G29_teatro luz

Ao se pensar a cidade, há uma inquietude que se mantém; um anseio de compreender como se dá a ocupação do espaço e, essencialmente, a forma de fazê-lo é a partir da escala do corpo. Reflete-se sobre o espaço que o corpo ocupa e o que isso representa para os dois lados do binômio corpo-espaço. Disso surge o interesse pela questão da proxêmica, como posto por Edward T. Hall: o estudo do uso do espaço pelas pessoas enquanto formação de cultura.

a proposta

Para direcionar esse questionamento e a consequente proposição, devemos entender como pensar o partido da ação a ser realizada.

escala

“ localmente com pequenas propostas, experimentações, ações em menor escala”

conexão

“ mais importante, conectá-las (as ações) entre si”

colocar em suspenso nossas certezas

“Perguntar aos outros o que eles pensam, submeter nossas certezas à verificação. Ir devagar, dar tempo para que experimentem: deixar suspenso.”

– Anne Vièle

o local

O Bairro da Luz surge como região nobre no centro da cidade no final do século XIX. A partir de questões que se apresentam desde a queda da economia do café e inicial desvalorização do bairro até a desativação do terminal rodoviário em 1982, passa por um processo de degradação urbana e social. A chegada do crack no início dos anos 90 trouxe uma nova dinâmica e tornou o local motivo de diversas ações do poder público, que acarretaram em mudanças ambientais significativas para moradores e frequentadores. A relação de consumo e comércio da substância se territorializou e potencializou o estigma da sociedade associado a este espaço, o que resulta na sua exclusão e daqueles que o ocupam.

“a cracolândia anda”

“De fato, ela anda. Uma leitura simples e direta de uma dinâmica que se sustenta para além da geografia. Nos últimos 11 anos, o fluxo movimentou-se por pelo menos onze posições no território: Rua Guaianases, rua do Triunfo, praça Júlio Prestes, Rua Mauá, esquina Helvetia com a rua Cleveland, rua Dino Bueno, Terreno demolido, esquina da rua Helvetia com avenida Rio branco, Rua dos Gusmões, Rua dos Gusmões com rua Guaianazes e rua Barão de Piracicaba. Uma média de uma localidade por ano. Considerando os deslocamentos anteriores a 2004 provavelmente passamos dos quinze. Além desses deslocamentos territoriais em determinados períodos, é rotina a circulação compulsória pelo espaço das pessoas que fazem uso de crack. Seja por pressão policial que coercitivamente produz uma movimentação inócua, ou por ações de limpeza urbana, que nos últimos 2 anos praticamente todos dias lavam as ruas e recolhem o lixo com caminhões pipas e do rápa respectivamente. Não se fica muito tempo no mesmo lugar, e tal circulação, independente do motivo, me remete ao nomadismo do modo de viver dos caçadores-coletores da antiguidade.”

– Thiago Godoi Calil

“Condições do lugar: Relações entre saúde e ambiente para pessoas que usam crack no bairro da Luz, especificamente na região denominada cracolândia.” Dissertação apresentada à Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

ocupação artística

As ocupações artísticas têm origem nos movimento situacionistas da década de 60. O termo se popularizou, ganhando novos sentidos e apropriações. Inicialmente a prática era associada a movimentos contraculturais que visavam contestar as instituições de arte, mas atualmente o que se nota é que se trata de um conceito que integra muitos sistemas de arte.

A ideia de ocupação, nas artes, está associada a uma morada temporária. Um período determinado em que um artista, um coletivo ou uma cia. estará presente em um local. Sejam teatros, galerias, espaços culturais ou espaços alternativos como fábricas, prédios ou terrenos desocupados; o que importa é ocupar, com arte. A ocupação artística tem a forte potencialidade de ativar espaços através de políticas culturais, em formatos de projetos ou propostas pontuais.

Cia. Mungunzá de teatro

“O teatro de Contêiner surgiu num momento em que nos demos conta de quantos terrenos públicos ociosos existem na cidade, ao passo em que muitas cias de teatro pagam um valor do qual não dispõe em locação de espaços para fazerem suas atividades que, na maioria das vezes, tem contrapartidas sociais. Ocupar um terreno público com um “equipamento” privado tem em si uma dialética. O espaço é de e para todos, mas existe um grupo gerindo essa programação e o pensamento das necessidades do território. Pensamos que teríamos uma sede e nós demos conta de que criamos um centro cultural.”

 

“O território em que nos localizamos, próximo à Cracolandia, pede respiro e ressignificação das relações. Pede mudança de paradigmas. Desde então nosso fazer teatral deu lugar a um fazer artístico/relacional. O processo como obra instaurou-se ali. As relações como obra aberta. Nesse território nada pode ser fechado, protegido, apartado. Os espetáculos vão ser invadidos pelo som e pelo cenário das ruas. Os ensaios serão interrompidos por brigas ali na calçada, ou pela criançada jogando bola ali na quadra.  As crianças chegam antes de nós no teatro pela manhã. Pulam o muro porque sabem que esse ‘parque de lata’ como chamam, pertencem tanto a elas quanto a nós”

 – Cia. Mungunzá

propósito

A questão quiçá de maior importância no que concerne a elaboração de uma proposta para ocupações (e não apenas a ocupação artística) é entender como se realizam as ações dentro dessa dinâmica. Um redesenho do espaço ocupado, digamos, pode representar uma análise e consequente compreensão do espaço aparentemente proveitosa, mas para quem? Qual é a força de uma ação meramente projetual no escopo da própria ocupação e das pessoas nela envolvidas?

Deste questionamento parte uma reflexão e o desejo de elaborar um projeto que atenda às necessidades reais da cia. Mungunzá e tenha impacto efetivo no espaço. Faz-se necessário compreender plenamente sua dinâmica: interesses, necessidades, limitações e potencialidades. Trata-se de estabelecer um diálogo entre o Estúdio Vertical e o Teatro de Contêiner, delineando uma intersecção entre os interesses do primeiro e as necessidades do segundo. Da concepção do projeto até sua aplicação de fato, o modus operandi é a sensibilidade do que é cabível e interessante para a realidade da Cia.

comunicação visual

Uma questão posta pelo grupo Mungunzá é como aquele espaço se apresenta. A relação entre os moradores da região e o teatro quase que se limita àqueles que já o conhecem, distanciando-se um pouco da própria proposta da Cia. de ser um espaço público, que funcione para aquelas pessoas. Desde relatos dos artistas, que contam que há quem passe por lá sem sequer saber que se trata de um teatro até a percepção de quem não o conhece e confunde sua estética com um estande de vendas de algum empreendimento imobiliário, entende-se que uma necessidade real é como fazer o espaço se comunicar por si só, bem como contar a história da própria ocupação.

Da discussão sobre gesto e viabilidade projetuais, surge a ideia de apropriar-se da empena do edifício abandonado, com um letreiro que se utiliza da incidência solar, aspecto marcante do terreno. Esse elemento se fará presente à luz do dia. Explorando a possibilidade de uma articulação de dois momentos, a empena também assumirá papel de anteparo para projeções na parte da noite, aproveitando assim recursos existentes de acordo com o momento que os propicie.

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Como as ocupações se consolidam e sustentam? O que ensinam para a cidade? Qual a contribuição da arquitetura frente às suas potencialidades e demandas? Como nós, enquanto estudantes de arquitetura, contribuiríamos de forma ativa e relevante com as suas dinâmicas?

As ocupações artísticas são forma de resistência cultural e promovem uma singular dinamização do espaço em que se inserem.

cia mungunzá e o teatro de contêiner

Ocupação artística situada no bairro da Luz, firmou contrato de concessão do terreno com o governo municipal em 2016. Partindo de um partido de integração com a cidade, a cia Mungunzá instalou-se na rua dos Gusmões, ocupando a esquina com a rua dos Protestantes com o “parque de lata”, como chamam as crianças da região, que usam o espaço externo livremente. Com volumes dispostos e estruturados por 11 contêineres, montaram um palco de 12m x 7,4m e uma platéia móvel que comporta 99 pessoas sentadas e 300 em pé. O centro cultural, cujo propósito é ser uma extensão da cidade, recebe todxs que por lá passam e vivem, abriga ensaios e exibições de produções próprias da cia. Mungunzá bem como de diversas outras.

“O território pede mais. Pede mediação de relações, de conflitos, pede uma programação livre, gratuita, com acesso democratizado. O território em que nos localizamos, próximo à Cracolândia, pede respiro e ressignificação das relações. Pede mudança de paradigmas. Desde então nosso fazer teatral deu lugar a um fazer artístico/relacional.”                                         – Cia Mungunzá   

 como intervir nesse espaço?

Como grupo, buscamos entender a dinâmica da ocupação, necessidades da cia., história e potencialidades do local. A idéia era estabelecer um diálogo para elaborar uma ação prática, palpável à compreensão empírica própria daquela realidade; além da análise e estudo da região e lote. O teatro ocupa a porção central do terreno. Ao fundo, um edifício de cinco pavimentos: antigamente um hotel, hoje uma construção abandonada como tantas que compõem a estética do bairro.

Uma problemática posta pela Mungunzá em uma de nossas conversas foi a questão da identidade e comunicação visuais. A questão seguinte era como abordar essa questão aproveitando-se da paisagem, sem despi-la de sua identidade? A região da Luz tem sua história e identidade definidas pelos elementos constituintes do seu desenho urbano. Das discussões sobre partido, tínhamos claro que qualquer intervenção visual que elaborássemos deveria dialogar com o meio. A empena do antigo hotel, elemento de verticalização do lote, projeta-se como tela ao mesmo tempo vazia, com potencial de apropriação, e cheia, como base de conservação e reiteração da memória de lá.

A primeira proposta era resolver a identificação do espaço no nível em que, para quem chega pela primeira vez, chega a ser difícil saber que o espaço é permeável. Essa fruição plena que sempre foi a proposta da cia. não se projeta assim para a rua, em decorrência das cercas, bem ou mal ainda necessárias onde estão.

A partir dessa reflexão acerca de uma efemeridade da escala do objeto que se traduz, em contraponto, em uma perenidade da escala da região, o mote de intervenção seria comunicar sem marcar estática e indefinidamente: nos propusemos a usar apenas a luz incidente naquela empena orientada ao Norte, com algo que identificasse o espaço enquanto centro cultural.

Há de se compreender a palavra “teatro” enquanto termo quase que universal e culturalmente próprio em companhias ao longo da consolidação histórica dessa forma de arte. Desde letreiros iluminados a pinturas nas paredes, é uma forma de identificação de centros culturais de todos os tipos de “fomento socioeconômico”, digamos. Especificamente no caso Mungunzá, o interesse nunca foi uma relação de posse ou ensimesmamento, e o seu espaço é aberto a ensaios e apresentações de outras companhias de teatro.

Era imprescindível que a elaboração da tipologia a ser usada também fosse um diálogo com a cia.

como a sombra se comporta ao longo do ano?

                Traslado da sombra às 12h do dia 21 de Janeiro, Fevereiro e Março, respectivamente

Traslado da sombra às 12h do dia 21 de Abril, Maio e Junho, respectivamente

Traslado da sombra às 12h do dia 21 de Julho, Agosto e Setembro, respectivamente

Traslado da sombra às 12h do dia 21 de Outubro, Novembro e Dezembro, respectivamente

Sombra quando projetada no chão

Gráfico de aproveitamento de sombra mês a mês

Implementação

Grupo 29

Alícia Soares; João Pedro Vieira; Marina Lickel