O ESPAÇO DO COTIDIANO | Grupo 33

PRIMEIRA ETAPA

 

 

“Os jogos de passos moldam espaços. Tecem os lugares. Sob esse ponto de vista, as motricidades dos pedestres formam um desses “sistemas reais cuja existência faz efetivamente a cidade’, mas ‘não têm nenhum receptáculo físico”. Elas não se localizam, mas são elas que espacializam.”

A Invenção do Cotidiano

Michel de Certeau

Começamos pela superfície, observando os passos num cruzamento. Nos interessava registra-los, como se ao faze-lo estávamos reconhecendo sua existência naquele momento.

Aquele lugar não é nada além de um trecho de passagem, mas nos intrigava como aquelas pessoas estavam conectas à ele e aos outros que por lá cruzavam: se espera com atenção o sinal vermelho mesmo que conectado a qualquer notícia capturada pelo 3G. Este tempo é o suficiente para se conectar em outro lugar que não ali, como se naquele instante um corpo digital fosse criado. Qual é a percepção do espaço naquele momento? E do tempo?

Começamos a imaginar aquele cena como se diversos fluídos tomavam conta da cidade, fluxos que mesmo imperceptíveis aos olhos, agem e moldam o espaço físico como qualquer outro corpo. Nos intrigava essa imagem: que cidade se sairia disso? Resolvemos então espacializa-los, torna-los visíveis.

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“Esses nômades orientam seu percurso por estrelas estranhas, que podem ser núcleos luminosos de dados no ciberespaço ou, talvez, alucinações. Abra um mapa do território: sobre ele, coloque um mapa das mudanças políticas; sobre ele, ponha uma mapa da internet, especialmente da contranet, com sua ênfase no fluxo clandestino de informações e logística; e, por último, sobre tudo isso, o mapa 1:1 da imaginação criativa, estética, valores. A malha resultante ganha vida, animada por inesperados redemoinhos e explosões de energia, de coagulações de luz ,de túneis secretos, de surpresas.”

TAZ – Zona Autônoma Temporária

Hakim Bey

abstração

substantivo feminino ( sXV)

1 fil operação intelectual, compreendida por Aristóteles (383 a.C.-322 a.C.) e Tomás de Aquino (1227-1274) como a origem de todo o processo cognitivo, na qual o que é escolhido como objeto de reflexão é isolado de uma série de fatores que comumente lhe estão relacionados na realidade concreta (como ocorre, p.ex., na consideração matemática que despoja os objetos de suas qualidades sensíveis [peso, cor etc.], no intuito de considerá-los apenas em seu aspecto mensurável e quantitativo)

2 p.ext. fil o resultado dessa operação (termo, ideia, concepção etc.); abstrat

 

HOUAISS

SEGUNDA ETAPA

 

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Seguindo os passos, tecendo traços no território. Se antes partimos da abstração, buscando visualizar uma ideia, agora nos interessa reconhece-la em São Paulo.

Entendendo que hoje existem dois fluxos principais que agem e moldam o espaço físico da cidade: os econômicos e informacionais, sendo o último mais recente, pois está no campo da rede: o da internet. Portanto nossa discussão se mantem: procuramos reconhecer tais fluxos, agora observando onde eles estão e como concebem a cidade de São Paulo e a maneira que hoje é ocupada.

Nesta etapa estamos na Rua 25 de Março, nos interessa a força e seu caráter funcional e de localidade, sua densidade de informações em sua superfície, algo como pistas de um lugar que foi constantemente alterado e reajustado para se adequar a diferentes tipos de fluxos, crescendo paralelamente com a economia da cidade de São Paulo, tornando-se, hoje, o maior centro popular de compras do país.

 

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Seu caráter comercial não surgiu à toa. A presença do Rio Tamanduateí lhe garantia grande importância, já que produtos importados trazidos de Santos desembarcavam no Porto Geral (hoje transformado na ladeira Porto Geral) uma das travessas da 25 de março. Isso brindou um caráter mercantil forte à região. Devido a sérios problemas de enchente, o rio Tamanduateí foi drenado no final do século XIX, e o local por onde ele passava foi chamado de Rua de Baixo, e depois alterado para 25 de março em 1865.
A primeira loja oficial da rua foi inaugurada em 1887 e pertencia a um comerciante libanês. A vinda de imigrantes árabes em São Paulo estimulou a economia e o fluxo de dinheiro na cidade, e a maioria desses imigrantes se instalavam na região da 25. A presença deles é notável até hoje: seus nomes seguem espalhados pelas galerias e lojas da região e bem como o nome das ruas.

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Dentro das galerias e dos edifícios, diferentes estruturas de loja são montadas dependendo da nacionalidade do dono. Uma grande leva de imigrantes coreanos se alojaram na 25 de março e introduziram uma nova forma de organização ás lojas, que passaram a ser subdivididas em pequenas stands com paredes móveis para vender diferentes produtos em cada uma. Com um corredor no meio e balcões separando-o das salas ao lado, as lojas se parecem com pequenas galerias. Porém, o fluxo na rua não é apenas horizontal: muitas lojas estão localizadas nos andares de cima dos prédios, e suas vitrines ficam expostas no primeiro andar do edifício em um comprido corredor cujo elevador fica ao fundo. Se estima que o fluxo total de visitantes por dia é de 400 mil, e que cada um gasta em torno de 13 a 50 reais.

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Porém não é só nas lojas que as tipologias variam e determinam o comércio.
É fundamental notar que o uso da 25 de Março se estende a calçada e as ruas, na informalidade dos camelôs que se dividem na calçada entre os ambulantes legalizados pela prefeitura e os ilegais.

Como nômades carregando em seu corpo ou em suas vestes tais camelôs expõem suas mercadorias em seu percurso ou ponto. Porém mercadoria demanda uma certa tipologia de barraca, meio de exposição dos produtos ou performance. Alguns as vestem no corpo, outros com uma “vitrine de fuga” (malas ou tecidos) sobre uma caixa de papelão fáceis de fechar se avistarem policiais, há os que se utilizam da infraestrutura da cidade como grades, postes ou bancos para fazer a exposição aos pedestres.
E nesta frenética movimentação a 25 de março se constroi numa organização e estruturação funcional. Tornando-a um local que cresce pela força de seu uso, pela sua vocação, colocando quase que em segundo plano as condições arquitetônicas do local e mais como e que estruturas são criadas para seu modos de apropriação.

 
TERCEIRA ETAPA
 

 

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DET. A.I.

 

Seguimos percorrendo e revisitando a rua em que caímos da última vez: continuamos na 25 de março. Hoje a entendemos como um evento da cidade, um mercado público com horário de funcionamento. Nos fascina como seu ambiente é construido pela a densidade, a profusão de coisas, numa composição que segue o ritmo da energia frenética daquele lugar.

Nos encontramos num processo de treinamento: nossa percepção está sendo apurada para registrar este ambiente de natureza tão densa que, por assim ser, é comumente subestimando. Numa primeira impressão não se vê ordem, lógica ou estratégia de funcionamento, mas sim uma massa mutante de cores, texturas e elementos prosaicos.

 

 

 

arquivos

projeto piloto para pasta dos arquivos

 

 

Relatamos o que foi visto, sentido e capturado, e organizamos em quatro arquivos distintos, que possuem funcionamento autônomo, porém se complementam enquanto conjunto de nossas experiências, com o objetivo principal de revelar a natureza potente, marcada por densidades, escalas, multidões e inventivas perambulâncias da 25 de Março. Vale comentar que tais características tem nos influenciado diretamente na produção desses arquivos, interferindo nas escolhas dos suportes para apresentá-los. Deste modo acreditamos que eles se encontram em um formato piloto.

 

Os 4 arquivos são:

QUARTA ETAPA

Nossos estudos se iniciaram num laboratório de ideias. Primeiramente, o grupo partiu do tema cotidiano criando experimentos visuais sobre o entendimento coletivo do uso da cidade, nos interessava as perambulâncias sobre a superfície urbana: das massas humanas que desgastam o chão, modelam e o reinventam com o passar das horas, dias, anos. Entendendo que tais movimentos, além de simples deslocamentos, representavam uma transformação no espaço.

 

Neste percurso incerto pela cidade procurando expressar graficamente tais relações que soavam abstratas até o momento, tivemos a sorte de um dia, ao descer a Ladeira Porto Geral, nos depararmos com um dos ícones mais emblemáticos da cidade como ambiente movido e transformado pelo constante fluxos de pessoas em função da compra e venda de produtos: a Rua 25 de Março.

O trabalho então tinha ganhado um objeto que encaixava as nossas premissas, a partir daquela profusão de fluxos, iniciou-se um estudo sobre a maneira que aquele ambiente é ocupado, identificando-o como um potente local de uso e apropriação do espaço urbano, reconhecendo sua configuração enquanto um grande mercado que, inicialmente, parece não contar diretamente com qualquer estrutura urbana – a não ser a rua, calçada e os prédios – para sustentar sua existência.

Este mercado ocupa todos estes planos, crescendo verticalmente nos prédios (ambientes repletos de mecanismos de controle de acesso) onde cada comerciante “abre suas tendas” térreo acima, transbordando produtos pelas fechadas. O uso daquela rua é o que ativa a 25 de março como espaço[1].

Diante do reconhecimento da Rua 25 de Março como um evento, nos parece interessante perceber que mesmo nesta configuração temporária, este uso confere um valor de terreno altíssimo aquele lugar, com o valor do metro quadrado tão elevado quanto a Avenida Paulista ou a Rua Oscar Freire.

De modo a aprofundar a identificação de análise das tipologias comerciais dessa modalidade de comércio e uso urbano, foram realizadas as seguintes atividades, cada qual resultando em um produto específico e que juntas compõem o estudo final:

 

  1. Arquivo de Ambulantes, dividido em quatro categorias (“Ser-Placa”, “Ser-Grito”, “Objeto” e “Sobre Rodas”), relacionando a existência do vendedor na calçada com o dispositivo principal utilizado / confeccionado para promover sua venda do respectivo produto.

Por meio de notações, foram apontadas as peculiaridades dos dispositivos por eles usados, buscando relacionar seus desenhos com as demandas de seus operadores ambulantes, tais como estratégias de venda, até maneiras de se adequar a legalidade, ao respeitarem as normas da LEI nº11.039 [2], ou mesmo como se “camuflar” dela.

 

  1. Este arquivo se ramificou em dois pequenos ensaios:

 

2.1. uma pasta coletiva na plataforma online de referências Pinterest [3], é um levantamento de programas ambulantes, entendidos como dispositivos que perambulam pela cidade como infraestrutura móvel, conferindo novos usos para determinado lugar, ou agindo como uma reflexão sobre si próprio, se pensado como programa fixo.

 

2.2. uma menção sobre a existência de ambulantes “em outros mundos”, pela própria cidade de São Paulo e outros centros urbanos no mundo, a partir de ambos os casos se caracterizarem pela situação inicial de informalidade, porém apresentando adaptações de desenho que variam em função de suas respectivas culturas locais e ambientes em que estão inseridos, apontando também para uma discussão da relação entre informalidade e marginalização.

 

  1. Arquivo de Detalhes Ordinários: um conjunto de registros fotográficos investigando detalhes de resoluções locais para diversas demandas de seus usuários, tais como um aparato anti-mendigo em um degrau, uma composição caótica de avisos, amostras, placas de loja, neon e câmeras de segurança na fachada.
  2. Arquivo de Sensações: Um relato sobre o magnetismo sensorial da 25 de Março, baseado na experiência de uma das componentes do grupo, é documentado através de desenhos que expressam as reações de seus sentidos (olfato, tato, paladar, audição e visão) em função dos estímulos do local. Estes estudo nos leva a analisar de maneira mais concreta as sensações proporcionadas pelo caos da 25.

 

Portanto este ambiente tão denso e complexo como o da 25 de Março, nos levou a uma metodologia de observação minuciosa e detalhada dos agentes daquele local: das pessoas aos objetos. Em nossos estudos, principalmente os últimos arquivos já descritos, revelam um ambiente de um mercado que funciona a partir das peças que seguem as regras do jogo, cumprindo seu horário de funcionamento.

A efemeridade deste mercado faz com que a Rua 25 de Março só se confirme como um espaço público durante o horário comercial. Assim como os camelôs que por ela passam, a Rua 25 de Março tem um uso temporário sobre a cidade, após o encerramento de suas atividades comerciais, é como se ela deixasse de existir.

 

Por fim nossos registros reconfiguram essas efemeridades dentro de uma página da internet, que também deve ser descoberta por cliques em cada detalhe das páginas, tornando possível o acesso do nosso olhar para a 25 de março, sobre todos os pontos.

Ligue a caixa de som e divirta-se nessa experiência: http://cfernandesba.wixsite.com/perambulacoes

[1] Espaço é o efeito produzido pelas operações que o orientam, o circunstanciam, o temporalizam e o levam a funcionar em unidade polivalente de programas conflituais ou de proximidades contratuais. O espaço estaria para o lugar como a palavra falada, isto é, quando é percebida na ambiguidade de uma afetuação, mudada em um termo que depende de múltiplas convenções, colocada como o ato de um presente (ou de um tempo), e modificado pelas transformações devidas a proximidades sucessivas. CERTEAU, Michel, 2014, p184

[2] A Lei Municipal N.º 11.039 Municipal – 23 de Agosto, 1991 disciplina o exercício do comércio ou prestação de serviços ambulantes nas vias e logradouros públicos no Município de São Paulo.

[3] Acesso pelo endereço digital: https://br.pinterest.com/barababa/programas-ambulantes/