G35/36_TERRITORIALIDADE INDÍGENA E O DIREITO À CIDADE

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Ao contrário do imaginário comum, São Paulo revela-se, segundo o IBGE,  a quarta cidade com mais indígenas no país (13 mil habitantes), que ocupam não só Terras Indígenas demarcadas, mas também vivem no ambiente urbano. As terras demarcadas, localizadas no Pico do Jaraguá-ao norte- e em Parelheiros-no extremo sul- revelam o estrangulamento que a cidade branco ocidental impôs sobre os indígenas que ocupavam o Planalto de Itapetininga antes da colonização portuguesa a partir do século XVI.

Sendo assim, nosso estudo se pauta na territorialidade indígena resistente à grande cidade, seja nas terras legitimadas pelo Estado Brasileiro, seja nas relações interpessoais entre os povos ainda que inseridos na lógica urbana.

OSCAR PEREIRA DA SILVA: Fundação da Cidade de São Paulo, 1903. São Paulo, Pinacoteca do Estado.

Foi no dia 25 de janeiro de 1554 que Manuel da Nóbrega e Padre Anchieta realizaram a primeira missa no planalto do Inhambussu (aquele que se vê ao longe), envolto pelos rio Tamanduateí (rio dos tamanduás ) e Anhangabaú (do deus Anhagába).  

Naquele planalto já estavam os Tupiniquins, e com o intuito de catequisá-los foi construído a pau a pique uma escola. Hoje é o Pateo do Colégio, que se mantém pela memória dos Jesuítas. Mas sobre os povos índigenas pouco se fala.

É essa a data da fundação de São Paulo, e é também nessa data que se inicia a questão sobre o direito à cidade, e o direito dos povos indígenas a manterem suas tradições, e suas culturas.

A questão sobre o direito à cidade hoje se expande e se complexifica, não se diz mais apenas sobre os povos índigenas, mas também aos negros, aos pobres, e as minorias, que não tem espaço para viver sua verdade dentro da sociedade brasileira.

Com o crescimento das cidades e da agropecuária, as terras indígenas se limitaram a um espaço com fronteiras arbitrárias. E dessa forma, o que antes era um imenso território compartilhado por diferentes aldeias, hoje a voracidade do homem branco ocidental a ocupa, fazendo com que sua cultura de propriedade de terra colonize mais uma vez, a cultura de quem a terra é sagrada, e nunca uma propriedade.

Hoje existem duas terras reconhecidas como indígenas na cidade de São Paulo, uma ao norte, no Pico do Jaraguá, e outra ao sul, em Paralheiros, ambas ocupadas pelo povo Guarani. (vide mapa 1).

Esse espaço de resistência simboliza um direito à não cidade. Onde, na teoria, o povo Guarani possa viver sua cultura centenária que na sua base não condiz com o sistema capitalista da metrópole.

A cidade tem um centro e uma periferia, e dentro do seu centro também existe uma periferia.  O direito à não cidade não é a única luta desses povos. Sua presença na capital também é um direito que lhe é negado. Hoje 13 mil habitam São Paulo, e a dificuldade de habitar começa pela cor da pele, e reitera a posição de oprimido que lhes foi dada pela história brasileira.

No bairro do real parque, em um conjunto habitacional, moram 25 famílias do povo Pankararu. Essa situação ilustra tanto o direito a não cidade, quanto o direito à cidade.

As pessoas que ali habitam, estudam, trabalham, consomem e transitam por São Paulo. E fazem com que sua cultura permaneça viva dentro dela. Os rituais acontecem na quadra da escola vizinha, e muitos encontros se espacializam dentro dos próprios apartamentos. A cultura Pankararu resiste, mesmo sem o ambiente próprio para ela, se integrando com a cidade e se contornando com a estrutura da comunidade que se fortifica a cada ano.


Ritual da “dança dos praiás” realizada por Pankararu no Real Parque, em São Paulo.

Mas o que é um espaço próprio para a cultura indigena?

A noção de territorialidade indígena se difere entre cada povo, entre cada aldeia. De acordo com o IBGE 2000 existem 225 diferentes etnias no brasil, totalizando 734 mil pessoas, 63 mil delas em São Paulo.  E todas essas diferentes culturas se contrastam ao serem postas em comparação com a do homem branco ocidental, que vê a terra como posse, que vê a cidade como potência de lucro, e que continua, desde as primeiras guerras para conquista de territórios, invadindo espaços e culturas alheias.

Esta publicação contém o trabalho de um grupo de alunos, estudantes de arquitetura, não indígenas, que se propõem a estudar a territorialidade de um povo específico, os Guarani Mbya, devido a sua importante presença na cidade de São Paulo nas aldeias do Pico do Jaraguá e de Parelheiros.

O estudo foi feito a partir de vivências com essas aldeias, de forma em que o escutar e o experienciar com essas pessoas foi de extrema importância para a construção deste trabalho. Além disso, a pesquisa bibliográfica também trouxe questões relevantes para serem abordadas.

A cultura Guarani possui uma complexa trama de cosmologia para a compreensão da ocupação do espaço. E diante disso o grupo estabeleceu três conceitos centrais para tratar sobre a territorialidade guarani, e compreender dessa forma, como ela se integra a cidade de São Paulo.

Os conceitos trazem diferentes noções de territorialidade. O primeiro a Terra Sem Mal, diz a respeito de algo imaterial, que transcende a noção de presença física no espaço, mas traz a busca por ele. O segundo, Caminho do Peabiru, é o trajeto, a colocação transitória de si, na conexão entre dois pontos. É a linha: onde sempre existe a passagem.  E o terceiro a Casa de Rezas é o ponto fixo de estruturação da comunidade, o centro onde se encontram, e passam sua cultura a diante.