urbanismo contemporâneo. Em que a proposição ou o posicionamento não seja o fim, mas o diálogo transacional entre os protagonistas, colocar em pauta é o fim. Nos apropriamos da crítica à razão pura de Kant para entender que esse estudo se baseará em subjetividades, perspectivas e narrativas de uma realidade pura inatingível. Longe de uma verdade absoluta ou um manifesto, queremos que esse processo experimental nos faça exercitar nosso juízo sobre essas perspectivas que escutaremos ou deixaremos de escutar na construção do entendimento dos casos. Pois a partir desses estudos esclarecemos indiretamente os possíveis campos de atuação e o papel do urbanista nesse jogo de poder da transformação urbana. Essa escuta e esse juízo retroalimenta o questionamento sobre nossas escolhas, opiniões e posicionamentos pessoais.

Chegamos à conclusão nessa etapa, que nosso processo é experimental. Não faz sentido seguirmos uma amostragem geográfica, científica ou empírica em busca de uma metodologia. Justamente essa liberdade de experimentação nos fez concluir que a riqueza do estudo não está no esgotamento dos detalhes. Mas na síntese da discussão que deles decorrem. Usando o Contracondutas e outras referências aceitamos o objetivo-fim do trabalho como sendo o registro desse processo, espacialização dos conceitos suas relações a partir das discussões dele decorrentes. Nessa etapa, ainda estamos no início desse exercício de síntese gráfica e da subversão do modelo objetivo que criamos.

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25.06

Após a imersão nos estudos de caso da etapa intermediária do trabalho, fomos questionadas a seguir com um caso só. Para supostamente darmos conta da complexidade. Isso, porém era contrário a nossa vontade de abarcar a simultaneidade da Cidade Contemporânea e questionar o modo simplista de aproximação direcional macro-micro conclusivo-propositivo arquitetônico que erroneamente aplicamos aos exercícios de urbanismo. Os casos são o conhecimento sintético(1) empírico que retroalimenta o conhecimento teórico analítico. E precisávamos mantê-los como tal. Outro recorte implicaria outro grau de aproximação detalhamento e complexificação de um zoom in ou out infinito.(2)

Até a segunda entrega estávamos graficamente muito presas ao diagrama circular, ainda que já tínhamos começado a distorcê-lo, esteticamente. Já tínhamos começado a perceber relações entre os agentes e instrumentos nele colocados. Precisávamos de um suporte menos rígido, que favorecesse melhor o entendimento do conteúdo que discutimos; da cidade contemporânea. Que o representasse de fato em sua heterogeneidade simultânea e complexa. Estávamos tentando negar nosso instrumento inicial e nos libertarmos dele para conseguir evoluir.

Ainda sobre a relação intrínseca entre conhecimento e sua representação, foi citado em uma orientação o processo de estudo da estrutura do genoma humano. Quando a equipe de pesquisadores e cientistas se viu estagnada no seu progresso, foi contratada uma equipe de artistas plásticos. E juntos chegaram à tridimensionalização do DNA que conhecemos hoje.(3)  

A questão do tempo também voltou a surgir. Da nossa conclusão da segunda entrega que os agentes e instrumentos negociavam entre si, estabelecendo relações de influência direta apesar dos interesses opostos, e se modificaram em função do tempo. Precisamos estabelecer uma linha do tempo para cada caso, para organizar as informações e desenvolvimento dos acontecimentos e interesses. Para, por fim, entender que nossa premissa de recorte temporal também não fazia sentido. Nos apropriamos da analogia de Deleuze transformando o sentido de temporal linear em rede rizomática.

“não estamos diante de uma mera alteração no sentido da flecha do tempo, mas de uma explosão da flecha do tempo. É a abolição da ideia mesmo de uma flecha, de uma direção, de um sentido do tempo, em favor de uma multiplicidade de ‘flechas’ […] como dois momentos da vida longínquos segundo uma linha do tempo agora tornam-se contíguos, ou mesmo coincidem – ou ao contrário, dois pontos a princípio vizinhos agora se afastam irremediavelmente. Como se o tempo fosse uma grande massa de argila, que cada modelagem rearranja as distâncias entre os pontos nela assinalados”(4)

Cada caso era uma modelagem diversa dessa massa temporal, contendo simultaneamente, no agora seus diversos acontecimentos passados. Tornando muito mais clara, assim, a noção de palimpsesto da Cidade Contemporânea. Conceito que já tínhamos colocado como premissa no início do semestre, sem ter entendido verdadeiramente no que ele implicava em sua concretude.(5) Em uma imagem simples:

“O carro, por sua vez, é um agregado disparatado de soluções científicas e técnicas de épocas diferentes, que pode ser datado peça por peça. Tal peça foi inventada no início do século; tal outra, há dez anos; e o ciclo de Carnot, há duzentos anos. Sem contar a roda, que remonta ao neolítico. O conjunto só é contemporâneo pela montagem.”(6)

O suporte do rolo surgiu por termos assumido o processo como produto final.(7) Ele permitiu que entendêssemos melhor o caso umas das outras. Não era mais cada uma com seu caderno e estudo de caso possuindo sua parcela de conhecimento. Estabeleceu um diálogo, um produto comum. Concretizando as ideias e reflexões teóricas consequentes dos estudos de casos concretos, até então soltas. Isso para nós foi muito importante para começarmos a nos apropriar do que entendemos por modo de pensar do urbanista contemporâneo.

Um projeto coletivo de cidade. Dessa sociedade de identidades, interesses e demandas heterogêneas, que precisa encontrar minimamente um projeto comum para seguir em sua contínua transformação, em uma escala que não seja apenas a da chamada acupuntura urbana.(8) Abandonando a ideia do gênio autoral propositivo moderno, conclusivo, estável e generalizante. Para abraçar a imagem do maestro que relaciona os interesses, demandas e possibilidades já existentes.(9)(10) Discussão já abarcada por outras disciplinas ou escalas como na arte em A obra aberta de Humberto Eco ou Escultura no campo ampliado de Rosalind Krauss. Pela própria arquitetura que se vê em uma transição entre uma geração de arquitetos associados em escritórios sólidos reconhecidos por uma série de projetos extremamente autorais para a era dos freelancers e espaços de trabalho tipo coworking.

Explodindo essa responsabilidade, disfarçada de reconhecimento, para o coletivo. A cidade, assim como a arquitetura pode permitir ou negar certos tipos de apropriação, “Assim, indiretamente, […] ao fazer a cidade o homem refez a si mesmo”(11) mas a mentalidade e a dinâmicas pessoas não muda automaticamente a partir dessa permissão e isso não é uma falha técnica ou de desenho é apenas a explicitação de que essa apropriação exige outro trabalho complementar. O arquiteto ou urbanista é um profissional que detém um conhecimento técnico específico, mas ele não não precisa, nem pode deter a verdade sobre a realidade que está diante dele para que ele remodele, é o cliente ou morador ou a população através de sua experiência que a transmite. O papel do técnico então é traduzir em demandas.

Em suma, pós-digressão teórica; o amálgama do trabalho em equipe, ao longo da faculdade, sempre foi o desenho propositivo, projetual. E como nos propusemos a concluir essa reflexão sem chegar a uma proposição projetual para não nos contradizemos, o diagrama rizomático foi nossa forma de amarrar nossas discussões teóricas.

Num rizoma, entra-se por qualquer lado, cada ponto se conecta com qualquer outro, ele é feito de direções móveis, sem início nem fim, mas apenas um meio, por onde ele cresce e transborda, sem remeter a uma unidade nem dela derivar, sem sujeito nem objeto”(12)

O rizoma em si suscita um suporte que não é o do rolo, linear progressivo ou da apresentação de slides com começo meio e fim. Por isso o suporte de madeira com as cinco pranchas pivotantes. De um lado os cinco estudos de caso, do outro o processo, as reflexões, negações, retornos. Permitindo as diversas leituras e a dinâmica da contemporaneidade. O mais próximo que chegamos do vórtex ao qual fomos provocadas.

Vimos que tentamos ao longo do processo como manifestos negar e “evoluir” metodologias, nossos suportes etc. Mas que no fim, as provocações iniciais não foram negadas ou deixadas de lado pelas escolhas dos caminhos que seguimos. Pois, indiretamente foram respondidas.

O processo começa com um olhar e um modo de fazer com o qual fomos acostumadas durante nossa formação, que tenta se reinventar experimentalmente se aproveitando da ingenuidade e desprendimento crítico da nossa posição de estudantes.

O diagrama circular planificado e rígido e tosco foi necessário para estabelecermos o que queríamos olhar desse vortex, o que nos interessava e o que iriamos nos atentar na reunião de informações e opiniões sobre o casos. Se apropriando da analogia com a cadeia alimentar didática linear e limitada em comparação com as referências “ultrapassadas”(13) modernistas que vemos agora como necessárias para então dar o outro passo em direção ao entendimento da complexidade real, seja da cadeia alimentar(14) ou relações urbanas rizomáticas.

Mas acima disso, aproveitamos a riqueza de ter esse tempo e espaço que a disciplina proporciona dentro da academia aberta e disposta a questionar e remodelar suas próprias lógicas.  

“Ao perceber que somos limitados pelo que nos é dado conhecer, não podermos conhecer a verdades sobre o mundo “como ele é em si”. Isso porque percebemos e pensamos o mundo de formas determinadas. Assim, é capital estudar como o conhecimento pode ser limitado, pois isso leva à suas possibilidades e suas aplicações reais.”(15)

(1) KANT, Immanuel. Crítica à razão pura. em https://www.todamateria.com.br/immanuel-kant/, consultado em jun/2018.

(2) KONINK, Paul de. Mouse’s Neuronal Network. e Max Planck Society. Millennium Simulation. em LIMA, Manuel. A visual history of human knoledge. TED2015 em: https://www.ted.com/talks/manuel_lima_a_visual_history_of_human_knowledge#t-455821, 2015. 12’.

(3) TONETTI, Carol.

(4) PELBART, Peter Pál. Rizoma temporal. Editora da Cidade, São Paulo 2017. p. 29 e 35-36.

(5) SECCHI, Bernardo. Primeira Lição de de Urbanismo. Editora Perspectiva, São Bernardo do Campo, 2016. p. 91.

(6) PELBART, Peter Pál. Rizoma temporal. Editora da Cidade, São Paulo 2017. p. 14-15.

(7) MARIOTTI, Gilberto; BAROSSI, Joana. Contracondutas, ação político-pedagógica. Editora da Cidade. São Paulo, 2017. Post Factum p. 594-595.

(8) RISÉRIO, Antônio. Viver a Cidade, transformar a vida urbana. Editora Cidade, São Paulo, 2016. p. 28-29.

(9) ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. Editora Romano Guerra, 2010. p.84-85.

(10) GARCIA, Natália. A maldição da única resposta certa. TEDxFloripa em https://youtu.be/GNaovn4ta7M, 2015.

(11) PARK, Robert em HARVEY, David. Rebel Cities. em RISÉRIO, Antônio. Viver a Cidade, transformar a vida urbana. Editora Cidade, São Paulo, 2016. p. 24.

(12) PELBART, Peter Pál. Rizoma temporal. Editora da Cidade, São Paulo 2017. p. 42.

(13) JACOBS, Jane. The death and life of great american cities. New York, Modern Library, 2011 Introduction p. 18.

(14) LAVIGNE, David. Cob Food Web. em LIMA, Manuel. A visual history of human knoledge. TED2015 em: https://www.ted.com/talks/manuel_lima_a_visual_history_of_human_knowledge#t-455821, 2015. 7’30”.

(15) KANT, Immanuel. Crítica à razão pura. em https://www.todamateria.com.br/immanuel-kant/, consultado em jun/2018.