G31_A ARTE E TERRITÓRIO

Um Ensaio Sobre: Arte, Território e Ocupação

Agathe Delorme, Carolina Dentes, Luiza Souza. Raquel Andrade

 

A escolha de tema parte da intenção de pensar a ocupação da cidade a partir de um viés artístico, que engloba em si próprio dinâmicas sociais intrínsecas e presentes. Partimos da reflexão sobre a arte como instrumento político e, a partir disso, do questionamento dos espaços onde essa historicamente se insere. Pensando a partir dos espaços dos museus que, muitas vezes, se caracterizam como formais e institucionalizados/burocráticos, entendemos que estes se localizam (no caso de São Paulo), em sua grande maioria, num perímetro restrito da cidade, isto é, num centro expandido e poucas vezes em regiões mais periféricas. Apesar dos movimentos educativos e dos esforços pedagógico e inclusivo de alguns e de entendemos que a escala do cotidiano e da representatividade podem estar dentro dos museus a arte apresentada dentro dessas “molduras institucionais” pode também, muitas vezes, ter caráter excludente e mercantilizado.

Dessa forma, almeja-se questionar o papel dos espaços institucionalizados e formais dos museus em relação a abismos sociais existentes, e entender em que medida um colabora para a intensificação e/ou distanciamento do outro. Queremos trabalhar com diferentes métodos e possibilidades comunicativas para o trabalho e ocupação artística, onde nem seu espaço, nem contexto ou espectadores sejam fixos e imóveis, de maneira que as relações sejam constantemente reavaliadas, negociadas e concebidas em noções de públicos ou esferas públicas. Trata-se de entender como o território em questão afeta e transforma a arte e como a relação com o público também se altera, criando meios para relacionar trabalhos artísticos com pessoas das mais diversas camadas sociais.

mapa de museus de são paulo – fonte: geosampa

Propõe-se um espaço para experimentação, investigação e invenção de cenários possíveis dentro da cidade, onde a arte possa ser explorada de forma autônoma e sem entraves institucionais entre museu – curador – artista – público; e onde se consiga trabalhar uma expressividade política no cenário cultural, ocupando o espaço através do conceito de “zonas autônomas temporárias” (BEY, 1985) e a partir de terrenos vazios abandonados em São Paulo. Nesse contexto, apresenta-se como referência o conceito utilizado pela comunidade artística do Drop City, o primeiro assentamento comunitário dos anos 1960, formada por artistas (“droppings”) que estavam transformando a arte em uma parte espontânea da vida cotidiana em face de uma comunidade que consideravam cada vez mais materialistas e violenta.

assentameto “drop city”, trinidad, colorado

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BANCA 01 _ 21/09/18

OCUPAÇÕES ARTÍSTICAS E CULTURAIS – CASA AMARELA E CASA DO POVO

A partir do questionamento inicial do grupo, isto é, da contestação dos espaços institucionalizados e formais dos museus e de todo o processo curatorial burocrático que ele representa, optou-se por continuar o trabalho a partir de uma investigação e levantamento de espaços e ocupações artísticas de São Paulo já existentes e consolidadas, na tentativa de entender melhor esses territórios culturais independentes e como eles se estruturam e organizam. Com isso, objetivou-se uma aproximação efetiva dessas experiências, física e diretamente, para de fato poder traçar próximas ações e expandir as noções sobre tais experimentações autônomas. Considerou-se também nessa busca, compreender a arte ligada à noção de território e como um exerce simultaneamente influência sob o outro, procurando então por lugares que tivessem em sua formação uma noção política do espaço.

Nesse sentido, nos aproximamos de dois coletivos artísticos autônomos: o primeiro, a Casa Amarela Quilombo Afroguarany, uma ocupação artística que se localiza num casarão colonial (antiga propriedade do INSS) na Rua da Consolação, onde os artistas são, ao mesmo tempo, moradores do local. Caracterizam-se como um espaço de empoderamento de coletivos e artistas independentes, totalmente horizontal e autogerido, sem fins lucrativos ou envolvimento partidário, e que luta diariamente contra uma ameaça de reintegração de posse. Mantêm fortemente em seu discurso as noções de ancestralidade, cultura negra e indígena, resistência, artes marginalizadas e de fornecer visibilidade e fomento dos artistas por meio da contribuição do seu próprio espaço.

O segundo, a Casa do Povo, situa-se no Bom Retiro (bairro marcado pelas culturas judaica e sul-coreana) e se autodenomina como um centro cultural. Nasce como um local de memória às vítimas do regime nazista e à imigração judaica (1946) e atualmente persiste como um “monumento vivo” que atua no campo expandido da cultura, abrigando artistas, coletivos e movimentos numa programação de transdisciplinaridade que entende a arte como ferramenta crítica dentro de um processo de transformação social. Atuam sob cinco eixos principais: memória, práticas coletivas e engajadas, diálogo e envolvimento com o seu entorno.

Após um processo de entrevistas e contato com os organizadores desses locais, identificamos uma série de afastamentos na forma de gerir, organizar e entender os espaços; no entanto, compreendemos também que existem importantes pontos de aproximação. Numa intenção de sistematização das informações coletadas, foram elencados alguns tópicos para divisão e análise: os artistas, financiamento, curadoria, gestão, eventos e divulgação, território inserido e intenções em comum. Assim, pudemos colocar tais coletivos artísticos lado a lado e de forma comparativa, possibilitando finalmente entender os diferentes tipos e maneiras de se manter uma ocupação/instituição artística independente, de modo colaborativo com seu entorno, frequentadores e produtores.

Link para apresentação: G31_1 banca

Texto de Introdução

Existem diversas formas de ocupar a cidade; sejam elas quais forem, ocupar significa resistir. Resistir ao sistema falho e ineficiente que segrega a cidade em centro e periferia; à guetização; à gentrificação; ao imaginário metropolitano que divide os grandes centros urbanos, como a cidade de São Paulo.

Arte e resistência são temas indissociáveis. Neste escopo, a intenção desta pequena publicação é contribuir, ainda que de maneira singela, para alargar a via por onde se ocupam os espaços de produção artística na cidade, e, acima de tudo, dar visibilidade a dois espaços artísticos independentes que ainda resistem às intempéries que este dito sistema imprime a organizações autônomas deste tipo: são elas a Casa do Povo e a Casa Amarela. Esses espaços são o lar de coletivos, ateliês e, por vezes, dos artistas também. Situação essa que se estabelece em conformidade com a incapacidade dos órgãos públicos de adotar medidas efetivas no combate à crise habitacional das grandes cidades.

É necessário trazer à luz as relações que são estabelecidas entre as ocupações e o território, sua forma de gestão, curadoria e os entraves com o poder público. Essa questão passa pela esfera política porque a correlação de forças antagônicas – isto é, o conflito entre o status quo e os movimentos de vanguarda – na contemporaneidade se dá não só na disputa entre capital e trabalho; centro e periferia; mas também por meio de uma disputa pela subjetividade, isto é, trava-se uma verdadeira “guerra cultural” em que o espaço público deve ser constantemente defendido como mecanismo de expressão e legitimação das demandas populares e dos discursos das minorias. Para Celso Furtado, a emancipação social e a redistribuição de renda por meio de políticas públicas refletem e ao mesmo tempo são viabilizadas pela formação da subjetividade da nação.

“Somente a criatividade política impulsada pela vontade coletiva poderá produzir a superação desse impasse. Ora, essa vontade coletiva requer um reencontro das lideranças políticas com os valores permanentes de nossa cultura. Portanto, o ponto de partida do processo de reconstrução que temos de enfrentar deverá ser uma participação maior do povo no sistema de decisões. Sem isso, o desenvolvimento futuro não se alimentará de autêntica criatividade e pouco contribuirá para a satisfação dos anseios legítimos da nação”. (FURTADO, 2001, p. 23)”

Criar condições de existência e políticas de fomento a esses espaços é fortalecer o sentimento de coletividade atrelado à expressão artística; é fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade autônoma, empoderada e que saiba buscar seu lugar no mundo. Isso se faz mais do que necessário no momento em que vivemos, uma vez que quase 30 anos depois de abolida, a censura volta a assombrar o cenário artístico brasileiro, como retratado nos casos da exposição Queermuseu e da performance La bête, do coreógrafo Wagner Schwartz, ambas no ano de 2017. De acordo com a professora Giselle Beiguelman, a arte é um instrumento de resistência e seu maior propósito é aquilo que a move, isto é, exercitar novas formas de sociabilidade, estreitar relações e assim, fortalecer a coletividade.

“a arte opera nos campos das tensões sociais (…). Ela tem o poder se indicar e catalisar questões pautadas pela sociedade. E, por outro lado, de criar contextos de diálogo e permitir novas formas de construção do presente, e portanto, do futuro” (BEIGUELMAN, 2017)

Essa publicação intenta formular uma indagação a respeito do futuro desses e de outros espaços de expressão das vanguardas heterodoxas no Brasil.

Link para Dropbox:

Livros Casa Amarela e Casa do Povo

https://www.dropbox.com/request/bYLBl8KyfCQ8M5EV3wgw?fbclid=IwAR15S8SeT0bKgizMC7QDC6TeBONDSkKAp6xsndKyJGug9vFByW_eyEYbXRE