primeira entrega
A vila de São Paulo de Piratininga, quando fundada no colégio jesuíta de Anchieta, de longe trazia qualquer indício da expansão territorial metropolitana que iria capitanear a partir do século XIX. Em 1681, após a transferência da capital da capitania de São Vicente (no litoral) para o planalto do Tietê, o povoamento configurava-se como uma das únicas vilas no interior do Brasil. A posiçãodesfavorável em relação ao resto das possessões portuguesas, conjugada a dificuldade de transposição do paredão de cerca de 700 metros da Serra do Mar, retiveram a cidade isolada por dois séculos, e seu poderio econômico manteve-se bastante restrito em comparação à outras empreitadas coloniais latino-americanas.
Foram porém, essas própria limitações que incitaram uma mudança de paradigma relativo ao processo de expansão paulista. A província praticava a agricultura apenas para a subsistência de seus habitantes, e sua austeridade impedia a negociata de trabalho escravo para práticas de monocultura. Neste contexto surgiram as bandeiras, que impelidas pela posição da urbe na jusante da bacia do Tietê-Paraná, executaram incursões coloniais rio abaixo, motivados pelo saque de metais preciosos. A descoberta de ouro impulsionou a expansão da capitania para além dos limites de Tordesilhas, e reativou o interesse da coroa no território bandeirante.³ Entretanto, o escoamento de commodities para o porto de Santos ainda era realizado pelos antigos caminhos indígenas, como o do Peabiru e do Piaçaguera.
Foi apenas depois do esgotamento da extração sustentável do ouro, e da adoção do ciclo econômico da cana como alternativa, que a construção de um novo caminho do mar foi cogitada, devido à dificuldade do transporte de sacas de açúcar nas trilhas existentes. Ao final do período colonial, foi criada a calçada do Lorena, uma nova via pavimentada por pedras que facilitou o câmbio com a costa.
A questão do trânsito entre o planalto e o litoral só veio a ser revisitada no meio do século seguinte, no Império, com a expansão da atividade econômica oriunda do cultivo de café. Em 1867, o governo imperial concedeu à São Paulo Railway o direito de construção e exploração do funicular de Paranapiacaba, trecho essencial da ligação Santos – Jundiaí, a “Inglesa”. Logo após o sucesso inicial, o aparelhamento ferroviário do estado continuou a ser concretizado a pleno vapor – tanto por novas iniciativas privadas, como no caso da Estrada de Ferro Sorocabana (1870), quanto pela própria ação do próprio estado, conforme na extensão da Central do Brasil, que passou a ligar o Rio à São Paulo, passando pelo vale cafeeiro do rio Paraíba do Sul.
O cruzamento de infraestruturas pesadas na cidade de São Paulo foi, presumivelmente, o ponto focal para as ambições industriais da nova república.
Durante os anos seguintes, apesar da baixa na extração do café, a cidade viveu uma explosão demográfica de escala metropolitana, que acompanhou o grande surto de produção fabril. A possibilidade do transporte barato, tanto de bens como de pessoas, impulsionaram o projeto de desenvolvimento paulista até a adoção de uma política rodoviária por parte do estado brasileiro, a partir do governo Juscelino Kubitschek.
A partir da segunda metade do século XX, o traçado arcaico das ferrovias brasileiras colocou o modal em cheque, tornando-o obsoleto frente ao sistema unificado de autoestradas recém-inaugurado por JK. O “presidente bossa-nova”, em seu ato poético de transferir a capital para um eixo rodoviário no cerne do planalto central, anunciava o prelúdio de um novo ciclo econômico calcado no petróleo, na industria automobilística e no advento da televisão.
Após perder sua proeminência como principal modal de deslocamento, os caminhos de ferro foram estatizados e unificados, em 1957, sob a gestão nacional centralizada da Rede Ferroviária Federal, Sociedade Anônima (RFFSA). Na malha paulista, onde o governo estadual já controlava a administração de alguns serviços de empresas desvinculadas entre si, outra estatal foi criada: a Ferrovia Paulista, Sociedade Anônima (FEPASA). Nos dois casos, a base de investimentos ao longo dos anos seguintes passou a ser o frete de carga, e cada vez menos o transporte de passageiros. As linhas de longa distância foram, em grande parte, suprimidas, e o deslocamento sob trilhos na metrópole de São Paulo ficou restrito aos comboios suburbanos a partir de 1970.
O desenho institucional fez com que o diagrama de trens urbanos da capitalpaulista estivesse dividido em duas empresas distintas por aproximadamente 20 anos; a CBTU, subsidiária da RFFSA, e a FEPASA DRM, de comando estadual. No ano de 1992, foi criada a Companhia Metropolitana de Trens Paulista (CPTM), que incorporou as duas empresas no período entre 1994 e 1996. Logo no início de suas operações, a CPTM foi alvo de tumultos e depredações, devido à precariedade dos serviços prestados.
Mesmo com um grande volume de financiamento à modernização do sistema nas duas décadas passadas, o crescente número de passageiros continua a impor um desafio para o melhoramento do nível de serviço. A mérito de comparação, a companhia registrou, em 2017, 827 milhões de usuário,⁹ número equiparável aos 1,107 bilhões registrados pelo metrô no mesmo ano.
A pesquisa origem-destino de 2007 revela a conjuntura entre os dois sistemas – enquanto o metrô, apesar de sua extensão ainda prematura, estrutura a locomoção dentro do centro expandido, os principais vetores de deslocamento ao nível da macrometrópole são as linhas suburbanas, as quais tem a maior demanda de viagens diárias. Frente a este fato, é necessária uma abordagem que faça jus à importância dos trens metropolitanos em sua correlação a estrutura urbana derivada deste aparato.
Esta tese pretende então, tratar do terreno imediato ao leito ferroviário entre a Lapa e o Brás, onde ocorre a sobreposição de diversos serviços metropolitanos. O trecho é a medula do sistema, e já foi objeto de diferentes proposições públicas: o projeto “Integração Centro”, de melhoramentos no miolo da CPTM; a “Operação Urbana Lapa-Brás”, iniciativa da prefeitura para pensar a transposição da barreira da ferrovia através de seu rebaixamento; e o “Tronco Metropolitano da Mobilidade Urbana”, projeção da FUPAM para uma nova avenida sob a faixa de domínio, que viria a substituir o minhocão.
segunda entrega
A partir da necessidade de pensar o sistema de circulação de São Paulo não somente na escala do centro expandido, mas na proporcionalidade da macrometrópole de 30 milhões de pessoas, decidimos por escolher o cruzamento das ferrovias históricas como objeto de estudo. Além da diversidade do tecido urbano nos territórios lindeiros à rede de comboios, bem como a existência de importantes artefatos históricos industriais, a relevância da intersecção se deve ao seu papel troncalizador no sistemas, que, em nossa perspectiva, conforma condições favoráveis para o exercício arquitetônico de pensar uma nova mega-centralidade. Após o mapeamento digital exaustivo do sítio, o grupo coloca como meta o desenvolvimento de propostas para o rebaixamento da ferrovia, conjugado a sistemas de drenagem, junto a criação de novas amarras urbanas a partir do objeto das estações.
terceira entrega
O grupo fez uma leitura geral do território analisando como o diagrama opera na escala regional, levando em consideração o histórico de formação das ferrovias do estado de São Paulo a partir da exaustão de ortofotos e mapeamentos antigos. Nesta etapa nos aproximamos do objeto em estudo, que são as estações ferroviárias Lapa-Brás e decidimos por fazer primeiramente o levantamento arquitetônico. O trecho em questão é composto pelas estações de trem das linhas 7, 8, 11 da CPTM e da linha 3 da CMSP. São elas:
Lapa (Linha 8): A estação começou a ser construída em 1958 e só foi inaugurada em 1961 como Km 7. Conforme o aumento do número de usuários foi crescendo, surgiu a necessidade de uma reforma, que veio a acontecer em 1979.
Lapa (Linha 7): Inaugurada em 1898 foi uma das últimas estações a ser aberta pela SPR na capital. Foi reformada na década de 60.
Água Branca (Linha 7): Inaugurada em 1867 como umas das estações originais da SPR, foi reformada em 1876 com a construção da passarela; é a única estação com cruzamento em nível com o sistema viário.
Barra Funda (Linhas 3, 8 e 7): O conjunto original consiste em duas estações: a SPR, inaugurada em 1892 e reformada nos anos 50, que funcionou até 1998; e a Sorocabana, inaugurada em 1902, melhorada nos anos 50 e com funcionamento somente até 1988. Ambas foram substituídas pela atual estação Barra Funda da Fepasa, que foi construída no antigo pátio da Sorocabana para abarcar a chegada da linha 3 do metrô. Essa estação hoje possui um terminal rodoviário de longa distância.
Júlio Prestes (Linha 8): originalmente denominada estação São Paulo da Sorocabana, foi inaugurada em 1875 e substituída posteriormente em 1914 por outro edifício, que abrigou o DOPS e hoje é casa da estação Pinacoteca. Foi transferida em 1938 para um novo prédio que passou a ser denominada estação Júlio Prestes em 1951. Seu saguão passou a abrigar a sala São Paulo, sede da orquestra sinfônica de São Paulo, em 1999.
Luz (Linhas 7 e 11): Foi inaugurada em 1867 com um prédio simplório. Por volta de 1890 a SPR decidiu aumentar a estação, demolindo o casebre em 1900 e construindo a atual em 1901. Na década de 1990 e 2000 essa passou por uma série de reformas para que pudesse ser integrada ao metrô e para a implantação do Museu da Língua Portuguesa, projeto do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Brás (Linha 11): Foi inaugurada pela SPR em 1867 como apeadeiro de bairro. Ao seu lado, foi inaugurada a estação do Norte em 1875, como terminal da EF Central do Brasil. O prédio foi reformado em 1935 e novamente em 1940, dando-lhe um estilo art decó. Seu nome foi alterado em 1945 para estação Roosevelt em homenagem ao presidente americano. Com a construção do metrô Brás em 1979, as três estações se fundiram. A CPTM construiu então, em 2002, uma cobertura metálica que unificou todo o conjunto.
entrega final
As grandes movimentações de capital nos circuitos financeiros globais se materializam em intervenções no território como arranjos gigantescos. Muitas vezes, definem um espaço disperso nas bordas da metrópole, fora de sintonia com a escala da humanidade – são pontes, viadutos, túneis e todo tipo de “obras de arte” da engenharia, ápice da modernidade pesada. É necessário, porém, abandonar a acepção que estes são meros objetos de um positivismo cientificista, e reconhecer o contraditório irracional, presente nas qualidades tácteis pré-modernas que a Land Art redescobre em sua vinculação com artefatos colossais.
A esta pesquisa concerne refletir, como num ato de realismo especulativo, a estratégia possível para o projeto arquitetônico nas intervenções em grandes nós infraestruturais. Pretende-se demonstrar a compatibilidade entre atos que parecem antagônicos: o sensível, ato do corpo ao que existe de mais imediato, e o pragmático, fazer monumental do processo civilizatório. Realizar a conciliação entre os legados de Jane Jacobs e Robert Moses, respectivamente.
Propõe-se tratar do terreno imediato ao leito ferroviário entre a Lapa e o Brás, onde ocorre a sobreposição de diversos serviços metropolitanos. O trecho é a medula do sistema, e já foi objeto de diferentes proposições públicas: o projeto “Integração Centro”, de melhoramentos no miolo da CPTM; a “Operação Urbana Lapa-Brás”, iniciativa da prefeitura para pensar a transposição da barreira da ferrovia através de seu rebaixamento; e o “Tronco Metropolitano da Mobilidade Urbana”, projeção da FUPAM para uma nova avenida sob a faixa de domínio, que viria a substituir o minhocão.
Cabe aqui o exercício de pensar o rebaixamento da ferrovia não apenas da perspectiva de expandir as capacidades rodoviárias, como no caso do FUPAM, mas de conceber o projeto dentro do horizonte de um desenho urbano adjacente ao projeto das paragens. Partindo da escolha de nove pontos de interesse histórico (estações existentes e entrepostos extintos), separados por um intervalo de cerca de 1km, desenha-se uma estrutura de centralidades que funda na mobilidade a continuação pedonal do tecido urbano. O objetivo é engendrar o elemento da estação como componente unificador da malha da cidade, repensando assim a significação do limite ferroviário dentro da estruturação macro metropolitana.
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