g02_ modos de fazer modos de pensar

 

.síntese

A sensibilidade do arquiteto na hora do desenvolvimento de um projeto, tanto na análise do entorno quanto na linguagem arquitetônica utilizada, se reflete intrinsecamente na apropriação do espaço pelos seus usuários. É muito comum lugares públicos serem utilizados pelas pessoas das mais diversas maneiras e, portanto, se tornarem caracterizados pelas atividades que ali acontecem. Essas apropriações acabam criando uma identidade do lugar, que pode ou não ter sido proposta pelo arquiteto.

Por outro lado, o que se observa muitas vezes no espaço urbano é a imposição daquele que o projeta, de maneira a enrijecer seu uso. Em detrimento do projeto impositivo, pensa-se que é muito mais sensível e enriquecedor para a cidade criar a oportunidade de se desenvolver a partir da apropriação dos usuários.

Não se trata de fazer ou pensar algo sobre a arquitetura, mas de usá-la como campo de pesquisa e prática – como meio de ação. Decisões políticas e ações sociais também modificam profundamente a forma como os espaços são pensados e projetados. A arquitetura se dá como influenciadora do desenvolver de seu entorno de forma muito evidente, por isso é preciso levar em consideração a necessidade de levar o humano como elemento subjacente do espaço público. Ele deve aparecer como o protagonista e não meramente como participante do meio físico em que está inserido.

Isto se caracterizaria, em termos práticos, em obras arquitetônicas e espaços que “não induzem nem pré-determinam uma ocupação e abrem a possibilidade de as pessoas os interrogarem”, gerando assim uma abertura para que o usador, termo de Lígia Clark para caracterizar quem “recebe” uma obra, se perceba como força atuante e se aproprie do espaço em um gesto criativo, deixando de ser apenas o “para quem” a obra é feita”.[1]

Procurando exemplos de apropriação em espaços públicos, o grupo se deparou com um dos monumentos mais complexos da cidade; o Minhocão. Marco histórico de um período ditatorial, onde o modo de pensar e o modo de fazer da arquitetura estavam explicitamente ligados com uma política opressiva. A construção do Minhocão foi uma ruptura brusca com a tentativa de construir uma cidade democrática, deixando uma cicatriz no tecido urbano. Atualmente, inserido em um contexto de discussões sobre o resgate da cidade construída para os cidadãos, esse monumento ao progresso automobilístico se encontra em grande vulnerabilidade. Palco de diversas apropriações humanas, como a luta e conquista pela  abertura da via para pedestres nos finais e os diferentes eventos culturais, gastronômicos e artísticos, o Minhocão está, de certa forma, perdendo seu caráter opressivo e sendo ressignificado no espaço urbano.

Tendo em vista o Minhocão como o primeiro objeto de estudo e aproximação do tema, a projeção para a próxima etapa é  catalogar as diferentes apropriações que ocorreram nesse monumento durante o tempo. Além disso, o grupo pretende realizar um estudo aprofundado sobre o Elevado e os três modos de pensar e fazer dos períodos históricos que antecederam e sucederam a sua construção; a modernidade, a ditadura e a pós modernidade.

[1] Trecho retirado do texto Arquiteturas e modo de Re-Existência no Antropoceno, por Meghie Rodriguez

 

Fotomontagem Ciro Miguel e Bruna Canepa
Associação Parque Minhocão


Modernismo politico social como disparador da
integração e emancipação nacional

Fotografia Elevado Costa e Silva


Fotografia Parque Minhocão


2a etapa

A ideia foi criar uma síntese dos três períodos que nós identificamos como diferentes “modos de fazer e modos de pensar” que regeram ou regem o andamento do elevado Costa e Silva – MInhocão.

O canal amarelo mostra uma São Paulo da elite paulistana, o mundo moderno e o alargamento e sanitarismo das vias públicas.
O canal vermelho busca a ideia de um minhocão impositivo dos anos 70, com uma razão anacrônica da mobilidade urbana e sintetiza isso com o tráfego intenso, sem possibilidade de mudança. A cor quente quer dar a sensação de desespero e caos.
O canal azul é o espelho das mudanças que estão vigorando hoje em dia, as possibilidades e maleabilidades do minhocão dos dias de hoje, um minhocão “mais calmo”, para condizer com o tom. Onde não só a possibilidade de uso, mas sim a de questionamento.

            Apropriações espaciais no minhocão                                          Empenas notáveis

Atualmente, inserido em um contexto de discussões sobre o resgate da cidade construída para os cidadãos, esse monumento ao progresso automobilístico se encontra em grande vulnerabilidade. Palco de diversas apropriações humanas, como a luta e conquista pela abertura da via para pedestres nos finais e os diferentes eventos culturais, gastronômicos e artísticos, o Minhocão está, de certa forma, perdendo seu caráter opressivo e sendo resinificado no espaço urbano.

Chegamos a conclusão que toda imposição arquitetônica acaba tendo reflexos que estão à deriva do comportamento do usuário e dessa forma acaba desenvolvendo outros aspectos e outros comportamentos por conta própria. Esse é um processo contínuo em que quanto maior o número de experiências de apropriação de algum espaço mais se torna claro para outros usuários como esses aspectos são utilizáveis.

Identificamos isso como conceitos da deriva, onde o usuário vivencia a cidade a deriva dela, quase como um flanêur, e deixa a cidade influenciar sobre seus comportamentos e decisões. Nesse sentido a ciência da psicogeografia entra para identificar essa cidade influenciadora do usuário e como ela age sobre o tal.

Estamos a procura de um entendimento dos três momentos de vivencia do minhocão. Uma leitura social histórica. Além disso a proposta de uma leitura psicogeográfica nos dias de hoje, indicando os diferentes tipos a deriva do espaço e como eles agem com a cidade. A discussão acaba sendo primeira sobre uma mudança de percepção, uso e comportamento do que uma mudança física diretamente.

Pretendemos chegar a uma leitura e identificação clara desses aspectos como forma de incentivo e estudo-prático comprovando a existência desses aspectos e acontecimentos nos indivíduos, a deriva, e influenciados pelo meio urbano.

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3a etapa

Decidimos para essa etapa organizar todo nosso material de análise de uma forma gráfica e quantitativa. Depois das diversas visitas percebemos e descobrimos muitas características e relações interessantes. Muitas delas não poderiam ser percebidas desconexas de outras e agora se fazem claramente complementares. Muitas delas também não poderiam ser mapeadas de uma forma normal. Com isso, nosso material traduz de diferentes linguagens de representação um Minhocão que foi vivido.

SONY DSC

Identificamos as três maiores perspectivas do olhar, três diferentes vistas que poderiam passar desapercebidas por um olhar menos atento. Apesar de serem muito bem enquadradas na paisagem todas tem características tolamente diferentes se comparadas e nunca se fazem desinteressantes. – serra da Cantareira, o ed. Copan e o Ed. Banespa- .

 

 

.vista para o ed. Banespa

As análises de uso do solo foram fundamentais para entender as diferenças quantitativas de pessoas em cima e em baixo do elevado durante os diferentes dias da semana. As aglomerações e maiores densidades de pessoas nos finais de semana puderam ser codificadas quando saímos do recorte e percebemos as características residenciais dos bairros ao lado, as redes de transporte e os serviços. A entrada da pça. Marechal Deodoro de fato é a mais usada por estar perto do metro e da área residencial do Higienópolis, isso da certeza para os ambulantes do lugar certo para ficar e consequentemente acaba sendo o lugar com maior densidade e aglomeração de pessoas no percurso do Elevado.

Percebemos também as diferentes velocidades e fluxos, em ambos os sentidos, em cima e embaixo o video nos deu a noção do tempo e das paisagens. A vivencia com o Minhocão junto com o mapeamento das nossas vivências nos levou a encontrar um produto final, uma resposta que pudesse acontecer de fato. Já vimos muitas não acontecerem. Queremos dar de volta ao Elevado o que ele nos deu. Os produtos criados para essa etapa vão ser adaptados para a escala do Minhocão procurando deixar claro para todos os visitantes nossas percepções para que os visitantes possam fazer parte e experimentar um pouco do que antes estava nebuloso ou só não era tão direto ao cotidiano do Elevado Minhocão.

  


etapa.final

A partir de reflexões sobre as análises realizadas nas últimas etapas do trabalho, conseguimos identificar a relação entre a parte de cima e a de baixo do Minhocão como um ponto de interesse. A construção do Elevado resultou em uma separação clara entre esses dois espaços – em quesito de uso, mobilidade, programas e temporalidade. Por ser uma situação atípica no tecido urbano, e portanto, no cotidiano da cidade, acreditamos ser de extrema relevância explorar esses tensionamentos.

Com a recente expulsão dos moradores da cracolândia, houve uma grande mudança no entorno; diversos pontos antes não tão habitados receberam novos moradores, sendo embaixo do minhocão um dos mais significantes deles. Após uma visita de estudo, percebemos que as atividades que acontecem em cima do Elevado continuam as mesmas, de forma quase alienada à situação de baixo.

   

Por meio de registros iniciais de fotos e vídeos, percebemos que os reflexos das janelas faziam o único papel de interlocução entre os dois espaços; pelas janelas dos primeiros pavimentos dos prédios que acompanham o Minhocão era possível ter uma visão clara do movimento na parte de cima, tal qual a caminhada na parte de cima, se perto às bordas, proporcionava uma visão invertida.

Resgatando o conceito de “flanêur” – discutido nas primeiras etapas do trabalho -, buscamos então uma tentativa de evidenciar tais momentos de reflexão e proporcionar uma percepção direcionada e aguçada sobre o Elevado. Iniciamos essa etapa nos aproximando do periscópio; equipamento que permite observar um objeto ou conjunto de objetos por cima de obstáculos que impedem sua visão direta, por meio da reflexão de dois espelhos à 45 graus. Construímos uma maquete de estudo e um protótipo, que nos permitiram entender na prática o funcionamento desse objeto e nos questionar sobre a possibilidade de sua inserção no contexto do Minhocão.

Devido a dificuldade de implantação do periscópio e também pela vontade de utilizar os próprios reflexos das janelas como ferramentas de aproximação dos dois espaços, desenvolvemos então um objeto-moldura; uma estrutura de madeira em “x”, de 1,50m em uma ponta e 1,60m em outra, que suporta uma caixa de 40cm inclinada à aproximadamente 30 graus. Encontramos então dois pontos de interesse que refletem a mesma sucessão de janelas em níveis diferentes; na parte de baixo, situado na frente do ponto de ônibus central da Santa Cecília, e na pista elevada do Minhocão.  Como forma de experimentação dos usos do nosso objeto-moldura, o posicionamos também na curva da São João, enquadrando o Banespa; vista que nos intriga desde as primeiras visitas ao Elevado.

A intervenção gerou grande curiosidade nos passantes, que interagiram com o objeto nas situações propostas, tanto as de reflexo quanto a de enquadramento da paísagem. O resultado, portanto, foi próximo ao esperado, condizente com as conversas que realizamos durante o trabalho. Foi possível identificar diversos aspectos das discussões iniciais sobre apropriação espontânea e programada de espaços e entender como a inserção de um certo objeto funciona como uma ferramenta para a mudança da percepção de um local.