” – No fim das contas, trata-se dessa vez de uma proposta
bastante pragmática, bastante localizada, válida para cada instante. Trata-se de descobrir no
interior do fluxo reorganizador movediço os momentos, os lugares, as situações que nos dão a oportunidade de pensar, complicar, de dar nosso ponto de vista, de tomar a palavra. ” 1” (…) Pensar localmente, pensar as questões em função do que demanda cada situação, cada escala. Sem esquecer que a técnica é importante e que talvez haja recursos para se retirar do passado – longínquo ou próximo, pois a experiência de cada um conta – retomar um pouco da audácia coletiva, ousar dizer o que pensamos, propor, escutar poderiam contribuir, sim, para a fabricação de um mundo comum. ” 2
Anne Vièle, Posfácio: Potência e generosidade da arte de “prestar atenção”!, Ponto Urbe
[Online], 7 | 2010. (1) P19. (2) P70.
Giulia Giagio | Gabriela Sá | Marina Perez | Sabrina Dias
etapa final_
São Paulo é uma cidade muito diversa, contendo centenas de exemplos de dinâmicas urbanas, variam desde experiências ortogonal até conurbações de moradias irregulares e ocupações de terrenos incertos da malha paulista. Mais do que tal maneira de ocupar o território, o fraco histórico de políticas ligadas a moradia social que São Paulo tem e as poucas atuações públicas nas quais temos uma quantidade significativa de famílias que restituem uma casa digna demonstram nossa dificuldade municipal.
Numa cidade de 12 milhões de habitantes, que tem o maior PIB municipal do país, tudo se potencializa num grande problema urbano contínuo, de como ordenar tal crescimento de maneira intencional e benéfico para todas as camadas sociais.
A temática do semestre – OCUPASP – nos fez direcionar nossos interesses em territórios periféricos de caráter mais consolidado, que está sofrendo influências de seus arredores e de políticas urbanas atualmente. Como o bairro Cidade Nova – norte de SP – que conta com a presença de diversos equipamentos subsidiados pela prefeitura, como o CCA (Centro para Crianças e Adolescentes), que atende crianças em vulnerabilidade social, propondo atividades no período extraescolar, carregando uma enorme importância simbólica para a região que se estabeleceu historicamente em torno da luta pela moradia como direito e não apenas mercadoria.
Imagem aérea do encontro entre a Rodovia Dutra (cima esq) e a Marginal Tietê (ABAIXO), juntamente com o Rio Tietê
A temática nos motivou, em um primeiro momento a investigar o próprio sentido da palavra ocupar. Chegamos à ideia de que, em todo o espectro que a palavra comporta, ocupar um espaço requer a espacialidade tridimensional somada aos agentes que ali se estabelecem. Neste mesmo sentido, entendemos que as espacialidades propriamente ditas não se conformam pura e simplesmente por uma questão formal, existe uma diferença entre o espaço e o lugar, visto que o primeiro é a mera tridimensionalidade, enquanto o segundo é a associação dos indivíduos ao próprio ocupar. O lugar carrega sentido, conforme as vivências do passado e do presente e sua forma carrega subjetivamente todos os fenômenos que permitem compreender as relações sociais que organizam e identificam tal localidade.
A medida que adentrávamos nestas discussões, nos aproximamos CCA, localizado na favela Cidade Nova, que atende crianças em vulnerabilidade social, propondo atividades no período extraescolar e carrega uma enorme importância simbólica para a região que se consolidou historicamente em torno da luta pela moradia como direito e não apenas mercadoria. O CCA se estabeleceu como sede de diversas atividades que contribuíram para unificar e fortalecer os interesses da associação de moradores, se tornando um espaço coletivo e organizado da região.
De antemão, nos interessou de fato acionar o mecanismo de percepção do espaço que vínhamos trabalhando em um projeto voltado às crianças. Nota-se que, principalmente dentro desta faixa etária – 9 a 14 anos -, a maneira como se percebe o espaço é a maneira como se produz o espaço, aspecto que seria muito enriquecedor à nossas discussões. A pesquisa etnográfica de caráter artístico-dialógico, por tanto quer instigar as crianças e os adolescentes como agentes no espaço em que vivem e por meio desta posição, busca extrair os conhecimentos que possuem sobre toda a dinâmica onde vivem, nos possibilitando compreender o meio social em que estão inseridos que não se apreende tao facilmente.
A investigação partiu da elaboração de uma oficina a ser realizada conjuntamente com as crianças, no próprio CCA. Depois das duas atividades principais, se configurou uma atividade final de maior porte e coletiva. Nestes dois momentos iniciais, utilizamos o desenho de técnica livre para tratar da questão pessoal que gira em torno da rua e da moradia, colocando para eles o olhar dos espaços como constitutivos de assuntos humanos. Seguido da apresentação de mapas satélite da região, as crianças puderam vincular as produções referentes à suas vivencias a estas imagens do lugar onde vivem. Os mapas serviram como um exercício de reconhecimento da cidade em que habitam, de forma coletiva. Ainda sobre estes mapas, propusemos o traçado de suas rotas cotidianas e a identificação dos principais pontos que compõem o bairro, em suas visões. Nestas atividades, buscamos trabalhar principalmente a construção da noção do movimento de moradia e da construção de espaços coletivos.
A coleta dessas produções nos possibilitou conhecer e registrar versões e interpretações daquela localidade, levando à uma nova visão sobre de como elas entendem seu entorno e principalmente, a maneira como vivenciam e ocupam aquele território. Contribuiu também para a elaboração de um mapa geral, que ressalta as áreas de maior importância para as crianças. Esse mapa foi escalonado e aplicado na parede através da técnica de “lambe-lambe”, de forma que tomasse toda sua extensão, compondo uma base para nossa intervenção final, um mural coletivo com as crianças.
A cartografia afetiva se consolidou com a intervenção plástica das crianças sobre a parede, utilizamos recortes poligonais de papel contact colorido – cujas cores carregavam sentidos e emoções ligados as atividades anteriores – para criarmos manchas que atrelavam estes simbolismos às regiões que as crianças julgaram oportunas e que já estariam vinculadas as apreensões das atividades anteriores. Sobrepusemos estas manchas, com alguns adesivos que carregavam símbolos mais literais, como locais movimentados, de encontro, de brincar, outras escolas, suas respectivas casas e etc. se esforçando para que a composição de fato seja uma caricatura daqueles espaços para eles.
Após o encerramento do ciclo de atividades, nos deparamos com essas inúmeras novas informações coletadas. Estas de fato trazem sentidos abstratos que compõem o território e que complementam nosso entendimento dessa dinâmica urbana, se baseou em interpretações de agentes externos, que explicam o funcionamento daquela realidade social no sentido de vivencia do espaço e da maneira como se reproduzem os valores sociais que ali permeiam. Pudemos, enfim, identificar as convergências e divergências destas visões sobre um mesmo lugar, através da leitura dos símbolos trazidos pelas crianças dentro de seus desenhos, reconhecendo a maneira que se estabeleceram essas relações, e portanto, compreendendo um pouco mais a maneira que se vivencia e se ocupa nossa cidade.
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