G24 – Parque Chácara do Jockey

A partir da definição de um objeto de estudo, o edital de concessão à iniciativa privada do Parque Municipal Chácara do Jockey, o trabalho vem se desenvolvendo a partir da leitura desse documento procurando construir um discurso crítico a respeito das relações promovidas por esse tipo de iniciativa, os agentes envolvidos nas disputas, e como os interesses desses são incorporados ou neglicenciados nesse processo: relações Estado-mercado, Estado-sociedade civil, sociedade civil-território, mercado-território.

Para tanto, mobilizou-se uma bibliografia que ajuda a inserir essa discussão em diversas esferas relacionadas ao funcionamento do capital e das atribuições do Estado, do contexto local ao global. Essas questões são intrínsecas ao tema do direito à cidade e à produção do território, sobretudo no caso de espaços públicos e livres da cidade.

A aproximação ao exemplo do Parque tem como foco em primeiro momento a compreensão das transformações no caráter da propriedade, ora do Estado, ora privada, de seu uso, e dele como objeto de disputa e reivindicação por parte dos usuários e moradores do entorno organizados como Movimento Parque Chácara do Jockey.

A percepção de que trata-se de um tema que convoca pautas correntes, tanto no que tange o andamento do processo de privatização do Parque, quanto à atual conjuntura de contra-ofensiva neoliberal no país, encaminha o trabalho a uma intenção de promover e ampliar esse debate e evidenciar a ressonância entre essas problemáticas.

Etapa intermediária:

FREE LAND! quem dá mais!? 

As cidades brasileiras estão submetidas a processos que extrapolam os limites do nosso território. O desenho urbano e a atribuição de sua responsabilidade a agentes ligados à iniciativa privada é reflexo direto de uma contra-ofensiva neoliberal no país. Quando o Estado sai de cena, quem dá mais pelo poder de decidir o destino e os arranjos da nossa terra?

Nossas cidades passam por um estranho momento, o da necessidade de falar das obviedades do dia a dia com alto grau de preocupação. É óbvio, por exemplo, que uma democracia tenha como condição básica para sua manutenção a escuta aberta a vozes diversas no debate. Também não parece levantar suspeitas dizer que alguém que vive em determinado bairro pode passear ou marcar um encontro no parque da vizinhança livre e espontaneamente. O alto grau de preocupação que faz com que esses exemplos de obviedades apareçam aqui lado a lado, está no disparate que se configura como emaranhado de processos políticos e econômicos que parece hoje ser quem manda e desmanda em como usamos as nossas cidades. 

A ressonância entre assuntos de escalas diferentes faz a tomada de um exemplo-caso ser um caminho interessante para discutir o momento histórico nesses diversos níveis. Ele viabiliza passar muitos pontos de um amplo debate sobre a conjuntura política e a gestão territorial e, ao mesmo tempo, tem a virtude de servir como unidade de complexidade que reúne em suas especificidades esses tópicos de forma especializada e posta à prova na vida urbana cotidiana. No entanto, esse exemplo não se bastaria enquanto um logradouro: tratar de um lugar abre demais o campo e permite falar de quase tudo. O que serve de verdade como exemplo objetivo desse debate é um documento, um edital de concessão de um espaço livre da cidade à iniciativa privada, por que é a partir da leitura dele que se revelam quais são as relações promovidas ou neglicenciadas por uma ferramenta de gestão de uma parcela do território da cidade. 

Esta publicação pretende ser uma leitura de um desses documentos, o Edital de Licitação para a Concessão para a prestação dos serviços de gestão, operação e manutenção do Parque Municipal Chácara do Jockey. Nela busca-se articular uma crítica à privatização de territórios e serviços a partir da mobilização de referências de autores que se dedicam a pensar o uso do solo urbano como um produto de dinâmicas do capital; e da produção textual e gráfica autoral que reafirma essa posição de confrontamento com a atual lógica de produção desses espaços em disputa. O caso do Parque Chácara do Jockey é de interesse por representar um exemplo paradigmático da maneira como a urbanização capitalista age sobre os territórios comuns, ora como terreno privado, ora como parque público, e atualmente em uma situação de transição característica da forma como atuam forças políticas dominantes no país, alinhadas aos interesses elitistas e sobretudo do capital financeiro. Com o que nos apresenta David Harvey, geógrafo britânico marxista, buscamos aqui falar da urbanização hoje enquanto processo que “ (…) nada mais é do que a incessante produção de um comum urbano (ou sua forma espectral de espaços e bens públicos) e sua eterna apropriação e destruição por interesses privados.” (HARVEY, 2014 p.156).

Transformar esse debate em um veículo que circula fora dos âmbitos especializados, seja de arquitetura, seja jurídico e burocrático, é um movimento necessário e que tem amparo em iniciativas civis que lutam pelo direito de falar em nome desse lugar e ter poder de decisão a respeito de seus caminhos. Nesse caso, o Movimento Parque Chácara do Jockey é um dado que implica um agente central no discurso, a população, e que relembra a única vocação possível dessas áreas livres da cidade, a pública. Também é Harvey que aponta que para transformar os bens públicos no que ele apresenta como comuns, isto é, carregando a acepção de comunalidade e apropriação coletiva, “ (…) faz-se necessária uma ação política por parte dos cidadãos e das pessoas que pretendem apropriar-se deles ou concretizar essas qualidades” (HARVEY, 2014 p. 140).

Entrega-las a agentes privados é sintomático de um processo, local e global, nocivo às cidades, no qual o Estado abre mão da atribuição legal de gestão desses equipamentos e os coloca à venda – para quem possa pagar mais -, à revelia de preocupações de desenho, qualidade urbana, parâmetros ambientais, benefícios à população e da função social da propriedade.