G26_Largo do Arouche – território diverso em disputa

              

O Largo do arouche surge como objeto de estudo porque a princípio o entendemos como um lugar diverso e plural dentro da metrópole paulistana, um espaço que possibilita o encontro de diversas camadas da população e de diferentes grupos sociais.
Como recorte dentro do largo, escolhemos a população LGBTI+ para aprofundarmos nossa pesquisa, adotando a metodologia de pensar o Largo como um espaço de confluências de apropriações LGBTI+ que se deram ao longo da história e que acabaram por assumir o espaço como símbolo político da ocupação, seja pelo encontro espontâneo para o lazer, quanto para a mobilização de manifestações em favor dos direitos da comunidade e contra a opressão e violência por parte da sociedade no âmbito estrutural e no pessoal.
Sendo assim, a ocupação, que nos parecia diversa e homogênea, se mostrou, em nossas entrevistas, setorizada no sentido de apropriação dos espaços que conformam o largo tanto entre o espaço público e privado, o que gera conflito de interesses e de entendimentos acerca dele; como no próprio espaço público, que apresenta conflitos entre a própria comunidade, a qual faz usos bastantes diversos. Por mais que haja a coexistência de estabelecimentos para o público LGBTI+ em geral em nossos mapeamentos, as entrevistas surpreenderam. Nas visitas a campo, mostraram-se mais complexas as relações estabelecidas no espaço: surgem barreiras invisíveis que segregam a população seja por questões econômicas ou morais. Enquanto um senhor gay de 60 anos pertencente da classe média se sente confortável para exercer sua sexualidade apenas por trás das portas de um bar exclusivamente gay, abomina a apropriação da qual outros jovens se valem quando estão no espaço público da praça, quando exercem relações íntimas como o sexo sem qualquer pudor a longas distâncias de até 31km de suas moradas ou o garoto de programa que frequenta o largo em média 3 horas por dia e o grupo de pessoas mais velhas que vai ao largo apenas para passear com seus cachorros por 15 minutos.
E, por mais que haja violências entre esses grupos mesmo que ideológicas, entendemos que o Largo do Arouche se vê importante na sua dimensão metropolitana pelo caráter de existência e resistência LGBTI+ na capital econômica do país que mais violenta tal grupo social, uma vez que abrange pessoas de diversos grupos sociais, que se deslocam por grandes distâncias para se manifestarem enquanto parte reivindicante do urbano seja na ocupação diária, seja pela adesão em massa a eventos públicos e abertos de lazer, como acontece no Carnaval e na Virada Cultural ou de manifestação política contra a violência vinda por parte da sociedade.
Como uma forma de retribuição para as pessoas que se apropriam e ocupam esse espaço, a ideia da plataforma digital atua pelas chaves do apoio e da informação; isto é, fornece a possibilidade de construção coletiva de um mapeamento anônimo da violência sofrida por essa população e com isso, além de garantir um protagonismo das próprias vítimas na documentação desse mapeamento, das violências sofridas em um país que mais mata LGBTI+ no mundo, o banco de dados aberto e coletivo garante a identidade dessa comunidade e serve para pressionar órgãos públicos a atuar pela segurança dessas pessoas. Além disso, traz um panorama sobre a história do Largo e uma série de informativos a respeito dos estabelecimentos que estão a serviço desta comunidade.

A plataforma digital tem o intuito de auxiliar a vivência dos usuários no Largo do Arouche. Desenvolvemos um mapeamento coletivo da violência no Largo que seria divulgada majoritariamente através do produto gráfico (lambes) colado no local, levaria à plataforma digital a qual reúne tanto esse mapeamento coletivo da violência, como informações sobre os estabelecimentos voltados à comunidade LGBTI+ e instituições de apoio. A plataforma está organizada de forma que um mapa comum do largo e arredores é suporte para todas as informações contidas em uma barra subdivida em informações sobre o trabalho e entrevistas, mapeamento coletivo da violência contra a comunidade LGBTI+, indicações de lugares de apoio, estabelecimentos de lazer e entretenimento que essa população se identifica.

 

 

 

 

Para entendermos melhor como se dá à apropriação do largo como esse espaço territorial simbólico é importante pensar nas décadas 70 e 80 como momento de busca por direitos sociais, principalmente contra a ditadura, mas que serviu para um novo entendimento de representatividade e de novas realidades. A comunidade LGBT, então, se apropria destas ideias e passa a valorizar a construção de territórios próprios, constituindo fronteiras, relações de poder e a produção de espaços simbólicos para a sociabilidade urbana dessa camada da população, antes segregada em outros espaços devido ao preconceito.

Edwad MacRae (2005) defende que o gueto homossexual contribui para a construção de uma nova identidade social, e que esse fator pode contribuir para que um gay possa vir a ser conhecido enquanto homossexual em todos os meios que frequenta. O autor defende dessa forma a importância da existência do gueto e que a freqüência da população LGBT nestes espaços, mais cedo ou mais tarde, acaba afetando suas outras esferas sociais.

O largo do Arouche era no passado, conjuntamente com a rua Vieira de Carvalho, o grande reduto paulistano dos homossexuais de classe média. As duas áreas contrastavam com a praça da república, local já marginalizado.

O final da década de 1970 em São Paulo assistiu a uma ruidosa saída do armário, tendo como epicentro o largo do Arouche. Impressionado com a movimentação     paulistana, o sociólogo norte-americano Frederick Whitmam escreveu. Em 1979, que o burburinho da população gay dos fins de semana do largo do Arouche nada ficava a dever ao das famosas Castro Street, de São Francisco, e Christopher Street em Nova York. (Simões e Facchini, 2009, P. 74).

Nesta etapa do trabalho, para entender melhor como se dá essa relação, adotamos uma metodologia de pensar o Largo como um espaço de confluências de apropriações LGBT. Até então foram elaborados mapas e gráficos baseados em questionários feitos em visita a campo.

Assim, a partir da nossa premissa de estudo do espaço que envolvia a preconcepção de que o Largo era um local diverso e de apropriações homogêneas pela população LGBT, o aprofundamento e aumento de quantidade de entrevistas feitas em visitas a campo, nos mostrou que essa apropriação acontece de forma muito mais complexa. Os espaços de territorialização foram reiterados como um espaço em que os limites, apesar de não muito claramente definidos, existem.

Nesta etapa, portanto, foi-se necessária a compilação quantitativa das entrevistas que fizemos e, a partir delas, a qualitativa ao produzir conteúdo gráfico (mapeamento mais apurado dos estabelecimentos LGBT’s, entendimento dos diferentes recortes que existem no largo: tanto o recorte do próprio largo enquanto logradouro como o recorte simbólico que se dá pelos estabelecimentos que extrapolam esse limite através das populações, sobretudo da comunidade T, a qual se territorializa em seu arredores). Além disso, uma linha do tempo que exprime temporalmente o surgimentos desses estabelecimentos e enfatiza a relação público privada muito presente ao longo dos anos: como os períodos que antecedem a ditadura foram momentos importantes para a primeira fase do surgimento destes locais, como o Caneca de Prata e os cinemas pornôs e um movimento pós década de 80 em que o movimento LGBT se fortalece e é realizado o primeiro ato LGBT (1996) e a primeira parada LGBT (1997) e como no largo, neste mesmo período, são abertos outros 4 estabelecimentos para a comunidade.  

Sendo assim, por mais que haja segregação entre os diversos grupos da mesma comunidade, seja por questões morais ou socioeconômicas, o Largo do Arouche se vê importante na sua dimensão metropolitana pelo caráter de existência e resistência LGBT na capital econômica do país que mais violenta tal grupo social.

 

À primeira vista, o Largo do Arouche pode ser definido por seus limites administrativos a partir das ruas que o cercam. Entretanto, as relações sociais que lá se estabelecem configuram especificidades essenciais para o entendimento da ocupação LGBTQI+, população do estudo. A partir disso, propõe-se entender o espaço pela chave do limiar entre o público e privado e os conflitos sociais que lá se estabelecem, bem como a relação entre os limites simbólicos que não se resumem estritamente ao logradouro do largo.

Nosso estudo, a princípio, procurou signos na praça que impunham limites físicos e simbólicos que fossem representativos das diversas populações que a praça ocupam e a partir disso se ateve mais precisamente à relação entre os usos públicos e privados existentes. Isso se deu a partir de visitas a campo e entrevistas com pessoas que ali estão e a partir disso foi notório o conflito entre aqueles ocupam a praça (jovens LGBTQI+, em sua maioria de periferia) e quem se utiliza dos edifícios privados (moradores ou frequentadores de bares, em sua maioria composto por uma população gay, branca, mais velha e de classe média/alta). Buscaremos entender as motivações e os recursos que fazem com que o largo seja visto de duas maneiras opostas do ponto de vista da liberdade que lá pode-se construir: de um lado, Cícero, dono do bar gay “Caneca de Prata” cujos clientes são em sua maioria homens gays de meia idade sente-se à vontade para expressar sua sexualidade somente dentro do bar e repreende qualquer troca de afeto alheio em público. Do outro, os jovens de periferia saem de suas casas para se vestirem e se maquiarem à sua vontade para encontrarem semelhantes no largo, público, e sentem-se no conforto de expressar intimidades como a constituição de famílias (redes de adolescentes que não têm contiguidade, mas que estabelecem relações de apoio como mãe, primo ou irmã) ou até mesmo o ato do sexo.

       Tendo isso em vista, notou-se uma clara discrepância entre as relações público privadas e como o uso em cada uma delas é muito diferente. A partir delas, estabelecem-se diferentes vontades do que se deseja para aquele local. O privado é frequentado majoritariamente pela população gay, branca e de classe média alta, alguns habitantes e outros não daquele lugar. Por outro lado, o uso do espaço público se dá em sua maioria por uma população periférica, LGBTQI+ e não branca. E a partir disso, nota-se uma relação conflituosa dos primeiros que reivindicam o espaço público como um local que não se deve ser frequentado nas madrugadas (existe um abaixo assinado para o fechamento da praça após às 22h) e uma reivindicação da população não moradora do largo mas que o utiliza politicamente para celebrar a diversidade e apropriação do espaço público por quem quer que seja. Por isso, foi-se notado uma segregação que existe dentro da própria comunidade LGBTQI+ e há uma vontade de entender mais a fundo esses processos que se dão a paritr das vontades individuais e coletivas que se chocam quando relacionadas num espaço que não se restringe estritamente ao logradouro do largo do arouche mas se expande tanto para dentro dos estabelecimentos privados como também para as ruas adjacentes como Rego e Bento Freitas, Vieira de Carvalho, Major Sertório e General Jardim.

Sendo assim, mapeamos o Largo a partir da vulnerabilidade social de quem lá reside, dos estabelecimentos de público alvo LGBTQI+, das manchas simbólicas e físicas  do local para analisar as diferentes concepções e vontades que se tem para com o quadro cujas diferentes formas de ocupação são díspares e conflituosas. O embasamento teórico há de buscar sutilezas das relações no espaço construídas e direcionar o estudo para uma intervenção experimental.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A escolha pelo Largo do Arouche se deu, sobretudo, pela diversidade muito perceptível daquele lugar. Esta diversidade se dá, a princípio, numa relação entre duas esferas: a construtiva, pela enorme variedade de serviços presentes naquele local, tanto em seu entorno imediato, como em suas proximidades (escritórios, hotéis, consultórios, diferentes tipos de lojas, cabeleireiros, cinemas 24h, saunas gays, academias, padarias e etc.) e a esfera da apropriação do espaço, em sua grande maioria pela população LGBT.

Portanto, nossa primeira intenção para a escolha do Largo do Arouche como local a ser estudado é entender como se dão essas sobreposições de usos e de apropriação, sobretudo pela comunidade LGBT. Entender como as vontades se territorializam de forma a abrigar essa população e como se dão as relações entre o grupo social que frequenta este espaço e a arquitetura e o urbanismo que favorece ou não a permanência desta comunidade.

Aliado a isso e fazendo um panorama geral desta localidade, percebe-se que a moradia no local também é bastante diversa, há uma quantidade considerável de moradias constituídas de pessoas de classe média, entretanto existem outros tantos prédios com aluguéis relativamente altos. Portanto, para além da diversidade de usos que aquela localidade proporciona, percebe-se também uma boa mescla no que diz respeito às diferentes classes frequentadoras do Largo. Entretanto, e esta percepção vêm se dado na região oeste da praça da república, em direção à Santa Cecília, um movimento financeiro significativo: a modificação do espaço através do interesse que se constitui, tanto pelas incorporadoras financeiras na produção de habitação de classe média/média alta, principalmente para jovens que se deslocam da casas de seus pais, moradores sobretudo do centro-expandido, como também, e aliado a esse fluxo de contingente, a possibilidade na criação de um nicho econômico/mercadológico para essa nova população que chega.

Contudo e a partir destas premissas, ficam-se as dúvidas sobre os possíveis desdobramentos para o Largo. Como este espaço marcado pela cultura da resistência LGBT e diversidade se constituiu e como será, tendo em vista sua localidade em um território que abriga transformações recentes.